O aquecimento global e a agricultura em São Paulo.

José Roberto Scarpellini
Denizart Bolonhezi

O efeito estufa é um fenômeno natural pelo qual parte da radiação solar refletida pela terra é novamente irradiada a ela, através da atuação de gases como o dióxido de carbono, metano, óxidos de azoto e ozônio presentes na atmosfera garantindo a terra manter sua temperatura constante. A atmosfera é altamente transparente à luz solar, porém cerca de 35% da radiação que recebemos vai ser refletida de novo para o espaço, ficando os outros 65% retidos na Terra, sendo que sem o efeito estufa natural, a temperatura do planeta seria -18 oC.

 O problema é o efeito estufa artificial, decorrente do drástico aumento da concentração dos gases do efeito estufa, sobretudo a partir da revolução industrial. Nos últimos anos, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera tem aumentado devido principalmente à utilização de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) e à destruição das florestas tropicais. O efeito conjunto de tais substâncias tem ocasionado aumento a causar um aumento da temperatura global. Desde a década de 20, o aumento médio da temperatura já chegou a 0,5 oC, e estima-se que este aumento possa chegar a 2 e 6 ºC no futuro. Embora o CO2  apresente um menor potencial para aquecimento global (Quadro 1), por estar presente em maior quantidade é responsável por cerca de 50%  da elevação da temperatura do globo terrestre. Por conseguinte, o efeito dos outros gases são convertidos em C-CO2 equivalente, razão pela qual qualquer medida que atenue o efeito de algum gás do efeito estufa, mesmo que não tenha carbono na sua molécula é considerado seqüestro de carbono.

Quadro 1. Potencial dos gases para o aquecimento global.

Concentrações

CO2

CH4

N2O

ppm

ppb

Pré-industrial

280 700

275

Ano 2002

364

1770

316

Potencial de Aquecimento

1 62

290

Fonte: IPCC(1996)

 

São vários os impactos decorrentes deste aumento da temperatura do planeta e recentemente, a preocupação aumentou com a publicação do último relatório do IPCC. Um aquecimento desta ordem de grandeza não só irá alterar os climas em nível mundial como também irá aumentar o nível médio das águas do mar. Estes fenômenos naturais bastante complexos podem ser a explicação para as alterações climáticas que a terra tem sofrido, mas também boa parte destas mudanças estão sendo provocadas devido basicamente à atividade humana [muito bem discutido no documentário “Uma verdade inconveniente”, premiado com Oscar e protagonizada pelo ex-vice presidente dos EUA Al Goore].

Nesse cenário todos os eventos como chuva e secas seriam mais intensos, acarretando grandes prejuízos a agricultura, atividade essa que será uma das mais prejudicadas pelas mudanças, devendo as áreas das atuais culturas passar por profundas modificações alterando a viabilidade da produção de certos produtos em algumas regiões. Estudos divulgados pelo Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas aplicadas à Agricultura (CEPAGRI) da Unicamp em conjunto com a Embrapa-Informática a partir dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) mostram que a área apta para plantio de café pode ser reduzido em 25% com perdas de US$ 500 milhões por ano caso a temperatura suba 1º. C e as plantações de trigo, girassol e muitas frutíferas poderiam se tornar insustentáveis a medida que a temperatura subisse.

No mínimo 20% das localidades terão novos climas e no pior cenário 48% do planeta terá seu clima modificado [John Willian, Depto de Geografia, Universidade de Wisconsin]. Deve-se ressaltar a opinião de técnicos do Instituto Agronômico (IAC) de que deverá  haver uma adequação no zoneamento agroclimático, o que já vem sendo feito com a cultura do café, priorizando-se plantio em altitudes maiores, além da utilização de técnicas como sombreamento, irrigação, manejo do mato, manejo de espécies e cultivares, adensamento, entre outras.

A agricultura sem planejamento é um dos fatores que influencia o aquecimento da terra, como mostram os estudos publicados no Earth Interaction e no Proceedings of the National Academy of Sciences, em que plantações de soja ao transformarem florestas em áreas abertas ajudam a deixar o clima mais quente, por ampliar a radiação absorvida pela terra e reduzir a circulação de água. A circulação e a permanência de água no solo é fundamental para amenização da conseqüência do aquecimento. Dessa forma, a manutenção do solo vegetado, quer seja pela utilização do plantio direto, plantio de espécies que aumentem a retenção de água no solo, ou mesmo manejo do mato, reduz a temperatura do mesmo e permite uma melhor distribuição do sistema radicular, além da conservação do solo evitando-se a erosão. Ainda pensando nos mananciais hídricos e nas cidades (onde se formam ilhas de calor e os efeitos do aquecimento são maximizados), torna-se prementes ações para retenção de água no solo.

As atividades agrícolas são responsáveis por cerca de 20% das emissões dos gases do efeito estufa, de acordo com IPCC (2001). A principal contribuição da agricultura refere-se à mudança do uso da terra (substituição de vegetação nativa por agricultura), produção de arroz irrigado (liberação de metano oriundo da fermentação), uso indiscriminado de fertilizantes nitrogenados (liberação de N2O), calagem e preparo do solo (diminuição da matéria orgânica). Todavia, a utilização de cultivos com alta eficiência, aliado a práticas agrícolas conservacionistas, faz com que a agricultura seja um dos principais mecanismos para seqüestro de carbono.

