CURADORIAS E QUARENTENA:
RESPONSABILIDADES DOS JARDINS BOTÂNICOS

 

por Renato Ferraz de Arruda Veiga

 

 INTRODUÇÃO

 

Existem dois temas que necessitam de uma discussão mais ampla num fórum de Jardins Botânicos, o primeiro trata das Curadorias que inexistem no âmbito da Rede Brasileira de Jardins Botânicos, o que provoca uma lacuna na gestão dos recursos genéticos pela Rede. O segundo tema refere-se a quarentena de germoplasma que é uma ferramenta essencial à segurança fitossanitária dos recursos genéticos mantidos pelos Jardins.

 

 

O QUE SÃO AS CURADORIAS?

 

As curadorias nada mais são que um instrumento de gestão de recursos genéticos, onde cada curador é responsável pelo germoplasma de uma família, gênero, ou espécie, até mesmo por um herbário, o qual se compromete pela busca de identificação, conservação, regeneração, incremento, intercâmbio, e caracterização dos acessos. Os dados resultantes deste trabalho dos Curadores são tabulados para uso em programas de computação, servindo de instrumento de gestão para um grupo reduzido de pessoas que são denominados Coordenadores; estes se responsabilizam pelo fortalecimento da integração entre os curadores, bem como auxiliam na busca de recursos estratégicos para a viabilização das curadorias.

 

O QUE SÃO AS QUARENTENAS?

 

As quarentenas referem-se a um período em que as plantas permanecem, em um local fitossanitariamente seguro, em observação e tratamento, visando a sua futura liberação para o plantio no campo ou distribuição mercadológica. Este período baseia-se no ciclo da planta e da praga exótica (as de maior risco para a espécie, ou para espécies da mesma família). Pelas dimensões do Brasil, estruturas construídas com finalidade de uso em quarentena são praticamente inexistentes nos Jardins. No país existem os quarentenários oficiais da EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília-DF, e os da Copersucar e IAC em São Paulo. No caso de quarentenas de microorganismos a EMBRAPA Meio Ambiente possui um quarentenário em Jaguariúna, também no Estado de São Paulo.
 

Plantas em quarentena no IAC, em 2005 (milho e pinus)

 

PROPOSTAS PARA SOLUCIONAR OS TEMAS

 

1. PROPOSTA DE PORTARIA PARA AS CURADORIAS DOS JARDINS BOTÂNICOS: RBJB 01 de 25/07/2000

 

Artigo 1o - Criar o Sistema de Curadoria de Coleções, de acordo com a seguinte estrutura organizacional:

 

O SISTEMA DE CURADORIAS DE COLEÇÕES será composto por uma Comissão de Coordenação com seis especialistas indicados e referendados pela Rede Brasileira de Jardins Botânicos, sendo o presidente da Rede seu membro efetivo. Cada curadoria terá como responsável um profissional de nível superior que será denominado Curador, indicado pelo Diretor do seu Jardim e referendado pela Comissão de Coordenação.

 

Artigo 2o - Considerar como coleção, todo agrupamento representativo de uma família, gênero ou espécie, grupo de espécies (ex: frutíferas nativas), organismos vivos (ex: Rhizobium), material inerte (ex: herbários).

 

Artigo 3o – São atribuições da Comissão de Coordenação:

 

·        Organizar uma base de dados referentes às coleções, acessível a todos Jardins, e responsabilizar-se pela sua disponibilização;

 

·        Orientar, quando solicitado, o trabalho dos curadores de coleções, apresentando sugestões sobre todos os assuntos e ações referentes ao manejo, conservação, uso e implantação de novas coleções;

 

·        Socorrer as coleções que estejam correndo risco de perda, propondo soluções para sua conservação naquela unidade ou em outras;

 

·        Sugerir, quando necessário, a substituição de Curadores;

 

Artigo 4o – São atribuições do Curador de Coleção:

 

·        Zelar pela preservação da coleção sob sua responsabilidade;

·        Catalogar e manter banco de dados atualizado sobre os acessos;

·        Providenciar o acesso, o plantio, a regeneração, a multiplicação e a caracterização mínima tanto agronômica como morfológica dos materiais da coleção;

·        Providenciar a quarentena e conservação dos acessos em locais adequados e devidamente identificados;

·        Elaborar métodos de codificação seqüencial dos acessos.

·        Inventariar e publicar dados de passaporte e de caracterização;

·        Providenciar a identificação específica em casos de material inerte;

·        Manter disponível o material das coleções para intercâmbio e para os programas de melhoramento;

·        Assessorar a RBJB nos assuntos relativos aos acessos mantidos sob sua responsabilidade.

 

Artigo 5o – Esta portaria entrará em vigor na data de sua publicação (25 de julho de 2000).

