A TOMADA DE DECISÃO NA ESCOLHA DE SISTEMAS DE PREPARO DO SOLO

por Afonso Peche Filho

            Normalmente após o plantio e tratos culturais da cultura de inverno, a propriedade agrícola entra no compasso de avaliar o desempenho operacional do ano anterior, consequentemente deve promover estudos para enfrentar um novo período de atividades com o início da safra de verão. Os resultados levam proprietários, gerentes e funcionários a criar expectativas, como por exemplo, em torno da expansão ou redução de culturas, contratação de pessoal, compra de insumos e também de novos investimentos no setor de máquinas e implementos. Neste momento, para o proprietário ou para o gerente chegou à hora sagrada de tomar decisões.

            Sem dúvida, dar importância à tomada de decisões é hoje um dos baluartes da moderna administração, principalmente naquelas empresas que utilizam a filosofia da qualidade total. Na agricultura nada é diferente, sendo uma atividade de risco, é totalmente dependente do sucesso, e os agricultores lutam para serem produtivos e acima de tudo competitivos. Tomar decisões corretas representa acima de tudo eficiência e competitividade.

            Segundo o "guru" Peter F. Drucker, especialista consagrado mundialmente pelos seus trabalhos em administração de empresas "a tomada de decisão é uma tarefa do gerente", cabe ao gerente, devido à sua posição e o conhecimento que tem da empresa; e espera-se dele uma decisão com um significativo impacto sobre toda a organização (propriedade agrícola) influenciando no seu desempenho e resultados; para Drucker "gerentes eficazes tomam decisões eficazes".

            A questão ligada à tomada de decisão é tão importante que estudos realizados nos Estados Unidos sobre a preparação de profissionais pelas universidades americanas, identificaram que dentre os tópicos mais importantes, está a "tomada de decisão com base nos fatos", que envolve vários pontos como: custos, estratégia operacional, análise de casos, conhecimento, etc. O Prêmio Nacional de Qualidade Malcolm Baldrige, principal programa de estímulo à qualidade de empresas americanas, entre as quais propriedades agrícolas e agro-industriais, têm como um de seus principais itens de avaliação a "tomada de decisão baseada em fatos".

            No Brasil, o Ministério da Agricultura e Abastecimento lançou em 1997, o Prêmio da Qualidade na Agricultura, utilizando como referencial os critérios de excelência do Prêmio Nacional da Qualidade, que trata da avaliação do modelo de administração e gerenciamento, praticado por empresas que buscam uma melhor inserção no mercado competitivo e consequentemente hábeis em tomar decisões corretas.

            Para o americano Drucker, uma decisão é um julgamento; é a escolha entre alternativas. E raramente, uma escolha entre o certo e o errado. No máximo, é uma escolha entre o "quase certo" e o "provavelmente errado", mas, muito mais freqüentemente, é uma escolha entre duas linhas de ação, em que nenhuma delas está provavelmente mais perto do certo do que a outra.

            No gerenciamento agrícola, constantemente o agricultor depara com a necessidade de tomar decisões, em alguns casos, essa decisão altera completamente o processo operacional da produção e o exemplo clássico é a escolha entre as alternativas para o preparo de solo, que na prática muito se assemelha ao que diz Peter Drucker, pois as variáveis são muitas, e são necessários estudos para definir qual é a alternativa que melhor se adequa aos fatos da propriedade agrícola, principalmente quando a decisão é no sentido de mudar de sistema, do convencional para o preparo reduzido ou para o plantio direto na palha.

Neste sentido, partindo da premissa que todos os agricultores se interessam e necessitam estudar as possibilidades de mudança ou permanência no sistema de preparo do solo, devemos admitir alguns princípios e regras para uma tomada de decisão eficaz na escolha ou rejeição de um sistema estudado.

            Como princípio básico para estudo, temos que admitir que as decisões não devam ser focadas só na tecnologia disponível nas máquinas e sim considerar prioritariamente os efeitos do sistema no solo e seus custos.

            Como regras devemos admitir que as bases para a tomada de decisão estão alicerçadas em:

a)      Definição do problema que está gerando a intenção de mudanças;

b)      Nos efeitos do novo sistema operacional sobre a organização da propriedade e no comportamento dos funcionários;

c)      Nos objetivos básicos de desenvolvimento agrícola;

d)      Na contratação e/ou treinamento das pessoas para ocupar posições chaves no processo.

