Utilização da ultra-sonografia para predição de características de carcaças bovinas.

por Fabiana Maldonado

A pecuária de corte nacional é uma atividade fundamental para a economia e o desenvolvimento do país, que recentemente alcançou a liderança na exportação mundial de carne bovina. Entretanto, para se manter nesse patamar existem ainda diversos obstáculos a serem vencidos no setor de produção, principalmente quanto à qualidade de carne produzida.

Um fator importante na busca de uma melhor eficiência na produção de carne é a estimativa precisa do ponto ideal de abate, tornando-se ferramenta importante para determinar a qualidade do produto, seja em animais de diferentes grupos genéticos e em cada um dos diferentes sistemas de produção disponíveis como pasto, semi-confinamento e confinamento. A determinação desse ponto deve levar em consideração, além dos fatores econômicos do sistema de produção, as características de carcaça exigidas pelas indústrias de carne, como por exemplo, a camada de gordura subcutânea, visando melhorar a qualidade do produto final.

Joandet & Cartwright em 1975 já mostravam que as perdas econômicas decorrentes do abate de animais fora do peso ideal poderiam equivaler a quedas da ordem de 10% na taxa de fertilidade do rebanho.

A determinação da composição corporal é de grande importância para avaliação de grupos genéticos, tratamentos nutricionais e/ou hormonais que enfocam tanto o crescimento animal quanto a determinação das exigências nutricionais. No entanto, ela é bastante trabalhosa e de custo elevado, sendo sua execução por métodos diretos inviável, mesmo em rotinas experimentais (Lanna, 1988).

A avaliação de carcaças através de predições in vivo pode garantir a economicidade do processo produtivo, uma vez que possibilita determinar o grau de terminação e de desenvolvimento muscular dos animais. Porém essas informações ainda são normalmente determinadas por inspeção visual ou através de palpação, sendo sujeitas a erros de avaliação. Assim, diversas metodologias têm sido desenvolvidas e estudadas visando a predição da composição corporal dos animais com base na avaliação das carcaças ou dos animais vivos, possibilitando a identificação de alterações na composição da carcaça em função da raça, sexo, manejo nutricional entre outros, dentre elas a utilização da ultra-sonografia em tempo real.

Esta tecnologia para aplicação biológica foi utilizada primeiramente nos anos 50 pelo Dr. James Stouffer da Universidade de Cornell nos EUA. O equipamento utilizado naquela época era em modo-A e era capaz de medir deposição de gordura e músculo em animais vivos. Desde a década de 80, a tecnologia tem sido aprimorada. O aparelho diminuiu de tamanho, as imagens são bidimensionais (modo-B), as sondas são maiores (17-18 cm) e os softwares são de melhor precisão (Costa e Yokoo, 2004).

Essa técnica permite uma avaliação rápida, não invasiva ou destrutiva e com boa precisão da composição corporal. As técnicas de coleta e processamento das imagens vêm sendo estudadas em grande escala para se obter uma boa acurácia das mensurações realizadas.

As características da carcaça que podem ser medidas no animal vivo por ultra-sonografia são: a área do olho do lombo, espessura de gordura subcutânea ou de cobertura, espessura de gordura da garupa e gordura intramuscular ou marmoreio.

A área de olho de lombo (Figura 1) é uma característica obtida pela imagem do ultra-som coletada transversalmente no músculo Longissimus dorsi na região entre a 12ª e 13ª costelas e está relacionada à quantidade de músculo, com o rendimento da carcaça e principalmente com os cortes nobres e é expressa em centímetros quadrados (cm2).

A espessura de gordura subcutânea (EGS) medida entre a 12ª e a 13ª costelas e a espessura de gordura subcutânea na garupa medida entre os músculos Gluteos medios e Biceps femoral localizada entre o ílio e o ísquio (Figura 1) são medidas que se relacionam à precocidade de crescimento, sexual e de acabamento. A camada de gordura de cobertura é essencial para evitar o encurtamento das fibras musculares no resfriamento da carcaça que acaba comprometendo a qualidade da carne. A gordura subcutânea da garupa é uma característica muito interessante para animais criados a pasto, por ter um desenvolvimento mais precoce que a gordura nas costelas na idade ideal de coleta da imagem, além disso, esta característica possui uma melhor acurácia e repetibilidade de mensuração quando comparada a EGS (Costa e Yokoo, 2004).

A gordura de marmoreio (Figura 1) expressa em porcentagem (%) é o depósito de gordura intramuscular medida sobre o contra-filé, entre a 12ª e 13ª costelas e é um dos principais fatores determinantes para classificação de qualidade, em vários países, os quais estão pagando por esta característica.

FIGURA 1. Locais das medidas de ultra-som (Sainz e Araújo, 2002)

Após o transdutor ter sido colocado em local apropriado no animal, o aparelho converte pulsos elétricos em ondas de alta freqüência (ultra-sons), que ao encontrar diferentes tecidos corpóreos dentro do animal promove uma reflexão parcial (eco) em tecidos menos densos, ou total em tecidos de alta densidade como os ossos. Mesmo após a ocorrência do eco, as ondas de alta freqüência continuam a se propagar pelo corpo do animal e o conjunto de informações enviadas pelas reflexões transmitidas pelo transdutor é projetado numa tela como imagem, onde as mensurações são realizadas (Suguisawa, 2002).

Nas Figuras 2 e 3 são mostradas as imagens coletadas pelo aparelho de ultra-som e as fotos das peças reais correspondentes.

FIGURA 2. Imagem típica, com a secção transversal do longissimus dorsi. (Sainz e Araújo, 2002).