 

PORTARIA RBJB 02, DE 25/07/2000

 

O Diretor da RBJB, tendo em vista a Portaria RBJB 01, de 25-07-2000, que criou o Sistema de Curadoria de Coleções, resolve designar os membros da Comissão de Coordenação e os seguintes membros Curadores de Coleções:...

 

2. PROPOSTA PARA UM SISTEMA DE QUARENTENA PARA OS JARDINS BOTÂNICOS

 

Contrapondo-se à necessidade de se introduzir, o máximo possível de acessos de um germoplasma vegetal para ampliação de sua base genética, vem a obrigatoriedade moral e profissional de se evitar a introdução simultânea de pragas exóticas, o que justifica a montagem de estruturas para abrigarem os acessos dos Jardins Botânicos.

 

A INTRODUÇÃO E A QUARENTENA DOMÉSTICA DE PLANTAS

 

Em muitos casos, não tão raros quanto se imagina, existe o risco da introdução de pragas exóticas, junto aos materiais coletados ou intercambiados pelos Jardins Botânicos.

O germoplasma introduzido, de outras regiões do país e do exterior, tem que passar necessariamente por um rígido controle. Tal controle refere-se, em primeiro lugar, ao fiel cumprimento da legislação fitossanitária vigente, prosseguindo com ações que incluem uma infra-estrutura de segurança quarentenária. As liberações para o campo ou para casa de vegetação aberta, de qualquer germoplasma quarentenado, somente devem ser efetuadas quando o acesso já foi examinado e considerado isento de pragas.

Apesar das plantas nativas já estarem aclimatadas e não possuírem pragas exóticas, ainda há o risco de abrigarem pragas exóticas não detectadas anteriormente, e ainda de que tais pragas virem a se adaptar à outras espécies de plantas economicamente importantes ao país. A coleta de germoplasma de populações silvestres ou mesmo de material cultivado ou cultígen, não dispensam portando as inspeções e quarentena doméstica.

No caso das plantas desejadas procederem do centro de origem, de dispersão ou de transdomesticação, da espécie desejada, deve-se lembrar que é justamente nestas regiões que ocorrem as pragas adaptadas as plantas.

 

Quarentena de plantas ornamentais no IAC, em 2004

PRECAUÇÕES NAS INTRODUÇÕES DO EXTERIOR

 

a) Ao pensar em introduzir algum novo acesso do exterior deve-se consultar, com antecedência, as autoridades da Defesa Sanitária Vegetal sobre as exigências legais para a introdução;

b) Contactar, com antecedência, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia sobre a possibilidade de efetuarem a quarentena, consultando sobre a inexistência do germoplasma no País;

c) Ao solicitar um material deve-se procurar introduzir somente o essencial para a pesquisa ou para um início de cultura, e em caso de banco de germoplasma introduzir paulatinamente os acessos;

d) Preferir a introdução de germoplasma, de regiões reconhecidamente isentas de pragas indesejáveis;

e) No intercâmbio dar preferência para a introdução de germoplasma na forma de cultura "in vitro" ou sementes;

 

INFRA-ESTRUTURA DE UM QUARENTENÁRIO

 

Para se garantir a sanidade do germoplasma introduzido nos Jardins Botânicos, torna-se necessária a construção de pequenos quarentenários com as seguintes características sugeridas:

Anexo ao quarentenário deve existir uma sala preparada para a recepção e abertura de volumes. A sala deve ser asséptica e telada afim de se evitar a contaminação ou o escape de possíveis pragas. Recomenda-se contar com um estéreo-microscópio para o exame, uma geladeira frost-free e uma geladeira comum para o armazenamento, forno mufla e autoclave para destruição de embalagens e partes vegetativas contaminadas.

Todo equipamento utilizado no quarentenário não deve ser utilizado para outros fins sem ser esterilizado, devendo possuir vestimentas próprias para adentrar ao mesmo.

A casa de vegetação deve ser construída de maneira que seja de trânsito exclusivo para os responsáveis, devendo possuir estrutura com vidros e telas a prova de insetos, podendo ser rodeada externamente por uma canaleta d’água (destinada a evitar a entrada de insetos rasteiros). Suas portas, tanto internas como externas, podem ser vedadas com borracha e todas as janelas cobertas com tela de 40 malhas/pol2. Internamente pode ser subdividida em várias salas, separadas entre si por vidros e alvenaria; as janelas de ventilação devem ser totalmente teladas e com alavanca de abertura externa à casa de vegetação; o piso deve ser totalmente cimentado, contendo ralos que conduzam a água excedente para um poço profundo, tampado com laje de concreto.

O quarentenário também pode ser dotado de dependências complementares como vestíbulo, banheiros e depósito.

Deve possuir antecâmara de acesso ao corredor para as salas de quarentena;

Externamente ao quarentenário poderá existir o local para o depósito e tratamento de terra, areia e adubo, e uma cerca para dificultar o acesso de pessoas estranhas.