A expansão da cultura da cana-de-açúcar e o aumento de usinas pelos atrativos que apresentam no momento, têm ocupado áreas com café,  citros e outros cultivos, bem como se transformado numa monocultura intensa, mas a colaboração desta cultura na contenção do aquecimento global é importante pela redução do uso de derivados de petróleo, o que vem despontando o etanol como grande solução (tecnologia limpa) para o transporte. Deve-se levar ainda em consideração as bacias de contenção de águas pluviais feitas próximo as estradas rurais e carreadores, aliadas a robustas curvas de nível e terraços bem dimensionados, para fins de retenção de água no solo, bem como manutenção da mata ciliar, atualmente implementadas pelos agricultores e canavieiros. Por outro lado, dos mais de 5 milhões de hectares de cana atualmente plantados no Brasil, 1 milhão tende a ser renovado anualmente, utilizando-se para renovação dos canaviais culturas de sucessão como soja, amendoim, girassol, entre outras culturas alimentícias, podendo todas serem plantadas sobre a palhada da cana-de-açúcar (em média 15 t.ha-1 de matéria seca são deixados após a colheita da cana sem fogo), o que  significa um ganho enorme em retenção de água e redução do aquecimento do solo. Este benefício pode ser perdido no momento da renovação do canavial, caso seja utilizado os sistemas de preparo do solo convencional, através da incorporação da palhada da cana. Pesquisas demonstram que em um período de 27 dias, o sistema convencional de preparo emite cerca de 9 t.ha-1 de CO2 a mais que o sistema plantio direto.

Foto 1. Sistema de colheita de cana crua em Sertãozinho, 2003.
(foto cedida por Denizart Bolonhezi)

 

Foto 2. Rebrota da cana-de-açúcar em sistema de colheita sem fogo.
(foto cedida por Laerte Machado)

Com a inegável necessidade de aumento na produção de cana-de-açúcar, o alto custo da terra, o rápido desenvolvimento da biotecnologia com obtenção de resultados relativamente rápidos para problemas prementes, bem como o ganho em outras áreas como co-geracão de energia, necessidade de matéria prima o ano todo, as tecnologias agrícolas que preservam o solo e meio ambiente devem estar a mão do agricultor e enfaticamente utilizadas. O plantio direto, rotacionando cana com culturas de sucessão traz uma enorme vantagem para o setor (em geral são leguminosas, que fixam grande quantidade de nitrogênio gratuitamente no solo) e a excelente oportunidade de conjugação dos canaviais com alimentação animal e humana; também a maximização de colheita mecânica (cana crua) ajudará em muito neste processo de redução do aquecimento rápido, em que todos devem estar empenhados.

Dessa forma, aprimorando-se as técnicas já realizadas no campo e incrementando ações com fins de auxiliar a redução do aquecimento global, poderemos ter menos mananciais hídricos assoreados e conseqüentemente menor afluxo de água nos locais de várzeas destes mananciais, muitas vezes pressionados pelo homem, pela especulação imobiliária, entre muitas outras vantagens, especialmente preservando as tecnologias já geradas. Por outro lado estaremos influenciando menos no intrincado processo natural envolvido e assim quem sabe propiciando menos mudanças nos climas da terra, num futuro bem próximo.


 

José Roberto Scarpellini possui graduação em Agronomia pela Universidade de São Paulo (1985), mestrado em Entomologia pela Universidade de São Paulo (1989) e doutorado em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998). Atualmente é pesquisador cientifico VI - efetivo da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, sediado na APTA Regional Centro Leste, Ribeirão Preto, SP. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Defesa Fitossanitária, atuando principalmente com pesquisas nos seguintes temas: algodoeiro, amendoim, cafeeiro, citros e hortaliças, especialmente no manejo integrado de pragas, métodos de amostragens e de aplicação de defensivos agrícolas. Tem larga experiência na realização de eventos nas mesmas áreas.
Contato:
jrscarpellini@aptaregional.sp.gov.br

     
 

Denizart Bolonhezi possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1992), especialização em Cultivos sin Suelo II pela Fundacion para Investigacion Agraria de la Provincia de Almeria (1999), especialização em Eficiencia en el uso del agua en cultivos protegid pela Fundacion para Investigacion Agraria de la Provincia de Almeria (2003), mestrado em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998) e doutorado em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2006). Atualmente é Pesquisador Científico efetivo da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, sediado na APTA Regional Centro Leste, Ribeirão Preto, SP. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fitotecnia. Atuando principalmente nos seguintes temas: plantio direto, amendoim, palhada de cana crua, fluxo de CO2, Pastagem.
Contato:
denizart@aptaregional.sp.gov.br


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Café, do sabor ao valor
24/05/2007

O tema será discutido durante o evento “Café: do sabor ao valor” que será realizado no dia nacional do café, 24 de maio, na AEAARP.
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Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

SCARPELLINI, J.R.; BOLONHEZI, D. O aquecimento global e a agricultura em São Paulo. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_2/aquecimentoglobal/Index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 26/04/2007