A contribuição da Embrapa para a preservação ambiental em termos de sanidade agropecuária

 

Maria Regina Vilarinho
Fernanda Diniz
Marta Mendes

 

Desde a sua criação em 1973, a Embrapa tem como uma de suas maiores preocupações monitorar e evitar a entrada de pragas no Brasil, de forma a garantir a segurança da agricultura e da economia brasileiras.  Por isso, uma de suas 41 unidades, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, localizada em Brasília, DF, é o órgão oficial designado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para realizar a quarentena de toda espécie vegetal que entra no Brasil para fins de pesquisa.

            Essas espécies são analisadas nos laboratórios da Unidade para observar se não possuem insetos, ácaros, nematóides ou microrganismos, como fungos, vírus e bactérias capazes de causar danos às culturas agrícolas brasileiras.  No caso de detecção de pragas que já existam no Brasil, o material é tratado e liberado.  Para as pragas denominadas de exóticas, ou seja, que não existem no país, as plantas são incineradas.

            Desde 1976 até 2006, passaram pelos laboratórios da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia mais de 500 mil (precisamente 505.507) acessos de plantas resultantes de importação, exportação e trânsito interno no Brasil.

 

Interceptação de pragas: as culturas agrícolas agradecem

 

            Ao longo de trinta anos e com a movimentação de mais de 500 mil acessos de plantas nos laboratórios da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, é óbvio que seria impossível listar neste artigo todas as práticas exóticas detectadas e que poderiam ter causado sérios prejuízos à agricultura brasileira.

            Mas, cabe destacar algumas pragas, que poderiam ter resultado em perdas gravíssimas para as nossas culturas agrícolas e que foram “barradas” pela equipe de cientistas da Embrapa, como por exemplo, de um vírus denominado Banana bunch top vírus, detectado em um material oriundo da Ásia no final da década de 90.

Esse vírus nunca foi detectado na América do Sul e nem na América central e não existem variedades de banana resistentes a ele, portanto, a sua entrada poderia devastar a bananicultura brasileira, que é a quarta cultura agrícola mais importante do planeta, atrás apenas do arroz, do trigo e do milho. Além disso, tem ainda enorme importância social, pois é uma fonte barata de energia, minerais e vitaminas.  O Brasil é o segundo maior produtor mundial de banana, com uma produção de 6,47 milhões de toneladas por ano - mais de 9% da produção mundial. A fruta é a mais consumida no país - junto com a laranja - e fundamental para a complementação da dieta alimentar das populações de baixa renda.  Prova disso é 99% da produção nacional é destinada ao mercado interno. A área plantada chega a 507.000 hectares.

Outras inúmeras pragas exóticas poderiam ser citadas, como o fungo Tilletia indica, que ataca a cultura do trigo, e foi detectado pelos pesquisadores da Embrapa em plantas oriundas do México e do Uruguai.  Ao contaminar a cultura do trigo, esse fungo impregna as plantas com um odor desagradável, similar ao de peixe, tornando-as imprestáveis ao consumo humano, podendo ser usadas apenas para fabricação de ração animal.

Várias pragas de oliveira foram também interceptadas pela equipe da Embrapa, como o ácaro Oxycenus maxwelli * (Eriophyidae) e os fungos: Coniothyrum oleae*, Cycoclonium oleaginum* e Phyllosticta panizzei, Cercospora cladosporioides.  Essa cultura ainda é incipiente, mas bastante promissora para o Brasil, especialmente nas regiões sul e nordeste do país (Petrolina, PE).

Em contrapartida, destacam-se as pragas que entraram inadvertidamente no país e causaram graves danos à economia brasileira, como o bicudo do algodoeiro, que devastou a produção de algodão no Brasil na década de 80, fazendo com que o país passasse de exportador a importador desse produto.

Outro exemplo mais recente foi a entrada da ferrugem da soja no Brasil, em 2001, causando perdas superiores a US$ 2 bilhões.

Contribuições da Embrapa na última década

 

            Na última década e, principalmente, no último ano, o planeta está vivenciando uma verdadeira revolução em termos de preservação do meio ambiente em face da erosão da biodiversidade, mudanças climáticas e aumento exacerbado da população humana.

Acompanhando essas tendências, a Embrapa vem apostando no desenvolvimento de projetos de pesquisa voltados para as ameaças e perigos sanitários sob a ótica das mudanças climáticas e da erosão da biodiversidade. Nos próximos anos poderemos ter um cenário sanitário muito diferente do que se tem atualmente em razão da alteração de apenas 1,5o C. Entretanto, com a experiência obtida, a Embrapa muito contribuiu e contribuirá para a solução desse problema em parceria com a sociedade brasileira.

Problemas relacionados ao impacto econômico, provocado por organismos exóticos, passaram a receber, recentemente, uma atenção especial dos governantes e dos diversos segmentos acadêmicos. Organismos vivos sempre foram transportados de uma região para outra em paralelo à dispersão da humanidade, entretanto, o grande aumento associado à velocidade dos meios de transporte e trânsito internacional, nos últimos 50 anos, colaborou para que as invasões biológicas provocassem efeitos deletérios diretos e indiretos na economia e meio ambiente.

Anteriormente, esses problemas eram tratados como questões ambientais em estado de dormência, entretanto, com os impactos e ameaças que surgiram nas últimas décadas, tornaram-se problemas econômicos e ambientais mais sérios da atualidade.