 Nos quadros 1 e 2 podemos analisar detalhadamente os princípios e regras sugeridos para estruturar uma tomada de decisão eficaz em relação à análise e escolha do sistema de preparo do solo.

Quadro 1 - Princípios básicos para escolha do sistema de preparo do solo

Ø      decisões não devem ser focadas somente na tecnologia disponível nas máquinas;

Ø      decisões devem priorizar os efeitos que o sistema vai causar no solo e na organização da propriedade.

 

Quadro 2 - Regras básicas para tomada de decisão na escolha de sistemas de preparo do solo

Ø      definir o problema gerador da intenção de mudança;

Ø      definir os efeitos do novo sistema operacional sobre a organização e os funcionários;

Ø      definir os objetivos a atingir com o novo sistema no desenvolvimento agrícola da propriedade;

Ø      definir as ações de treinamento ou contratação para posições chaves do sistema.

            Muitos agricultores cometem um erro fatal na hora de decidir sobre a permanência ou mudança no sistema de preparo de solo, quando não leva em consideração a situação de suas terras diante da degradação e dos processos erosivos. Se esta situação é generalizada comprometendo a integridade das glebas, possivelmente o sistema de preparo do solo está influenciando, pois sabidamente, todas as formas de mecanizar o solo, causam distúrbios e processos erosivos, em menor ou maior intensidade. Quando há erosão generalizada, possivelmente o sistema de preparo é o convencional, que normalmente impõe uma certa instabilidade estrutural na camada mobilizada, pois essa é realizada priorizando a construção de um verdadeiro leito para deposição de fertilizantes e sementes. Em muitos tipos de solo, o sistema convencional de preparo aumenta ainda mais a susceptibilidade à  erosão. Com base no princípio de levar em consideração os efeitos do sistema de preparo sobre a integridade do solo vale uma premissa importante: Se o agricultor não consegue conter a erosão com práticas conservacionistas clássicas, é hora de mudar o sistema de preparo.

            Um outro erro fatal possível de ser cometido pelo agricultor é quando ele entusiasma-se pela tecnologia de outros sistemas mais modernos, e adquire máquinas e insumos esquecendo-se das condições de solo e da capacitação de seus operadores para absorver todas as exigências operacionais que essas tecnologias incorporam. Exemplo destas situações é a frustração de alguns agricultores que experimentam sair do sistema convencional e adotar erroneamente o preparo reduzido ou o plantio direto. Possivelmente esses agricultores foram levados pelo entusiasmo esquecendo-se de avaliar as reais condições do solo para receber o novo sistema ou mesmo de não conseguir operar satisfatoriamente as novas máquinas adquiridas; em conseqüência obtém-se baixa qualidade na implantação das lavouras, sofrendo possivelmente influência das variações na superfície do solo ou da infestação incontrolada do mato.

            Para adoção de um novo sistema de preparo do solo é necessário saber sobre as reais condições da propriedade em receber a nova tecnologia, e não deixar se levar pelo entusiasmo e pela falta de informações. A decisão é eminentemente técnica e fundamental nos princípios básicos.

            A sugestão para evitar esse tipo de decepção é analisar tecnicamente os chamados Fatores Situacionais, ou seja, a real condição operacional e suas relações com as exigências do novo sistema, os principais fatores a serem avaliados em uma área de preparo do solo são: a) condição estrutural do solo; b) espécies e estágios das plantas invasoras; c) grau de conhecimento do tratorista; d) condições financeiras da empresa; e) estudos pertinentes e atuais; f) assistência técnica; g) agricultores que comprovadamente tiveram sucesso com o sistema em estudo. Levando essas sugestões "ao pé-da-letra", temos a certeza de que o agricultor não terá problemas em atender as exigências dos princípios básicos. O quadro 3 propicia uma oportunidade de análise dos principais tópicos elencados para avaliação dos fatores situacionais.

Quadro 3 - Fatores situacionais na avaliação da adoção ou não de um sistema de preparo do solo

Ø      Condição estrutural do solo. Ex: sulcos de erosão, declividade, desagregação, falta de cobertura morta, baixa fertilidade, etc.

Ø      Espécie e estágios das plantas invasoras. Ex: predominância de invasoras de folha estreita ou folha larga, invasora de hábito rasteiro ou herbáceo, de fácil ou difícil controle, alta ou baixa infestação, etc.

Ø      Grau de conhecimento dos tratoristas. Ex: conhece ou não a técnica preconizada no novo sistema, já trabalhou com o sistema, teve ou não sucesso conhece detalhadamente as máquinas, etc.

