O Cultivo do Vime

por Dieter Brandes e Antonio Edu Arruda

         O vime é um produto obtido de espécies do gênero Salix, da família Salicaceae. São conhecidas cerca de 300 espécies desse gênero, entre árvores e arbustos, espalhadas pela Europa, América do Norte, Ásia e África.

          A Salix humboldtiana Wiild é a única espécie nativa da América do Sul, ocorrendo ao longo de rios e canais desde o sul do México (23º N) até a província de Chubut, na Argentina (45º S). O gênero Salix ocorre predominantemente em solos úmidos de climas frios e temperados, mas diversas espécies de Salix se adaptam perfeitamente a áreas secas, incluindo zonas alpinas e de altas latitudes.

          Os exemplares arbóreos de Salix são conhecidos como salgueiro, salso, chorões (willows); as formas arbustivas, de uso tradicional em artesanato e cestaria são denominadas de vime. A literatura destaca, pela boa qualidade na confecção de cestas, Salix viminalis L., Salix purpurea L., Salix cinerea L., Salix caprea L., Salix triandra L., Salix alba L., subsp. Vitellina e Salix fragilis L. (Comunicado Técnico nº 71 da Embrapa, da autoria do Eng. Florestal, PhD, Vicente Pongitory Gifoni Moura. Este mesmo autor nos informa que o cultivo do vime tem sido objeto de interesse há séculos, devido ao fato de que a madeira do Salix, tanto arbórea como arbustiva, é fácil de ser trabalhada e de ser propagada.

          A utilização do vime é relatada desde a antiguidade, sendo que em Ur, pátria de Abrahão, foram descobertos sarcófagos de vime que datam de mais de 5.000 anos. A bíblia lhe faz referência quando descreve que, no reinado de Ramsés II, no Egito, Moisés foi resgatado das águas do Nilo em uma cesta de vime. O Salix começou a ser plantado na Europa no início do século passado, registrando-se na França cultivo superior a 100.000 hectares. Com o advento dos produtos sintéticos, que o substituíram, seu cultivo diminuiu sensivelmente. Hoje, somente alguns países do leste europeu, como a ex-União Soviética, Polônia e Hungria, mantém seu cultivo em níveis consideráveis. Moura ressalta que, atualmente, poucos países se interessam pela fabricação de móveis de vime, apesar de, durante muito tempo, ter existido uma indústria desenvolvida na França, Espanha e Itália.

          Esses países mantêm atualmente uma pequena produção, destinada principalmente à elaboração de produtos de alta qualidade, que permitam diluir os altos custos associados. Já nos países do leste europeu, onde os custos da terra e da mão-de-obra são mais reduzidos, a indústria se mantém, com a Polônia e a Hungria liderando o comércio do vime bruto na região. Na América do Sul, o Chile utiliza o S. viminalis em trabalhos de cestaria, movelaria e artesanato.

          Espécies de Salix produtoras de vime foram introduzidas no Brasil há mais de meio século, em São Paulo e nos estados do Sul. Segundo M. Pio Correa, em seu Dicionário de Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas (1978), as espécies S. alba e S. purpurea foram introduzidas e aclimatadas no Brasil e se destacam pelo valor medicinal, na produção de “salicina”, na fabricação de perfumes artificiais e no tratamento do reumatismo e de outras doenças febris. A espécie S. babilonica L., tradicionalmente conhecida como “chorão”, é originária da China. É cultivada em diversos países como planta ornamental, na arborização urbana, sendo seus brotos e flores indicados pra combater febres, tuberculose, úlceras e dor de dente.

          Em Santa Catarina o vime está presente há quase um século, acompanhando principalmente os imigrantes italianos. Introduzido juntamente com a vinicultura, persistiu ao longo do tempo com diversos usos e aplicações, com destaque para a proteção de barrancas de rio, fabrico de canoas, cangas de boi, calçados (tamancos) e artigos trançados de uso doméstico (cestas, balaios, gaiolas, etc.). É utilizado ainda em paisagismo, fabrico de brinquedos, amarração de vegetais (parreiras e kiwi), bioenergia, fitorremediação (descontaminação de solos e lençóis freáticos), na fitoterapia e na terapia ocupacional.

