SISTEMAS PRODUTIVOS DE MILHO NO ESTADO DO MATO GROSSO

 

por Clayton Giani Bortolini

 

1.      HISTÓRICO DO MILHO NO ESTADO

O cultivo do milho, em escala comercial no Estado do Mato Grosso, pode ser considerado atividade recente. O início da exploração agrícola desse Estado na década de 70 trouxe para o Mato Grosso agricultores e pecuaristas de diversas regiões do país, especialmente do Sul. O cultivo da soja foi o objetivo principal do agricultor quando de sua vinda para o Mato Grosso, porém, por necessidades e busca de novas alternativas, inúmeras espécies agrícolas foram avaliadas, dentre elas o milho.

Devido a sua grande utilização e importância na alimentação animal e humana, seu cultivo sempre foi realizado, porém, em pequena escala. O maior incentivador da produção do milho é com certeza a produção animal, a qual necessita de grandes quantidades desse importante grão. Com o surgimento de agroindústrias no Sul do Estado matogrossense, na década de 80 e 90 gerou-se uma demanda de milho, incentivando sua produção. As produtividades do milho observadas inicialmente foram baixas, devido à falta de pesquisas regionais que tivessem tecnologias adaptadas para essa cultura, já que as condições de ambiente para o cultivo do milho eram diferentes daquelas observadas na Região Sul do Brasil, de onde o agricultor conhecia os métodos de produção.

No início da década de 90, o Estado do Mato Grosso produzia menos de 700 mil toneladas do grãos, com produtividade em torno de 40 sacas/ha, semelhante à da soja para aquela época, fato que limitava a produção de milho em escala maior de produção.

Devido ao baixo consumo local e especialmente pela dificuldade de exportação para outros Estados e países, ocasionados pelo precário sistema de transporte da produção, observado até hoje. O milho nos anos de 1994 e 1995 teve seu maior desestímulo, quando os valores de comercialização do produto ficaram ao redor de R$ 3,00 a 4,00/ saca, o que vinha ainda agregado à falta de compradores. Esses fatores inibiram o crescimento do cultivo do milho no Mato Grosso, bem como o desenvolvimento de suas pesquisas.

No fim da década de 90, com o crescimento da produção animal do Estado, especialmente da suinocultura, o milho passou a ter seu cultivo intensificado, porém com mudança de sistema produtivo. Surgiu então a safrinha do milho no Mato Grosso, alavancada pela produção do Médio-Norte matogrossense, com ênfase no município de Lucas do Rio Verde.

Em  1999, a área de milho no Estado era de 554 mil hectares, mas com produtividade ainda na faixa dos 40 sacas/ha e produção de aproximada de 1.250 mil toneladas.

A instituição de unidades de pesquisa voltadas ao desenvolvimento de tecnologias de safrinha impulsionou o cultivo do milho no Estado, transformando a safrinha como principal sistema de produção de milho em Mato Grosso. A validação de cultivares e a criação e adaptação de tecnologias de manejo de cultivo com ajustes em épocas de semeadura, manejo e plantas e espaçamentos entrelinhas do milho, sistemas de nutrição e manejo de pragas e doenças fez com que o Estado do Mato Grosso chegasse em 2004 a superar um milhão de hectares da cultura, com maior enfoque no cultivo safrinha. A produtividade média do Estado ficou em 60 sacas/ha, porém com inúmeras lavouras de safrinha na região Médio-Norte com produtividades acima de 100 sacas/ha.

Em 13 anos de cultivo do milho no Mato Grosso observou-se incremento de área na ordem de 330%, de produtividade em 50% e em produção de 450%. O maior produtor nacional de milho safrinha do Brasil, o município de Lucas do Rio Verde, situado na região Centro-Norte matogrossense, produziu na safra 2002-2003, 50% da produção estadual do milho, e em torno de 10% da produção nacional. Deve ser observado que esse volume de Lucas do Rio Verde foi produzido em sua totalidade em cultivo safrinha.

O potencial de cultivo do milho no Mato Grosso é expressivo, porém altamente limitado pela logística do transporte da produção, a qual onera de tal forma o custo da cultura que inviabiliza seu crescimento. Atualmente, o valor que se obtém pela venda do milho no Centro-Norte do Estado é o mesmo que se gasta com o transporte até a Região Sul do Brasil, principal consumidor de milho.

O nível de tecnologia desenvolvido para o cultivo do milho pode ser considerado alto, devido ao trabalho de instituições de pesquisa privadas, como a Fundação Rio Verde, cujo objetivo é apoiar o crescimento da agricultura no Estado, o que tem sido  feito de forma  expressiva, demonstrada em seus diversos eventos de difusão de tecnologias realizados a cada ciclo produtivo.

