MELHORAMENTO GENÉTICO DO FEIJOEIRO VISANDO A RESISTÊNCIA AS DOENÇAS*

por Magno Antonio Patto Ramalho

            A cultura do feijoeiro no Brasil é submetida a vários estresses bióticos devido a patógenos. Esses, causam redução expressiva na produtividade e afetam a qualidade do produto. Entre as alternativas de controle, o uso de cultivares mais resistentes  tem sido procurada. Os programas de melhoramento genético no Brasil tem dado ênfase na obtenção de linhagens mais resistentes às doenças devido aos vírus, fungos e bactérias. Entre as fúngicas a antracnose, incitada pelo Colletotrichum lindemuthianum (Sacc & Magnus) e a mancha angular (Phaeoisariopis griseola) (Sacc & Ferraris) tem recebido maior atenção.

            O C. lindemuthianum é um fungo que apresenta grande diversidade de raças patogênicas em todo o mundo Balardine & Kelly (1997)  & Mahuku e Riascos (2004). No Brasil, vários trabalhos foram realizados a esse respeito. (Alzate Marin & Sartorato, 2004; Silva 2004 e Davide, 2006). Silva (2004) utilizando cultivares diferenciadoras e marcadores de RAPD estudou a variabilidade patogênica de diferentes regiões. Constatou que a maior variabilidade do patógeno foi encontrada dentro das raças, especialmente entre isolados da raça 65 coletados no Estado de Minas Gerais. Encontraram 19 raças, incluindo duas  (337 e 593) até então não relatadas no Brasil. As raças 65, seguida das raças 81 e 73 foram as  mais freqüentes, devido principalmente ao uso intensivo de cultivares suscetíveis ‘Pérola’ e ‘Carioca’. Alguns trabalhos têm sido conduzidos visando explicar a variabilidade patogênica desse patógeno (Roca, 2002).

            O controle genético da resistência vem sendo estudado há longo prazo. Uma relação dos genes já descritos e a fonte de resistência é apresentado na tabela 1. Veja que já foram identificados 10 genes, sendo a maioria devido a alelos dominantes e situados em cromossomos diferentes.

Tabela 1. Principais fontes de resistência ao C. lindemuthianum já identificadas nos programas de melhoramento do feijoeiro.

Gene

Cromossomo

Alelo de resistência

Resistentes às raças

Fonte de resistência

Co-1 (A)

2

Dominante

453 - 585

Michigan Dark Red Kidney

Co-2 (Are)

6

Dominante

7, 23, 55, 64, 65, 67, 81, 83, 87, 97, 101, 117, 119, 339, 453

Cornell

Co-3 (Mexique1)

3

Dominante

8, 9, 129, 133, 136, 385, 521, 901, 905

México 222

Co-4 (Mexique2)

-

Dominante

7, 8, 23, 55, 64, 65, 67, 72, 73, 79, 81, 83, 87, 89, 95, 97, 101, 102, 117, 119, 585

TO

Co-42 (Mexique2)

-

Dominante

Resistente todas as raças do Brasil

G-2333

Co-5 (Mexique3)

-

Dominante

Resistente todas as raças conhecidas no Brasil

Tu, G-2333

Seleção 1360

Co-6

4

Dominante

Resistente todas as raças conhecidas no Brasil

Catracluta

Co-7

 

Dominante

Resistente todas as raças conhecidas no Brasil

G-2333

Co-8

 

Recessivo

 

A 136

Co-9

10

Dominante (Pode ser alelo Co-3)

 

Ouro Negro

Co-10

10

Dominante

   

 Adaptada: Vieira et al 2005.

Como obter linhagens com resistência a este patógeno? i )A ênfase atual tem sido na piramidação de genes, isto é, adicionar em uma linhagem o maior número possível de genes. Essa estratégia tem sido preconizada principalmente pelos grupos que pesquisam com marcas moleculares. ii) Como o feijão predominante em muitas regiões do Brasil é do tipo ‘Carioca’ uma outra alternativa que provavelmente seja de mais fácil execução, com resistência mais duradoura e certamente com maior estabilidade de produção nos diferentes ambientes de cultivo é a mistura de linhagens possuindo alelos de resistência diferentes dos vários genes conhecidos (multilinhas). iii) Uma outra opção é intensificar a avaliação das progênies e/ou linhagens no maior número de ambientes (locais e safras).  É esperado que nessas condições as linhagens mais produtivas sejam resistentes às raças prevalecentes na região de cultivo. Isto ocorreu, por exemplo, com a cultivar BRS – TALISMÃ, que muito embora não tenha sido especificamente avaliada para nenhum patógeno, apenas para produtividade em vários ambientes, foi constatado que ela  é resistente a várias raças de C. lindemuthianum  e outros patógenos (Souza et al 2005).

            Com relação a mancha angular, a sua importância no Brasil é crescente. Nos anais do primeiro simpósio brasileiro de feijão, Costa, (1970) comentou que: “A mancha angular é considerada como de relativamente pouca importância econômica nos feijoais de Minas Gerais. Em São Paulo, ela também é considerada como sendo geralmente uma moléstia que aparece nos feijoais em fim de ciclo, quando a produção já está praticamente assegurada ...” Trinta e quatro anos após Paula Júnior (2004) escreveu que “A mancha angular causada por P. griseola é provavelmente a mais importante doença da parte aérea dos feijoeiros” Já Sartorato (2005) comenta que: A mancha angular incitada pelo fungo Phaeiosariopsis griseola (Sacc Ferr) pode ser encontrada em todas as regiões produtoras. Esta enfermidade pode ser responsável por perdas de até 70% na produção ... Como se constata, a importância desse patógeno é crescente. A razão principal é provavelmente o cultivo do feijão em várias épocas durante o ano.

