Vacas leiteiras mantidas em rotacionado de capim-elefante Guaçu e capim-Tanzânia: produção e composição do leite.

Maria Lúcia Pereira Lima
Paulo Roberto Leme
Maria da Graça Pinheiro
Telma Teresinha Berchielli
José Ramos Nogueira

As pastagens tropicais têm sido usadas no Brasil, para produção de leite, principalmente devido aos baixos custos de produção. A adubação das pastagens e a melhoria do manejo, utilizando-se o sistema de lotação rotacionada, ou pastejo rotacionado, aumentam a lotação das pastagens e a eficiência de uso das mesmas.

O capim-elefante Guaçu, uma variedade semelhante ao Camerum ou Napier, foi introduzido no Brasil em 1978, trazido da Venezuela por pesquisadores do Instituto de Zootecnia (APTA). O referido capim é nativo da África e apresenta altas produções de massa de forragem, ou seja, de 25 a 79 toneladas de MS/ha anualmente, dependendo da adubação, da freqüência de corte e demais condutas de manejo (Pereira 1994).

O capim-Tanzânia também é nativo da África e foi selecionado e lançado pela EMBRAPA em 1990. Sua principal característica é a alta proporção de folhas que o mesmo apresenta durante a estação das águas no Brasil Central (de outubro a abril), com florescimento no final de abril, e maio. Foi observada produção de 33 toneladas de MS/ha durante as águas, com 80% de folhas e 17,7% de proteína bruta (PB) nas folhas e 9% de PB nos caules  (Jank et al 1994).

Foi desenvolvido um experimento, com duração de dois anos, na APTA Regional de Ribeirão Preto, com o objetivo de comparar a produção de leite de vacas mestiças mantidas em pastos rotacionado de capim-elefante Guaçu e capim-Tanzânia.  O local apresentava solos férteis, com estação das águas e da seca, bem definidos, e temperaturas altas durante o verão chuvoso. A adubação de cobertura foi feita após a ocupação dos piquetes, na base de 250 kg de N/ha. Foi avaliada a produção de vacas mestiças (Holandês x Gir) entre a segunda e a quinta lactação. As vacas eram ordenhadas duas vezes por dia e o leite medido a cada ordenha. Amostras de leite foram enviadas para o laboratório para verificar os teores de gordura, proteína, lactose e sólidos totais. A produção de leite corrigida para 3,5% de gordura foi calculada a partir da fórmula (Sklan et al.,1992): LC 3,5% gor. = (0,432 + 0,1625  x  % de gordura) x kg de leite.

Os grupos dos animais avaliados foram: vacas no inicio da lactação (entre 20 e 90 dias pós parto) recebendo 4 kg de concentrado; vacas entre 91 e 180 dias de lactação recebendo 2 kg de concentrado e vacas entre 181 e 270 dias de lactação sem receber concentrado. O concentrado era composto por uma mistura de 62% de milho, 13% de soja em grão, 22% de farelo de algodão (38% de PB) e 3% de minerais. O concentrado apresentava 18% de PB e 72% de nutrientes digestíveis totais (NDT).

A área do capim Guaçu tinha 7,8 ha, subdividida em 21 piquetes. O manejo do Guaçu foi de 2 dias de ocupação com 40 dias de descanso.

Piquete de capim-elefante Guaçu no momento da entrada das vacas, em dezembro.

 

Capim-elefante Guaçu durante o pastejo.

A área do capim-Tanzânia apresentava 13,2 ha, subdivididos em 11 piquetes e o manejo do rotacionado de Tanzânia foi 3 dias de ocupação com 33 dias de descanso. Para manter os grupos de fase da lactação proposto, mensalmente algumas vacas eram introduzidas ou retiradas dos pastos onde ocorria o experimento.

Piquete de capim-Tanzânia, antes da ocupação, em dezembro.

 

Vacas no rotacionado de Tanzânia.