 

2. SISTEMAS DE PRODUÇÃO DE MILHO NO MATO GROSSO

O principal sistema de produção de milho no Mato Grosso é o chamado de cultivo safrinha, com  implantação logo após a colheita da soja, realizada em janeiro e fevereiro. O desenvolvimento de tecnologias de produção agrícola juntamente com as condições de ambiente favoráveis possibilita a realização de dois ciclos produtivos, que com certa estabilidade produtiva tem ocorrido crescimento de área cultivada.

O clima de Cerrado do Mato Grosso apresenta duas estações climáticas definidas - a das chuvas que compreende os períodos de outubro a abril e a das secas, de maio a setembro. Pequenas variações regionais ocorrem com o período chuvoso maior, que se estende até maio, que, agregado à confiança do produtor nas condições de clima, utilizam esse período para a realização de duas safras por ano agrícola, gerando a safra, geralmente com a cultura da soja e a safrinha com o cultivo do milho. Em alguns anos, observam-se variações nas datas de início e término das chuvas, fato que pode afetar a produtividade, especialmente do milho safrinha. Em geral, sua implantação até meados de fevereiro apresenta pequena probabilidade de perda de produção por falta de chuva no fim do ciclo produtivo.

As  propriedades agrícolas, consideradas grandes em relação a outras regiões do país, com áreas de 400  até 100.000 ha, predominando as de 700 a 2.000 ha, têm estruturas próprias de máquinas e equipamentos, que muitas vezes são superestimadas, ou seja, com “sobra de máquinas”. Essa maior disponibilidade permite ao agricultor cultivar maior quantidade de áreas com duas safras por ano agrícola, otimizando ainda mais as áreas produtivas em função das condições de clima.

O desenvolvimento de cultivares de soja precoce, que possibilitam colheitas significativas de produtividade para materiais de ciclo total de 110 a 130 dias, favorece a produtividade do milho safrinha. Algumas cultivares de soja, quando utilizadas técnicas de cultivo da região, podem ter sua colheita realizada até aos 90 dias após a semeadura.

A soja, implantada de fim de setembro até fim de outubro, que possibilita sua colheita no mês de janeiro e fevereiro, permite o cultivo do milho safrinha com bom potencial de produtividade. Uma prática  utilizada na região é a dessecação da soja com herbicidas de contato como Paraquat e Diquat no estádio R7 da soja, antecipando de 7 a 10 dias sua colheita, o que pode proporcionar de 3 a 15 sacas a mais de milho safrinha por hectare, dependendo da época de implantação e do clima do ano corrente.

A produtividade do milho é influenciada principalmente pela disponibilidade hídrica de cada ano agrícola, já que a finalização de seu ciclo produtivo ocorre sem a presença de chuva. Em alguns anos, o fim do período de chuvas  pode ocorrer de março e abril, e desse modo, tem-se grandes perdas de produtividade. A freqüência dessa deficiência hídrica, de acordo com a média histórica é ao redor de 20% a 25%. Semeaduras de milho após 25 de fevereiro têm maior risco de perda por deficiência hídrica, especialmente em certas regiões do Estado e em solos deficientes de estruturação, fertilidade e com sistema de plantio direto deficiente em termos de produção de cobertura vegetal.

 

3. NÍVEL DE TECNOLOGIA SAFRINHA

Nos primeiros anos de cultivo de milho safrinha na década de 90, a produtividade observada era de 30 a 40 sacas/ha. Com a pesquisa informal, realizada pelo produtor, os números foram sendo elevados aos poucos, porém com a efetivação de pesquisas técnicas específicas para a cultura, produtividades acima de 100 sacas/ha são observadas com grande freqüência em algumas regiões do Estado. A informação técnica para alta produtividade para o sistema de safrinha é disponibilizada aos produtores do Estado, abrangendo todas as áreas do sistema de produção.

Um dos fatores que mais afeta a produtividade observada a cada ano, refere-se à quantidade de investimento financeiro que o produtor realiza a cada ano. Este é diretamente influenciado pela situação econômica de cada ano e suas tendências de mercado do produto. Em anos de bons preços e expectativas de mercado, a quantidade de área com o milho safrinha é aumentada e o investimento no cultivo é maior, refletindo-se em maiores produtividades. Nesse caso, utilizam-se mais fertilizantes, tratamento de sementes com inseticidas, melhor controle de pragas, utilização de híbridos de maior potencial produtivo com os híbridos simples, além de práticas que elevam a produtividade. Em anos com mercado difícil, de baixo preço do produto, os investimentos são mínimos, com sementes baratas, pouca adubação que em alguns casos até não é realizada, manejo de plantas daninhas e pragas deficientes, o que prejudica a produtividade do milho safrinha.

A época de implantação do milho safrinha também é fator decisivo no nível de investimento no cultivo do milho. Quanto mais cedo for implantado o cultivo, menores são os riscos de perda por deficiência hídrica no fim do ciclo produtivo, e maiores os investimentos. Em anos de expectativas de preços baixos para a comercialização do milho, as áreas de implantação de milho mais tardias, de meados de fevereiro em diante são reduzidas drasticamente, afetando a produção total do Estado.