          A partir da década de sessenta do século passado, o incremento da vitivinicultura e o declínio das plantações de vime na serra gaúcha ensejou a comercialização catarinense do vime “in natura”, para suprir as demandas daquela atividade (amarração das plantas de videira e trançados para garrafas, garrafões e cestas de colheita). O vime passou a ter importância econômica, com aumento da área plantada e da produção no vale do Rio Canoas.

          O cultivo se concentra hoje na região da Serra Catarinense, nos municípios de Rio Rufino, Bom Retiro, Bocaina do Sul, Urubici, Urupema, Painel e Lages, de onde expandiu-se para outras regiões do estado (Rio dos Cedros e Garuva) e do país. Atualmente, na região Serrana, 1266 famílias se dedicam ao cultivo de 1215 hectares de vime.

          A produção anual é de 15790 toneladas de varas verdes (cerca de 6000 toneladas de varas secas, prontas para o artesanato). Se comercializada na forma de varas verdes a atividade pode gerar, anualmente, cerca de R$ 2,36 milhões – uma estimativa -, uma vez que as oscilações no preço recebido pelos agricultores são um dos principais entraves à atividade.

          A transformação da conjuntura nacional e mundial, com os agricultores saindo da agricultura de subsistência para a economia de mercado, exigiu mudanças na forma de exploração das propriedades. Nesse ambiente o vime, cujo cultivo pouco depende de recursos externos à propriedade, tornou-se importante fonte de renda e contribuiu para a permanência de significativo número de famílias no campo. A atividade contribui para a manutenção das unidades produtivas, ocupando a mão-de-obra local. Remunera essencialmente os fatores internos de produção (mão-de-obra e recursos naturais).

          É pouco mecanizada, a maioria das atividades são executadas manualmente. Não compete com as lavouras tradicionais, desenvolvendo-se em áreas marginais que apresentam restrições ao cultivo. O processo produtivo do vime é ambientalmente recomendável, pois nele não são usados pesticidas (inseticidas, fungicidas e herbicidas). Além do sistema de produção utilizar o mínimo de insumos externos, recicla nutrientes normalmente indisponíveis aos cultivos convencionais, preserva o solo, melhora a qualidade da água, protege as margens dos rios e está adaptado às condições locais. O volume de artesanato produzido regionalmente é incipiente quando comparado à produção de matéria prima.

          Apenas 10% do total colhido são transformados nos municípios produtores, o que confirma a baixa apropriação, pelos agricultores e artesãos, dos recursos gerados pela atividade na região. É necessário estimular a produção local de artesanato com melhor acabamento, pela introdução de novas técnicas e novos desenhos que atendam o mercado consumidor, mudando a realidade atual, onde 90% da produção é comercializada na forma de varas, para outras regiões do Estado e do país. Cabe salientar que no processo de transformação artesanal, 800 a 1000 quilos de varas secas são suficientes para uma pessoa trabalhar o ano inteiro na confecção de peças. A produção anual gera ocupação para 6.000 a 7.500 pessoas, trabalhando em tempo integral, somente no artesanato, sem considerar o restante da cadeia produtiva.

          A comercialização, inicialmente realizada diretamente entre produtores e consumidores, foi sendo paulatinamente assumida por intermediários, que detêm estoques e regulam o mercado, o que provoca oscilações dos preços. Os intermediários visitam isoladamente os produtores e compram o produto a granel, sem classificação e sem tipificação – os produtores desconhecem as exigências de qualidade requeridas pelos artesãos. Nessa forma de comercialização o produtor é prejudicado, os preços recebidos sofrem grandes flutuações e é ínfimo em relação ao que é cobrado dos artesãos. Os produtos do artesanato local também são pouco competitivos, suas peças geralmente não possuem as qualidades desejáveis e o design deixa a desejar.

