DESAFIOS AO MANEJO DE PLANTAS DANINHAS NA CULTURA DO FEIJOEIRO-COMUM (Phaseolus vulgaris) NAS REGIÕES NORTE E NORDESTE DO BRASIL

por José Roberto Antoniol Fontes

INTRODUÇÃO

            O feijão-comum é um dos principais alimentos consumidos pelo brasileiro, com produção distribuída por todas as regiões. Segundo estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), a área plantada, a produção e a produtividade média no Brasil para a safra 2005-2006 são estimadas em cerca de 4,16 milhões de ha, 3,28 milhões de toneladas e 788 kg/ha, respectivamente, ressaltando que além do feijoeiro-comum, o feijão-caupi (Vigna unguiculata) também é considerado nesta estimativa (BRASIL, 2006). O feijão-caupi é mais cultivado nas regiões Norte e Nordeste do país. Na safra 1998-1999, a cultura do feijoeiro-comum ocupou 3,33 milhões de ha, com produção de 2,52 milhões de toneladas (YOKOYAMA & STONE, 2000). Em 2004, entretanto, houveram reduções de área plantada (2,52 milhões de ha) e de produção (2,64 milhões de toneladas) (EMBRAPA, 2006). As produtividades alcançadas nos períodos, de 756 e de 954 kg/ha, respectivamente, podem ser consideradas pequenas pois existem disponíveis para os produtores rurais variedades com potencial produtivo bem mais elevado (algumas até três vezes maior) (YOKOYAMA & STONE, 2000).

Entre os fatores responsáveis por esta realidade podemos considerar o manejo inadequado das plantas daninhas na cultura. A interferência das plantas daninhas no feijoeiro-comum tem efeito direto sobre a cultura provocando redução de produtividade, além de dificultar a colheita e prejudicar a qualidade do grão por causa da mistura com sementes. O período crítico de interferência das plantas daninhas com o feijoeiro-comum sofre influência das condições ambientais, com variações de local para local. Pode situar-se entre 15 e 30 dias após a emergência das plantas (VIEIRA, 1985) ou entre 36 e 57 dias (KOSLOWSKI et al., 2002). A redução de produtividade devido a livre interferência das plantas daninhas com o feijoeiro-comum pode ser de até 75% (KOSLOWSKI et al., 2002; FONTES et al., 2006).

Em comparação a outras culturas como a cana-de-açúcar, o milho e a soja, o feijoeiro-comum pode ser considerado merecedor de menos atenção no tocante aos estudos da ciência das plantas daninhas. Pesquisa feita no endereço eletrônico da revista Planta Daninha, principal publicação da Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas, utilizando como critério palavra-chave feijao, mostrou que entre os inúmeros trabalhos publicados apenas 33 abordaram a cultura do feijoeiro-comum no período entre os anos de 1978  e o primeiro número de 2006 (algo em torno de 1,2 trabalho publicado por ano). A revista Planta Daninha não é o único veículo de divulgação de trabalhos técnico-científicos relacionados ao tema agricultura, mas planta daninha ou a associação dos temas feijoeiro-comum X plantas daninhas não são os principais assuntos abordados pelos outros.

O MANEJO DE PLANTAS DANINHAS NA CULTURA DO FEIJOEIRO-COMUM NAS REGIÕES NORTE E NORDESTE DO BRASIL

Como já mencionado, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil a cultura do feijoeiro-comum tem sua importância dividida com o feijão-caupi. Além disso, a análise da lista oficial de recomendação de cultivares de feijoeiro-comum para estas regiões, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), recomenda variedades apenas para os estados de Alagoas (2), Bahia (13) e Sergipe (2).

Então o que podemos considerar como desafios ao manejo de plantas daninhas na cultura nestas duas regiões? Em princípio devemos considerar que existem produtores que se dedicam a esta cultura e que existe uma cadeia produtiva instalada. Portanto, os desafios ao manejo de plantas daninhas na cultura nestas regiões precisam ser identificados, ou compreendidos, para o estabelecimento de programas de manejo integrado.

            Se pudéssemos considerar, para efeito desta discussão, que todos os outros fatores envolvidos na produção do feijoeiro-comum não têm interferência negativa na cultura, uma primeira recomendação é reunião de todas as informações relacionadas ao tema manejo de plantas daninhas na cultura do feijoeiro-comum nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Isto permitirá, por exemplo, criar um banco de dados para caracterizar o estado da arte nestas regiões. Eis então um primeiro desafio a ser vencido.