            É também um fungo com enorme diversidade patogênica. Há evidências que ocorreu a co-evolução patógeno e do hospedeiro, isto é, raças predominantes nos feijões de origem Andina e de origem Mesoamericana. Por essa razão foi proposta a adoção de um conjunto de diferenciadoras envolvendo linhagens andinas e Mesoamericanas (Pastor Corrales & Jara 1995). Sendo a raça identificada por dois números, o primeiro referente as cultivares diferenciadoras Andinas, e o segundo as Mesoamericas. Inúmeros trabalhos existem evidenciando a variabilidade patogência (Sartorato 2002; Sartorato & Alzate Marin 2004). No Brasil, no período de 1996 a 2002 foram identificadas 51 raças, sendo predominantes as de número 31-39, 63-31, 63-23, 63-39, 63-47, 63-55 e 63-63 (Sartorato & Alzate Marin 2004).

            O controle genético vem sendo estudado há algum tempo. Já foram identificados vários genes envolvidos na resistência (Tabela 2). Veja que, os alelos de resistência identificados até o momento são dominantes (Vieira et al, 2005)

 Tabela 2. Fontes de resistência a Phaeoisariopsis griseola com os respectivos genes determinados pelo teste de alelismo.

Fonte de resistência

Raças de P. griseola1

Genes (alelos)

Cornell 49-242

31.17

Phg-3

México 54

63.19

Phg-2, Phg-5, Phg-6

MARC-2

63.39

Phg-4, Phg-52

BAT 332

61.41

Phg-62

AND 277

63.23

Phg-1a, Phg-22, Phg-32, Phg-42

1 Reações de incompatibilidade

Adaptada: Vieira et al 2005.

            Como são vários genes de resistência, uma estratégia para acumular uma ou mais linhagens a maioria dos alelos resistentes é a seleção recorrente. Isto é, um processo cíclico de melhoramento. Esse procedimento está sendo utilizado no programa da UFLA/Embrapa no Sul e Alto Paranaíba em Minas Gerais. O esquema do processo utilizado até o ciclo V é mostrado na figura 1. Na tabela 3, são relatados os resultados da avaliação das progênies S0:1 dos diferentes ciclos. Veja que a seleção recorrente foi eficiente em aumentar a resistência das linhagens com grãos tipo carioca. Observe também, que a seleção para maior resistência propiciou ganho indireto expressivo (8,9%/ciclo) para a produtividade de grãos. Constatou-se também que ainda há variabilidade para futuros progressos com a seleção.

Figura 1. Esquema do processo de condução da seleção recorrente visando a resistência à mancha angular.

 

Tabela 3. Resultados médios do desempenho das progênies S0:1 e testemunhas, Carioca MG e Pérola, nas notas de severidade da mancha angular e produtividade de grãos.

Ciclos

Número de progênies

Média Severidade da doença

Produtividade de grãos (g/2m2)

Progênies

Carioca MG1/

Progênies

Testemunhas2/

I

223

3.95

5.67

355.3

393.3

II

322

4.46

7.62

527.6

401.4

III

194

3.32

7.20

486.4

360.8

IV

287

3.80

6.51

520.4

439.4

V

254

2.83

6.04

515.0

372.8

Coeficiente de regressão linear (b)3/

0.25

 

31.71

R2

 

 

25.14

 

48.85

 

GS% -

x 100

 

 

6.32

8.9%

 

            O progresso genético da cultura de feijão no Brasil nos últimos 30 anos, é expressivo. Há fortes evidências de que grande parte deste progresso foi devido ao melhoramento visando resistência aos patógenos.

* Palestra proferida no VI Seminário sobre Pragas, Doenças e Plantas Daninhas do Feijoeiro, realizado no Instituto Agronômico, Campinas-SP, de 14 a 16 de junho de 2006.

Referências Bibliográficas

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PAULA JÚNIOR, T. J. de; VIEIRA, R. F. & ZAMBOLIM, L. Manejo integrado de doenças do feijoeiro. Informe Agropecuário 25(223) 99-112. 2004.

SARTORATO, A.; ALZATE MARIN, A. L. Analysis of the pathogenic variability of Phaeoisariopsis griseola in Brazil. Bean Improvement Cooperative. 47: 235-236. 2004.

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Magno Antonio Patto Ramalho possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras (1970), mestrado em Agronomia Genética e Melhoramento de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1973) e doutorado em Agronomia (Genética e Melhoramento de Plantas) pela Universidade de São Paulo (1978). Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Lavras. Tem experiência na área de Genética, com ênfase em Genética Quantitativa, atuando principalmente nos seguintes temas: feijão, milho, genética quantitativa, melhoramento genético vegetal .
Contato: magnoapr@ufla.br


Reprodução autorizada desde que citadas a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

RAMALHO, M.A.P. Melhoramento genético do feijoeiro visando a resistência as doenças. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_1/MelFeijoeiro/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 29/01/2007