Na tabela 1 pode-se observar o resultado geral dos dois anos experimentais, referentes à média de quatro ciclos de pastejo, quanto à lotação média, produção de leite e número de dias do ano em que os pastos foram utilizados. No primeiro ano o desempenho dos animais foi semelhante e a lotação no capim-elefante Guaçu foi maior, sendo a produção de leite, por ha, durante a época das chuvas foi quase o dobro (11.685 kg/ha) do que a suportada nos pastos de Tanzânia (6.739 kg/ha).

Tabela 1 – Média dos pesos vivos das vacas testadoras, lotação das pastagens, produção média diária de leite, número de dias de ocupação dos pastos e produção de leite/ha em cada ano experimental.

 

1º ano

2º ano

Guaçu

Tanzânia

Guaçu

Tanzânia

Peso médio das vacas  (kg)

475

490

477

483

Lotação (UA/ha)

5,1

3,0

3,1

3,3

Lotação (vacas em lactação/ha)

4,83

2,76

2,89

3,04

Produção de leite/vaca (kg/dia)

10,8

10,9

10,6

10,1

No de dias de pastejo

224

224

210

210

Produção de leite diária (kg/ha)

52,2

30,1

30,6

30,7

Produção de leite durante a estação  das chuvas (kg/ha)

11.685

 6.739

 6.433

 6.448


Na tabela 2 são apresentados os dados de produção de massa de forragem (em matéria seca), por espécie de capim e por ciclo de pastejo. Também é apresentada a porcentagem de folhas e lotação conseguida a cada ciclo de pastejo. No segundo ano, houve um severo ataque de cigarrinhas no capim Guaçu, não sendo possível efetuar o controle desta praga. Muitas folhas secaram e a lotação do pasto caiu muito, pois no primeiro ano foi de 6 a 7 UA/ha nos melhores meses e no outro ano, ficou entre 2 a 3 UA/ha, na mesma época.

 

Tabela 2 – Massa de forragem (MF) antes da ocupação dos piquetes, porcentagem de folhas e taxa de lotação para cada espécie de capim, a cada ano de estudo.

 

 Ciclos de pastejo

Média

Dez. e

Jan

Jan. e

Fev

Março e

Abril

Abril e

Maio

Geral

GUAÇU

 1º ano experimental 

MF pré-pastejo(kg de MS/ha)

7.715a

7.678a

8.534a

7.510a

7.781

Folha (%)

46,0b

54,7a

45,9b

31,2c

44,4

Taxa de lotação (UA/ha)

6,03

7,02

4,33

3,12

5,13

 

 2º ano experimental

MF pré-pastejo (kg de MS/ha)

6.358a

4.727ab

5.548a

4.133b

5.321

Folha (%)

40,6a

33,4ab

34,5ab

18,4b

32,2

Taxa de lotação (UA/ha)

3,68

2,23

3,84

2,42

3,04

TANZÂNIA

 1º ano experimental

MF pré-pastejo (kg de MS/ha)

5.501a

5.825a

5.631a

4.382b

5.000

Folha (%)

60,0a

70,0a

61,3a

30,9b

55,5

Taxa de lotação (UA/ha)

3,89

3,90

3,39

0,95

3,03

 

 2º ano experimental

MF pré-pastejo (kg de MS/ha)

5.411a

6.000a

5.736a

4.068b

5.384

Folha (%)

55,7a

39,1b

35,6b

17,2c

36,9

Taxa de lotação (UA/ha)

4,21

3,41

3,27

2,11

3,25


ab médias, na mesma linha, com letras iguais não diferem significativamente pelo teste de Tukey.

O estudo da comparação da produção leiteira e sua composição foram feitos apenas três ciclos de pastejo. Comparando-se a produção de leite individual das vacas, verificou-se que não houve diferença estatística quando se comparou o capim utilizado para alimentar as vacas. Apenas a porcentagem de proteína do leite das vacas mantidas no Guaçu foi menor, mas mesmo assim, considerada normal. A porcentagem de gordura, entre 3,99% e 3,84% foi considerada bastante adequada para vacas mestiças.

 

Tabela 3 – Médias de produção de leite, produção de leite corrigido para 3,5% de gordura (LC 3,5% gord.) porcentagem de gordura, proteína, lactose e sólidos totais.