            Em decorrência desta primeira ação poderão ser respondidas algumas questões:
há pesquisadores realizando estudos sobre o manejo integrado de plantas daninhas, em geral, nestas regiões?

            É certo que há colegas, em universidades e centros de pesquisa, e de alguma maneira, conduzindo trabalhos sobre o assunto plantas daninhas. É muito comum, por exemplo, trabalhos de pesquisa para avaliar e, ou validar técnicas de controle de plantas daninhas para indicá-las em publicações do tipo “Sistemas de Produção”. O que não se sabe, com certeza, é o número de profissionais envolvidos.

os trabalhos estão sendo conduzidos isoladamente ou em algum tipo de rede de pesquisa?

            A integração de ações de pesquisa deve ser buscada sempre, não apenas na área de manejo de plantas daninhas e seus vários enfoques, mas também em áreas relacionadas tais como mecanização agrícola, manejo e conservação do solo e da água, entomologia, fitopatologia, etc.

já foram, ou estão sendo, desenvolvidos trabalhos de pesquisa nestas regiões para o entendimento do impacto manejo de plantas daninhas na cultura do feijoeiro-comum?

            Quais os impactos ambientais decorrentes das ações de manejo de plantas daninhas na cultura nestas regiões? Positivos ou negativos? E os impactos econômicos? E os sociais?

as necessidades de produtores rurais foram ou estão sendo consideradas na elaboração de ações de pesquisa para o estudo do manejo integrado de plantas daninhas?

            O produtor de feijão-comum, qualquer que seja ele, encontra oportunidade ou um meio qualquer para expor aquilo que considera relevante quando o assunto é o manejo de plantas daninhas na cultura?

os resultados dos trabalhos conduzidos até hoje permitiram ou permitem estabelecer um programa de manejo integrado de plantas daninhas na cultura?

             Acredita-se que sim. As informações têm chegado aos produtores? E de que forma?

a partir dos resultados obtidos, gerados pelos trabalhos, foram realizadas ações de transferência de tecnologia para levar as informações aos produtores e atender as suas necessidades?

            Os meios de difusão tecnológica têm sido os mais apropriados para levar informações aos interessados? O número de ações tem sido suficiente? Qual é, ou deveria ser, o papel das instituições de pesquisa neste aspecto?

existe nas regiões serviço de extensão rural, público ou privado, formado por corpo técnico capacitado? O número de técnicos é suficiente?

            A extensão rural é, ou deveria ser, responsável por um serviço de relevância inquestionável: a difusão de tecnologias. Uma de suas principais vantagens é a rede de atendimento (“capilaridade”) de seus agentes. E esta característica é importante não apenas para atender as demandas de produtores, mas também para levar informações aos pesquisadores que possam servir na orientação de trabalhos de pesquisa.

os produtores rurais têm sido atendidos por este serviço?

            Não adianta para nada um conjunto de informações que permita realizar o manejo integrado de plantas daninhas se não existe o elo que liga a pesquisa ao produtor atuando de maneira eficiente e coordenada.

quais as estratégias de manejo de plantas daninhas adotadas pelos produtores de feijão-comum?

            O manejo é mecânico? É mecânico com enxada ou com terçado? É químico? O controle de plantas daninhas é realizado apenas durante o crescimento da cultura ou em outros períodos como a pré-semeadura ou a pós-colheita? Existe preocupação, por exemplo, com o banco de sementes no solo?

as estratégias adotadas são as recomendadas?

             Existe um sistema formal de recomendação de estratégias de controle (sistemas de produção) ou ela é feita de outra forma, considerando conhecimentos tradicionais.

as estratégias são corretamente implementadas?

            O manejo é feito no período determinado? O método adotado é o preconizado? O equipamento é o mais adequado? As orientações são obedecidas?

novos enfoques do manejo de plantas daninhas têm sido considerados na elaboração de novas propostas de ações de pesquisa?

             O controle biológico e a utilização das técnicas da biotecnologia são duas áreas do conhecimento de grande interesse para o manejo de plantas daninhas em todo o mundo. O controle biológico poderá um dia ser o principal método de controle de plantas daninhas? Isto é muito ambicioso? A biotecnologia poderá ser responsável pela construção de plantas de interesse que tenham, por exemplo, alta capacidade de competição e muito produtivas? Poderemos criar plantas que por meio da produção e liberação de compostos alelopáticos irão dispensar o emprego de outros métodos de controle?

e os velhos enfoques?