Ø      Condição financeira da empresa. Ex: tem recursos previstos para bancar a adoção do novo sistema, precisa financiamento, tem fontes de financiamento, custo operacional e de manutenção do sistema.

Ø      Estudos pertinentes e atuais. Ex: identificação de manchas de solo, necessidade ou não de calagem, qual é a incidência de doenças, disponibilidade de tempo hábil, etc.

Ø      Assistência técnica. Ex: quais as condições de atendimento das revendas, há técnicos experientes atendendo a região, as revendas de insumos prestam a devida assistência ao produto, etc.

Ø      Agricultores de sucesso. Ex: há agricultores praticando o sistema em estudo, quais são os agricultores de sua região, o que mais impressionou na visita a esses agricultores, qual é o exemplo de convicção destes agricultores, etc.

            É lógico que observando atentamente os fatores situacionais atendemos plenamente os princípios, ou seja, os dois itens citados no quadro 1 e consequentemente teremos uma base muito maior para definir os pontos elencados como regras.

            O problema gerador das intenções de mudanças sempre está relacionado com causas e tendências. Como causas, normalmente buscamos suporte para justificar as freqüências de insucessos, erros no controle da erosão, nos altos custos do preparo primário, nas dificuldades impostas pela natureza do solo, na necessidade de novos investimentos em máquinas, etc. Como tendências, buscamos suporte nos conhecimentos atualizados sobre agricultura tropical, nos avanços tecnológicos da ciência do solo, na tecnologia das máquinas, na agricultura regional e no pioneirismo que todo agricultor tem dentro de si.

            Estudos mostram que os efeitos do novo sistema operacional de preparo do solo altera profundamente a dinâmica organizacional da propriedade promovendo sérias modificações no comportamento dos funcionários, bem como no planejamento e preparativos para a safra. Para quem planeja e trabalha com preparo do solo sabe que há uma diferença conceitual e prática entre preparo convencional, preparo reduzido e plantio direto. O preparo convencional é o mais tradicional sistema adotado pelas propriedades agrícolas, praticamente todas possuem estrutura organizacional montada para atender seus requisitos, e também é praticamente impossível de encontrar um tratorista que não saiba trabalhar com o sistema. É denominado convencional porque preconiza uma das mais antigas técnicas da agricultura de clima temperado que é a mobilização do solo revolvendo suas camadas. No Brasil, convencional é sinônimo de uso de arados ou de grade aradora. À luz dos conhecimentos atuais, cada vez mais o preparo convencional é considerado ultrapassado, principalmente pelas opções técnicas para produção de grãos, mas para culturas como batata, cana-de-açúcar, morango, etc..., ainda o sistema convencional é mais utilizado pelos produtores, apesar de que a pesquisa já dispõe de dados técnicos suficientes para mostrar os problemas causados pela mobilização intensa do solo e consequentemente estar pesquisando alternativas de preparo para as diferentes culturas. O sistema de preparo reduzido mais popular no meio agrícola brasileiro é a mobilização do solo com o uso do escarificador e das grades niveladoras de discos, onde se procura manter uma boa parte dos restos culturais (mais de 30%) na superfície do solo para protegê-lo; o sistema de preparo reduzido pode ser considerado como um conjunto de técnicas bem evoluídas para as regiões tropicais; esse sistema apresenta realmente uma exigência modificadora para a estrutura organizacional, que é a aquisição de máquina semeadora ajustada para trabalhar em condições de mobilização menos intensa e com fragmentos de cobertura provocada pelo material orgânico presente na superfície; no sistema de preparo reduzido, a semeadora mais indicada é a de plantio direto, pois os elementos rompedores de solo cortam a palha e auxiliam enormemente o serviço para o posicionamento da semente e do fertilizante. Além de exigir a aquisição de novas máquinas, como o escarificador e uma semeadora adaptada para o trabalho, o sistema de preparo reduzido exige um treinamento para os funcionários para utilização correta da tecnologia como é o caso de aplicação de herbicida e semeadura com fragmentos dispersos na superfície. O sistema de plantio direto é a técnica de preparo do solo mais ajustada às condições tropicais, indiscutivelmente atende quase todos os requisitos para uma agricultura mais racional e duradoura, porém muda radicalmente a estrutura organizacional da propriedade no que se refere às máquinas para viabilizar tecnicamente o sistema, necessita de manejo mecanizado da palha, da semeadura em superfície completamente tomada pela cobertura de palha e do mato.