 

 Espécie de capim 

Guaçu

Tanzânia

Prob.

Leite (kg/vaca/dia)

12,06a

11,50a

0,224

LC 3,5% gord, (kg/vaca/dia)

12,71a

11,80a

0,152

Gordura %

3,99a

3,84a

0,489

Proteína %

3,00b

3,18a

0,009

Lactose %

4,20a

4,24a

0,704

Sólidos Totais %

11,91a

12,01a

0,667


ab médias, na mesma linha, com letras iguais não diferem significativamente pelo teste de Tukey.

 

Resultados muito similares a estes encontrados foram relatados por Leal e Nascimento (2002), estudando a produção de leite de vacas mestiças mantidas em pastejo rotacionado, durante a época das águas, de capim-elefante Camerum, ou seja, 12,0kg de leite/vaca por dia. No capim Vencedor (BRA8826). A produção observada foi de 10,9 kg/vaca/dia e no capim BRA8761 (outra variedade de Panicum)  a produção observada foi de 11,5 kg de leite/vaca/dia.

As vacas no inicio da lactação (20 a 90 dias pós parto), consumindo 4 kg de concentrado, apresentaram maior produção de leite mas com mais baixa porcentagem de gordura, quando comparado com as vacas no meio da lactação (81 a 180 dias pós parto) consumindo 2 kg de concentrado ou no final da lactação (181 a 270 dias pós parto), sem receber concentrado, conforme demonstrado na Tabela 4.

Isto é considerado normal, pois há correlação inversa entre produção de leite e porcentagem de gordura em leite de vacas mestiças (Bath et al 1985) e a mais baixa produção de leite no final da lactação geralmente vem acompanha de mais alto teor de gordura.

Tabela 4 – Médias de produção de leite, produção de leite corrigido para 3,5% de gordura (LC 3,5% gord.) porcentagem de gordura, proteína, lactose e sólidos totais de acordo com a fase da lactação e suplementação com concentrado.

 

 Fase da lactação

 Prob.

20-90 dias

91-180 dias

181-270 dias

4 kg de concentrado

2 kg de concentrado

Sem concentrado

Leite (kg/vaca/dia)

16,12a

10,77b

8,42c

<0,001

LC 3,5% gord, (kg/vaca/dia)

16,00a

11,32b

9,45c

<0,001

Gordura %

3,47b

3,85ab

4,42a

0,007

Proteína %

2,92 b

3,20a

3,15a

0,004

Lactose %

4,31a

4,23a

4,11a

0,435

Sólidos Totais %

11,45b

12,05a

12,39a

0,015


ab médias, na mesma linha, com letras iguais não diferem significativamente pelo teste de Tukey.

 

Juntando-se as informações de produção das vacas tanto do Guaçu, como do Tanzânia, e de todos os estágios de lactação, nos três ciclos de pastejo, no segundo ano, nota-se maior produção de leite por vaca em dezembro e janeiro, quando a qualidade da forragem é mais alta (Tabela 5).

Desta forma conclui-se que vacas mantidas em pastagens bem manejadas de capim Guaçu ou Tanzânia apresentam produção de leite similar. A época do ano pode afetar a qualidade das pastagens alterando a proporção de folhas e com isso, influindo na produção de leite.

 

Tabela 5 – Médias de produção de leite, produção de leite corrigido para 3,5% de gordura (LC 3,5% gord.) porcentagem de gordura, proteína, lactose e sólidos totais de acordo com os ciclos de pastejo, para as duas espécies de pasto juntos.

 

 Ciclo de pastejo

 

 

Dezembro

Janeiro

Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Prob.

Leite (kg/vaca/dia)

12,60a

11,10b

11,61ab

0,018

LC 3,5% gord, (kg/vaca/dia)

13,20a

12,02a

11,56a

0,104

Gordura, %

3,81a

4,18a

3,76a

0,255

Proteína, %

3,08a

3,17a

3,02a

0,200

Lactose, %

4,18a

4,19a

4,27a

0,812

Sólidos Totais, %

11,64a

12,37a

11,87a

0,066


ab médias, na mesma linha, com letras iguais não diferem significativamente pelo teste de Tukey.