Todas as dependências podem ser contíguas à casa de vegetação, de modo que em sendo um só bloco, facilita o controle e reduz o trânsito com o germoplasma.

O local deve ser planejado afim de permitir fácil acesso aos pesquisadores e técnicos responsáveis.

 

Vista frontal do Complexo Quarentenário do IAC Homenagem ao
Dr. Emílio Bruno Germek (2006)


LITERATURA CONSULTADA

 

BRANCO, M.C. & REIFSCHNEIDER, F.J.B. Índice de patógenos de sementes de hortaliças não detectados no Brasil. Brasília, EMBRAPA-CNP Hortaliças, 1989. 19p. (Documento 3).

GOEDERT, C.O., VALLS, J.F.M. & VEIGA, R.F.A.  Biodiversidad y Recursos Geneticos. In: Dimensiones que condicionan el desarrollo tecnologico agropecuario y agroindustrial del Cono Sur: Implicancias para los INIAs y el PROCISUR. Montevideo, PROCISUR, novembro de 1996, 8p.(Datilografado).

GERMEK, E.B. A introdução de plantas no desenvolvimento da Agricultura. O Agronômico, Campinas, 27/28:365-375, 1975/76.

GERMEK, E.B. A importância da Introdução de Plantas nos Trabalhos de Melhoramento. Campinas, Instituto Agronômico, 1992, 15p. (Documentos IAC, 28).

GIACOMETTI, D.C.  Intercâmbio de germoplasma de hortícolas: regulamentação e procedimentos. Campinas, Rev. Bras. Hort. Orn., 1:(1) 40-47, 1995.

HEYWOOD, V.H.(ed).). 1995. Global Biodiversity Assessment. UNEP, Cambridge University Press. UK. 118p.

LEÓN, J.  Utilização e intercâmbio de Recursos Genéticos na América Latina. In: PASSOS, F.A.  Anais do I - Simpósio Latino-Americano Sobre Recursos Genéticos de Espécies Hortícolas. Campinas, Fundação Cargill, 170-177p. 1990.

MALAVOLTA JR., V.A.; ALMEIDA , I.M.G.; BERIAM, L.O.S. e RODRIGUES NETO, J. Bactérias patogênicas a plantas ornamentais ocorrendo no Brasil: uma atuallização. Rev.Bras. Hort.Orn., Campinas,v.1, n.1, p. 56-63, 1995.

NÓBREGA, H.B. Manual de inspeção fitossanitária do trânsito internacional e interestadual. Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura - Delegacia Federal de Agricultura, 1987. 331p.

PATERNIANI, E. Diversidade genética em plantas cultivadas. In: Encontro Sobre Recursos Genéticos, 1., Jaboticabal, 1988. Anais, Jaboticabal, FCAV, 1988. p.75-77.

PLUKNETT,D.L.; SMITH, N.J.H.; WILLIAMS, J.T. & ANISHETTY, N.M. Gene banks and the world's foood. Princeton, Princeton University Press, 1987. 218p.

QUEROL-LIPCOVICH, D. 1988.  Recursos Geneticos, Nuestro Tesoro Olvidado. Lima , Peru. Industrial Gráfica SA.  218pp.

VEIGA, R.F.A.; GERMEK, E.B.; FARIA, J.T.; OLIVEIRA, W.R.; NUCCI, T.A. & COELHO, S.M.B.M.  O Sistema de Introdução e Quarentena de Plantas do Instituto Agronômico e os procedimentos necessários ao intercâmbio de germoplasma Campinas, Instituto Agronômico, 1992.  20p. (Documentos IAC, 23)

WILSON, E.O. 1988. The current state of biological diversity. In: Wilson, E.O.  (ed) Biodiversity.  National Academy Press, Washington, DC.p.3-20.

 

Renato Ferraz de Arruda Veiga é Pesquisador Científico VI  e Diretor do Jardim Botânico do Instituto Agronômico - IAC
Doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil.
Mestre em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil.
Graduado em Agronomia pela Faculdade de Agronomia E Zootecnia Manoel Carlos Gonçalves, FAZMACG, Brasil.
Contato: veiga@iac.sp.gov.br

 

Para aprofundar conhecimento do assunto, o Instituto Agronômico - IAC, está oferecendo o Curso on-line de Introdução ao Manejo de Recursos Fitogenéticos, ministrado pelo Pesquisador Renato de Arruda Veiga

 

Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEIGA, R. F. A. CURADORIAS E QUARENTENA: RESPONSABILIDADES DOS JARDINS BOTÂNICOS. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em:
<
http://www.infobibos.com/Artigos/2006_2/quarentena/index.htm>. Acesso em:


publicado no InfoBibos em 15/07/2006

Veja Também...