            No mercado de trabalho há uma enorme carência de profissionais com experiência em mecanização do sistema de plantio direto, principalmente em relação a tratoristas e técnicos de nível médio e superior.

            No quadro 4 podemos analisar mais diretamente os efeitos do sistema de preparo na administração da empresa agrícola.

Quadro 4 - Matriz referencial sobre efeitos dos sistemas de preparo na administração da empresa agrícola

Sistema de preparo do solo

Efeitos administrativos

Ações gerenciais

Investimentos

Custos

Recursos humanos

Convencional:

§ Arado + niveladora

§ Gradeadora + niveladora

§Alto risco de erosão

§Risco de compactação

§Uso intenso de máquinas

§Totalmente dependente do clima

§Baixo risco de insucesso operacional

§Inicialmente baixo, mas constantemente alto ao longo do tempo

§Manutenção em maior número de máquinas

§Operacional alto

§Manutenção alto

§Alta disponibilidade de operadores no mercado

§Necessidade de treinamento

§Maior risco de acidentes no trabalho

Reduzido:

§ Escarificador + niveladora

§Médio risco de erosão

§Baixo risco de compactação

§Relativa redução no uso de máquinas

§Dependente do clima

§Moderado risco de insucesso operacional

§Inicialmente baixo, mas constantemente alto ao longo do tempo

§Manutenção em menor número de máquinas

§Alto consumo de combustível

§Operacional médio

§Manutenção baixo

§Média disponibilidade de operadores no mercado

§Alta necessidade de treinamento

§Médio risco de acidentes no trabalho

Direto:

§Plantio na palha

§Baixo risco de erosão

§Risco de compactação

§Alta redução no uso de máquinas

§Medianamente dependente do clima

§Apresenta risco de insucesso operacional devido ao desconhecimento pelo operador

§Inicialmente baixo e cessa ao longo do tempo

§Manutenção em reduzido número de máquinas

§Baixo consumo de combustível

§Investimento inicial alto

§Operacional baixo

§Manutenção baixo

§Baixa disponibilidade de operadores no mercado

§Alta necessidade de treinamento

§Baixo risco de acidente no trabalho


            No processo eficaz de escolher um sistema de preparo do solo há de se ter em mente com muita clareza quais são os objetivos que queremos atingir e principalmente se este objetivo está em harmonia com as reais condições da propriedade em atingi-los, pois não podemos investir em uma nova tecnologia sem antes esgotar todo o potencial do sistema que estamos utilizando. Quem adotar o sistema de preparo convencional, tem que entender que todo o objetivo operacional é visando uma mobilização do solo que beneficia a ação da semeadura, e controla o mato e às vezes incorpora corretivos. Quem adotar o sistema de preparo reduzido, tem que entender que todo objetivo operacional é visando uma mobilização vertical do solo, deixando mais de 30% da palha na superfície, priorizando a conservação do solo. Quem adotar  o sistema de plantio direto, tem que entender que todo o objetivo operacional é visando a manutenção da palha na superfície e a não mobilização do solo, consequentemente protegendo contra a erosão. Parece óbvio essas considerações, mas conciliar os objetivos operacionais com a prática e inclui-los na dinâmica da propriedade é muitas vezes difícil e complicado, pois pode gerar custos adicionais e uma enorme necessidade de orientação e acompanhamento de pessoal. Definir os objetivos a atingir, capacita a empresa agrícola a gerar metas, e, para cumpri-las tem que se ter um programa de trabalho racional e exeqüível.

            Um ponto fundamental que muito pesa na tomada de decisões é a condição técnica profissional exigida para os operadores de máquinas e ajudantes, pois no momento da operação, toda tecnologia do sistema adotado está nas mãos destes funcionários, e erros no preparo são fatais, muitas vezes irreparáveis e com alto custo. Há de se pensar no "perfil ideal do operador", quanto custa a atingi-lo.

            Tomar decisões eficazes principalmente na hora do preparo do solo não é difícil, é somente uma questão de postura profissional.


Afonso Peche Filho, possui graduação em Agronomia (1983), Mestrado (1998) em Engenharia de Água e Solo e Doutorando  em Engenharia Agrícola pela Universidade Estadual de Campinas. É Pesquisador Científico, nível VI, do Instituto Agronômico de Campinas, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão agroambiental, Preparo e manejo do solo, Qualidade em sistemas operacionais de produção.
Contato: peche@iac.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

PECHE FILHO, A. A tomada de decisão na escolha de sistemas de preparo do solo. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_1/decisao/Index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 19/03/2007