Considerando-se os fatores técnicos da produção do milho, os ganhos que a pesquisa agrícola regional têm proporcionado são de grande expressividade. Ajustes de espaçamento entre linhas do milho do antigo 90 cm para os modernos 45-50 cm proporcionam incrementos de produtividade de 10% até 50% em relação aos sistemas convencionais de espaçamento de 90 cm, sendo tão maior quanto mais desfavoráveis às condições ambientais dentro de cada ano. Ajustes de população de plantas, doses de nutrientes e tecnologias para o plantio direto proporcionam aumento de produtividade significativos, apoiando o crescimento do cultivo do milho safrinha no Estado do Mato Grosso.

A definição de tecnologias de produção, cultivares e sistemas de manejo de plantas e nutrição são oferecidas aos produtores por intermédio de eventos técnicos como cursos, palestras e dias de campo.

 

4. PERSPECTIVAS  DA PRODUÇÃO DO MILHO

O futuro do milho no Estado do Mato Grosso tende a ser incrementado com o passar do anos, e será diretamente influenciado por diversos fatores que vão acelerar ou reduzir a expansão dessa cultura. Dentre eles, o principal é a formação de uma cadeia produtiva, na qual seja gerado um mercado consumidor com maior firmeza em nível regional, evitando a necessidade de transporte do grão até locais distantes. A instalação de agroindústrias de produção de suínos, aves e bovinos, as quais já estão ocorrendo, serão com certeza as maiores incentivadores da expansão do cultivo do milho no Estado.

Outro fator de grande importância refere-se à questão logística, que, devido à grande deficiência de meios de transporte mais econômicos da produção e pelas más condições de trafegabilidade das rodovias do Estado, especialmente as federais, acarretam alto custo do transporte, o maior limite para o crescimento do cultivo do milho no Mato Grosso. A melhoria das rodovias e a geração de novos meios de transporte, como as ferrovias e hidrovias auxiliariam de forma expressiva o crescimento do cultivo do milho no Estado.

A geração de tecnologias de cultivo do milho, especialmente para safra de verão , pode apoiar o crescimento expressivo dessa cultura no Estado. A necessidade da pesquisa é verificada com grande expressão quando se analisa o sistema produtivo do Estado, que conta atualmente com o monocultivo da soja. Para o sistema plantio direto verdadeiro, exige-se dentre outros fatores a rotação de culturas. Esse fato tem “estimulado” o agricultor a avaliar com maior atenção a possibilidade da introdução do milho na safra de verão em diversas propriedades do Estado. O aumento contínuo de pragas e doenças na cultura da soja eleva significativamente seu custo de produção, tornando em muitos casos mais econômico o cultivo do milho na safra principal e, em algumas situações, indispensável, independentemente da questão econômica.

Outras tecnologias de produção geradas no Estado, como por exemplo a criação da “terceira safra” do ano pode incentivar o cultivo do milho no Estado de maneira expressiva. Consiste no sistema de integração de lavoura com a pecuária, quando, na formação da cultura do milho, é instalada a pastagem que será utilizada na alimentação animal após a colheita do milho. A Fundação Rio Verde realiza pesquisas há alguns anos, e obteve a geração das três safras, sendo soja, milho consorciado com espécies para pastagem e o gado durante a estação seca.

O potencial de área para cultivo do milho no Estado do Mato Grosso é muito grande, porém, será regulado pelo mercado consumidor do grão. Com alguns ajustes, como citado anteriormente, o Estado tem potencial para duplicar sua área de produção de milho em pouco tempo. Com mais de seis milhões de hectares com culturas agrícolas, somente a introdução da rotação de culturas em 20% da área, aumentaria em 1,2 milhão de hectares o cultivo do milho safra de verão, podendo atingir uma produção de 10 milhões de toneladas em pouco tempo. Esse fato está diretamente dependente dos fatores citados acima, especialmente a questão geração de mercado consumidor local e de melhores condições de logística da produção, que auxiliaria, não somente a cultura do milho, mas todas aquelas produzidas no Estado, assim como a população que aqui trabalha e faz do Mato Grosso o maior produtor nacional de grãos.

* Palestra proferida no VIII Seminário Nacional de Milho Safrinha, realizado em Assis de 21 a 23 de novembro de 2005 e publicada nos Anais do evento (impresso e CD-Rom)


Clayton Giani Bortolini possui graduação em Agronomia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (1997) e mestrado em Fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2000). Atualmente é Engenheiro Agrônomo do Fundação de Apoio a Pesquisa e Desenvolvimento Integrado Rio Verde. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fitotecnia. Atuaando principalmente nos seguintes temas: nitrogênio,, milho, cobertura de solo, manejo nutricional, plantio direto.
(Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)
Contato:
fundacaorioverde@fundacaorioverde.com.br ou clayton@inexamais.com.br


 

Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

BORTOLINI, C.G. Sistemas produtivos de milho no estado do Mato Grosso. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_1/MilhoMT/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 08/01/2007