 

Bibliografia citada

 

Bath, D, L, 1985, Biological requirements for economic efficiency, Nutritional requirements and economics of lowering feed costs, Journal Dairy Science, 68:1579–1584.

 

Jank L, Salvidan Y N, Souza M T, Costa J C G 1994, Avaliação do germoplasma de Panicum maximum introduzidos da África, I produção forrageira, Revista da Sociedade Brasileira de Zootecnia 23(3) 433-440.

 

Leal J A, Nascimento M P S C B 2002 Produção de leite em pastagem de capim-elefante e em duas variedades de Panicum maximum, Teresina, PI: Embrapa Meio-Norte (Comunicado Técnico, 141).

 

Pereira AV 1994 Escolha da variedade de capim-elefante, In: Simpósio Sobre Manejo de Pastagem,  Piracicaba, Anais, Piracicaba: FEALQ p.47-62.

 

SKLAN, D.; R. ASHKENAZI, A; BRAUN, A. et al. Fatty acids, calcium soaps of fatty acids, and cottonseeds fed to high yielding cows. Journal of Dairy Science, v.75, n.9, p.2463–2472, 1992.

 

*Projeto de pesquisa parcialmente financiado pela Fapesp.
* Origem: Apta Regional -  www.aptaregional.sp.gov.br


Maria Lúcia Pereira Lima possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo (1982), mestrado em Nutrição Animal pela Universidade de São Paulo (1988) e doutorado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Atualmente é Pesquisador Científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, Revisor de periódico da Revista Brasileira de Zootecnia / Brazilian Journal of Animal Science e Revisor de periódico da Boletim de Indústria Animal. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em Nutrição e Alimentação Animal. Atuando principalmente nos seguintes temas: pastejo intensivo temperatura da superfície corporal
(Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)
Contato: marialucia@aptaregional.sp.gov.br

   
 

Paulo Roberto Leme concluiu o doutorado em zootecnia (produção animal) em Jaboticabal pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho em 1993. Atualmente é professor associado - MS 5 da Universidade de São Paulo. Atua na área de zootecnia, com ênfase em criação de animais. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes são: bovinos de corte, bovinos, confinamento, composição corporal, características de carcaça, bovinos nelore, bovinos leiteiros, protozoários ciliados, dietas com alto concentrado e bagaço de cana-de-açúcar.
Contato:
prleme@usp.br

   
 

Maria da Graça Pinheiro concluiu o doutorado em ciências biológicas (genética) em Ribeirão Preto pela Universidade de São Paulo em 1996. Atualmente é Pesquisador Científico V do Instituto de Zootecnia. Atua na área de zootecnia, com ênfase em bioclimatologia. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes são: produção de leite, suínos, ambiente tropical, desempenho, tipos de piso, vacas mestiças, vacas da raça holandesa, carcaça, comprimento dos pêlos e espessura do pelame.
Contato:
mgpinheiro@netsite.com.br

   
 

Telma Teresinha Berchielli possui graduação em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1983), mestrado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1988) e doutorado em Ciência Animal pela Universidade Federal de Minas Gerais (1994). Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP Jaboticabal. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em Avaliação de Alimentos para Animais, atuando principalmente na área nutrição de ruminantes.
Contato: ttberchi@fcav.unesp.br

   
 

José Ramos Nogueira concluiu a graduação em medicina veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho em 1982. Atualmente é titular do Instituto de Zootecnia. Atua na área de zootecnia, com ênfase em manejo de animais. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes são: bubalinos, curso, inseminação artificial, grupo de trabalho, produção, bovinos, rebanho experimental, leite, Ribeirão Preto e comissão técnica.
Contato:
jrn@aptaregional.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citadas a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

LIMA, M.L.P.; LEME, P.R.; PINHEIRO, M.G.; BERCHIELLI, T.T.; NOGUEIRA, J.R. Vacas leiteiras mantidas em rotacionado de capim-elefante Guaçu e capim-Tanzânia: produção e composição do leite. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_2/rotacionado/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 18/06/2007