            Rotação de culturas, cobertura da superfície do solo por espécies recomendadas como adubos verdes, controle cultural, alteração de arranjo de plantas e de densidades de semeadura, etc.

           Os desafios, portanto, são muitos. As soluções podem ser simples ou mais complexas. Algumas dependem apenas de atitudes pessoais, outras de ações institucionais ou interinstitucionais. Muitas vezes nem são de ordem técnica ou científica, mas sim de ordem político-econômica, sócio-cultural ou financeira. Como exemplos:

1- Política: é preciso haver investimento para capacitação de técnicos da extensão rural, principalmente os do setor público. Para isso podem ser elaborados cursos e seminários específicos sobre identificação de espécies daninhas, sua biologia e ecologia, fatores que influenciam a eficácia de métodos de controle. Outra questão a ser resolvida está ligada a questões de infraestrutura e de logística, principalmente na região Norte, cuja malha de transportes é precária, com influência direta e indireta nos preços de insumos e de produtos.

2- Sócio-cultural: muitos agricultores que se dedicam ao cultivo do feijoeiro-comum são agricultores familiares, que adotam os mesmos métodos de controle empregados há gerações. Algumas vezes, pequenas modificações em um processo podem ser responsáveis por melhorias com conseqüências positivas para a qualidade e a quantidade da produção. É preciso saber identificar as etapas que são passíveis de melhoria e definir quais as melhores formas de convencimento.

3- Financeira: o produtor de feijão-comum típico utiliza, no máximo, propriedades de 20 ha e é responsável por 67,7% da área plantada e 59,7%  da produção (médias da primeira e da segunda safra) (YOKOYAMA & STONE, 2000)). Sua capacidade financeira é muito limitada, com influência direta no manejo adotado na cultura, não apenas no manejo de plantas daninhas. O controle de plantas daninhas, em geral, é a operação de maior custo de produção para a maioria das culturas. A redução da disponibilidade de mão-de-obra no meio rural, com conseqüente aumento no valor de diárias e de salários, a elevação dos preços de insumos e a redução dos preços pagos pela venda dos produtos pode provocar desestímulos no produto levando-o, inclusive, a abandonar o cultivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Companhia Nacional de Abastecimento. Quinto Levantamento de avaliação da safra 2005-2006. Brasília. CONAB, 2006. 30p.

EMBRAPA. Agência de informação – Feijão. Disponível em: http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/agencia4/AG01/Abertura.html. Acesso em: 03 de maio 2006.

FONTES, J.R.A.; SILVA, A.A. da; VIEIRA, R.F.; RAMOS, M.M. Metolachlor e fomesafen aplicados via irrigação por aspersão em plantio direto e convencional. Planta daninha, Viçosa, v. 24, n. 1, p. 99-106, 2006.

KOSLOWSKI, L.A.; RONZELLI JÚNIOR, P.; PURISSIMO, C.; DAROS, E.; KOEHLER, H.S. Período crítico de interferência das plantas daninhas na cultura do feijoeiro-comum em sistema de semeadura direta. Planta daninha, Viçosa, v.20, n. 2, p. 213-220, 2000.

VIEIRA, C. O feijão em cultivos consorciados. Viçosa, UFV. 1985. 134 p.

YOKOYAMA, L.P; STONE, L.F. Aspectos conjunturais da cultura. In: YOKOYAMA, L.P.; STONE, L.F. (eds.). Cultura do feijoeiro no Brasil: Características da produção. Santo Antônio de Goiás : Embrapa Arroz e Feijão. 2000. 75p.

* Palestra proferida no VI Seminário sobre Pragas, Doenças e Plantas Daninhas do Feijoeiro, realizado no Instituto Agronômico, Campinas-SP, de 14 a 16 de junho de 2006.


José Roberto Antoniol Fontes possui graduação em Agronomia (1994), mestrado em Fitotecnia (1997) e doutorado em Fitotecnia (2002), todos os títulos obtidos na Universidade Federal de Viçosa. Pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental - Manaus/AM, com ênfase em manejo integrado de plantas daninhas. Outras linhas de atuação são agricultura de precisão e cultivo da seringueira.
Contato: zeroberto@cpaa.embrapa.br


Reprodução autorizada para fins acadêmicos desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

FONTES, J.R.A. Desafios ao manejo de plantas daninhas na cultura do feijoeiro-comum (Phaseolus vulgaris) nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2006_3/pl1/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 09/11/2006