As bioinvasões podem ter conseqüências dramáticas e muitas vezes irreversíveis para esses ambientes, além de gastos da ordem de milhões de reais para controle e erradicação desses organismos, perdas na biodiversidade, nos recursos hídricos, na agricultura, na pecuária, em florestas, alimentação e nutrição e ainda desemprego na área rural.

A Embrapa, por meio de projetos de controle de pragas e enfermidades, vem buscando soluções para diminuir os impactos causados pelos bioinvasores, como: a diminuição do uso de agrotóxicos para o controle desses organismos; a busca de cultivares resistentes; e o desenvolvimento de técnicas biotecnológicas; entre outros.  Com essas ações, a Empresa tem contribuído de forma preponderante para a obtenção da inocuidade alimentar e da sustentabilidade ambiental.

No Brasil, vários exemplos de introduções indesejadas têm sido relatados. A lagarta minadora-dos-citros, Phyllocnistis citrella, foi introduzida por volta de 1996 e ataca brotações novas provocando danos diretos e indiretos às plantas de citros. Os danos indiretos são os mais preocupantes porque permitem a entrada de outros organismos como à bactéria do cancro cítrico, Xanthomonas citri.

A ferrugem asiática, causada pelo fungo, Phakopsora pachyrhizi Sydow & P. Sydow foi constatada pela primeira vez no Continente Americano, em março de 2001, causando perdas no Paraguai e ao final da safra, na região Oeste do Paraná, Brasil. A partir daí, se espalhou por toda a Bolívia e Paraguai e algumas partes da Argentina. Nas safras de 2002/03 e 2003/04, as áreas brasileiras de soja afetadas com a doença foram, respectivamente, de 80% e 70%, resultando em gastos adicionais de controle da ordem de US$ 427 e US$ 860 milhões.

Em Pinus spp, a vespa-da-madeira (Sirex noctilio - Hymenoptera: Siricidae), uma espécie de origem eurasiana, foi introduzida no Brasil, em 1988, e até o ano 2001, se espalhou pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, tendo provocado, em alguns casos, até 60% de mortalidade de árvores. Entretanto, face às medidas de monitoramento e controle preconizadas pela Embrapa Florestas, no âmbito do Programa Nacional de Controle a Vespa-da-Madeira (PNCVM) e adotadas pelos produtores, a sua dispersão tem sido retardada, permitindo a inclusão deste inseto como praga quarentenária A2, para o Brasil.

Em termos de sanidade animal, a entrada da febre aftosa no Brasil, após ter sido controlada e praticamente erradicada no país, ressurgiu, provavelmente, devido a falhas no sistema de vacinação e inspeção do rebanho bovino. As perdas totais diretas e indiretas pela falta de exportação e perdas de novos mercados potenciais de carne e seus subprodutos têm sido compatibilizadas de forma tímida pelo governo brasileiro.

 

A quarentena vegetal e os resultados para a agropecuária brasileira em 2006

 

A necessidade de se evitar ou mitigar os riscos referentes a outros perigos e ameaças biológicas tem sido o papel do Laboratório de Quarentena Vegetal da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Apenas no ano de 2006, aproximadamente 680 pragas foram detectadas e identificadas em material biológico intercambiado ou em commodities agrícolas interceptadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Desse total, 30 eram pragas exóticas. A contribuição desse trabalho pode ser expressa em razão das perdas econômicas citadas acima pelo impacto dos organismos que entraram no país e se estabeleceram.

A conscientização para a segurança biológica é importante e vários outros projetos de pesquisa devem ser desenvolvidos em resposta ao aumento crescente do movimento global dos materiais biológicos, ao desenvolvimento de tecnologias associadas a modificações genéticas, a globalização da economia e ao progresso rápido dos meios de transporte, comunicação e comercialização.

Produtores, processadores, consumidores e ambientalistas estão, como nunca antes visto, buscando modos de se proteger e se aprofundar nos assuntos de intercâmbio comercial, na cadeia alimentar e na sustentabilidade agropecuária e ambiental. Dentro dessa nova perspectiva, o Brasil necessita se preparar e agir rapidamente no campo da segurança biológica garantindo segurança à economia, à diversidade biológica, à alimentação e à agropecuária, ao criar instrumentos legais e mecanismos de apoio para responder a essas questões, no âmbito nacional, e em consonância com as políticas internacionais. Prevenir danos ambientais é muito mais barato do que tentar recuperá-los mais tarde, especialmente porque na maioria das vezes são irrecuperáveis.


Maria Regina Vilarinho

Bióloga, Doutora, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Contato: reginavilarinho@cenargen.embrapa.br     Cx. Postal 02372, Brasília, DF, Brasil.

 

Fernanda Diniz

Jornalista, Mestre, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Contato:  fernanda@cenargen.embrapa.br     Fones: (61) 3448-4769 e 3340-3672

 

Marta Mendes

Engenheira Agrônoma, Mestre, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Contato: martamen@cenargen.embrapa.br      Fone: (61) 3448-4631.



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VILARINHO, M.R.; DINIZ, F.; MENDES, M. A contribuição da Embrapa para a preservação ambiental em termos de sanidade agropecuária. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_2/quarentena/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 17/05/2007

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