          À medida que a atividade ganhou importância regional, produtores e suas lideranças sentiram a necessidade de melhorar o sistema produtivo e agregar valor ao produto pela transformação artesanal local. Solicitada, a Epagri, que até então não desenvolvia qualquer ação nesta atividade, reconhecendo sua importância social, econômica e ambiental, aliou-se aos produtores para seu planejamento conjunto. Foram contratadas duas consultoras, nas áreas de agronomia e artesanato, ao tempo em que foi elaborado o “sistema de produção do vime”, necessário à inclusão da cultura como atividade financiável no sistema nacional de credito rural.

          A consultoria evidenciou a importância e a dimensão da atividade e apontou para a necessidade de trabalhos de pesquisa e extensão rural, visando resolver os problemas resultantes da baixa apropriação, pelos agricultores e artesãos, dos recursos gerados pela atividade na região. Como principais entraves foram enumerados:

• Baixa agregação de valor à matéria prima;
• Dificuldade de acesso ao mercado consumidor;
• Pouca tradição em trabalhos associativos;
• Dificuldade de incorporação de novas técnicas de produção e transformação artesanal.

          Outras instituições públicas e privadas, além da sociedade civil, demonstraram interesse em formar parcerias, oportunidade em que foi criado o Projeto de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Vime na Serra Catarinense. Fazem parte desse projeto:

• o Serviço Nacional de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae-SC);
• a Agência de Desenvolvimento da Serra Catarinense (Ageserra);
• a Associação de Produtores de Vime de Rio Rufino (Aprovime);
• a Cooperativa de Crédito Rural de Rio Rufino (Sicoob/SC - Cediunião);
• a Cooperativa de Artesanato de Vime e Outros Produtos do Planalto Catarinense (Cooperart) e
• a Associação de Micro e Pequenos Empresários de Lages (AMPE).

          Foi proposta a construção de uma Unidade de Capacitação, nas dependências do Cetrejo – Centro de Treinamentos da Epagri de São Joaquim -, para estimular o aprimoramento das áreas de produção de matéria-prima e da produção artesanal, pela incorporação de novas técnicas que permitam competição de mercado. A Unidade facilitaria a busca de conhecimento pelos agricultores, tendo em vista que hoje não existe uma estrutura regional para suprir esta demanda.

          Individualmente, os agricultores não possuem condições financeiras para o aperfeiçoamento em outros locais. No projeto estão previstas ações em áreas importantes como pesquisa e extensão aplicadas ao cultivo, capacitação para o trabalho artesanal, gerenciamento dos empreendimentos, além de assessoramento na organização e na comercialização dos produtores de vime. À par de várias ações desenvolvidas nas áreas de comercialização e de capacitação cumpre lembrar que, na área de pesquisa, foram instalados ensaios de densidade e espaçamento de plantio, durante três anos, além de uma coleção de cultivares e espécies oriundas do país e do exterior (Argentina, Chile e paises da Europa). Um amplo trabalho de diagnóstico de solos e nutrientes foi realizado durante quatro anos. Os dados estão em fase de análise.


*Fonte: EPAGRI - Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A. http://www.epagri.rct-sc.br

Eng. Agrônomo, PhD, Dieter Brandes - dbrandes@epagri.rct-sc.br
Pesquisador da Epagri

Antonio Edu Arruda - arruda@epagri.rct-sc.br
Extensionista Rural da Epagri

 

Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica (ABNT):

BRANDES, D.; ARRUDA, E. A.. O cultivo do vime. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2006_2/Vime/index.htm>. Acesso em:

publicado no InfoBibos em 21/06/2006

imprimir

Envie para um amigo

 


Veja Também...