 

FIGURA 3. Imagem típica da garupa, com o corte longitudinal do Gluteus medius e Bíceps femoris (Sainz e Araújo, 2002).

O aparelho de ultra-som basicamente mede a reflexão das ondas de alta freqüência acima da capacidade auditiva humana (16.000 ciclos/segundo) que ocorre quando estas passam através dos tecidos. Geralmente são usadas freqüências entre 1 e 5 megahertz (Mhz) para avaliação de animais vivos, sendo mais utilizadas freqüências de 3 a 3,5 Mhz para a avaliação de carcaça, possibilitando a identificação quantitativa do músculo e tecido adiposo no animal vivo em tempo real.

Segundo Wilson (1992), a utilização da ultra-sonografia para estimar a proporção de músculo e a quantidade de gordura é mais acurada do que o peso vivo e outras características facilmente medidas. Vários trabalhos mostram boas correlações entre as medidas realizadas por ultra-som pré-abate e as respectivas medidas na carcaça para área de olho de lombo (AOL) e espessura de gordura subcutânea (EGS), como mostra a seguir a Tabela 1.

TABELA 1. Correlações entre medidas ultra-sonográficas da AOL e EGS in vivo e na carcaça segundo alguns autores.

Fonte

Correlações

AOL

EGS

Stouffer et al. (1989)

0,76

0,86

Perry et al. (1990)

0,90

0,96

Bullock et al. (1991)

0,90

0,79

Waldner et al. (1992)

0,73

0,86

Bergen et al. (1996)

0,80

0,84

May et al. (2000)

0,61

0,81

Ribeiro et al. (2000)

0,51

0,43

Silva et al. (2001)

0,74

0,87

Fonte: Suguisawa (2002)

 

Entretanto, as correlações entre as medidas de ultra-som e na carcaça podem ser influenciadas por vários fatores, entre eles as limitações tecnológicas – tipo e fabricante do equipamento e sondas utilizadas, habilidade do técnico de campo, experiência do laboratório de análise de imagens e os softwares de interpretação utilizados, nível de gordura e músculo, sexo e idade do animal, mudança nas características dos tecidos pós-mortem, remoção da gordura junto com o couro, método de suspensão da carcaça que provoca mudanças na sua conformação, mensuração inadequada da área de olho de lombo, corte incorreto da seção entre a 12ª e 13ª costelas, posição inadequada do animal no momento da coleta das imagens.

 

Atualmente no Brasil, a aplicação da ultra-sonografia encontra-se num estágio inicial, um tanto precário quanto à habilidade técnica e sem nenhuma forma de padronização ou certificação. Não existem protocolos estabelecidos para as idades de avaliação, métodos de coleta de imagens, equipamentos aceitos ou para a interpretação.

Portanto, segundo Sainz e Araújo (2002), para que esta tecnologia possa ser aplicada, várias condições terão que existir entre elas: avaliação e seleção dos aparelhos e softwares utilizados, de maneira que os resultados sejam uniformes e confiáveis; treinamento adequado dos técnicos, com um sistema rigoroso de credenciamento dos mesmos; monitoramento da qualidade dos dados; reciclagem dos técnicos.

Essas limitações técnicas presentes em nosso país, necessitam de anos de pesquisa para serem superadas. Algumas instituições de ensino e pesquisa vinculadas a empresas privadas vêm desenvolvendo estudos na área de avaliação animal utilizando a técnica de ultra-sonografia em tempo real para estimar a composição corporal dos animais.

Existem, também, obstáculos políticos, que no cenário brasileiro dificultam a coordenação do setor e a implementação de um sistema integrado e padronizado. Dentre estes se encontram a falta de um sistema de tipificação de carcaças, a resistência dos frigoríficos ao pagamento ligado à qualidade e a desorganização do próprio setor.

O mercado consumidor nacional tem despertado para a importância da qualidade dos produtos de origem animal. Por sua vez, os mercados de exportação requerem cada vez mais qualidade, mas em contrapartida são os que melhor remuneram os nossos produtos. Assim, a tecnologia da ultra-sonografia é uma ferramenta poderosa que pode ajudar os produtores brasileiros a se manter competitivos no mercado internacional, oferecendo a qualidade requerida pelos diferentes mercados consumidores, com maior eficiência do sistema produtivo, no melhoramento genético da carcaça e conseqüentemente no produto final – a carne.

Bibliografia Citada

COSTA, G. Z. E YOKOO, M. J. Ultra-sonografia no melhoramento de carcaça. Revista Brangus News– arquivo técnico. 2004. p. 24-27.

JOANDET, G.E. & CARTWRIGHT, T.C. Modeling beef production systems. Journal of Animal Science, v. 41, p. 1238-1246, 1975.

LANNA, D.P.D. Estimativa da composição química de corpo vazio de tourinho nelore através da gravidade específica da carcaça e da composição de cortes das costelas. Piracicaba, 1988. 131 p. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo.

SAINZ, R.D. E ARAÚJO, F.R.C. Uso de tecnologias de ultra-som no melhoramento do produto final carne. In: V Congresso Brasileiro das Raças Zebuínas, Uberaba, MG. 2002.

SUGUISAWA, L. Ultrasonografia para predição das características e composição da carcaça de bovinos. Piracicaba, 2002. 70 p. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo , 2002.

WILSON, D.E. Aplication of ultrasound for genetic improvement. Journal of Animal Science, v.70, p.973-983, 1992.

* Origem: Apta Regional -  www.aptaregional.sp.gov.br


Fabiana Maldonado é zootecnista graduada em 1998 pela Universidade Federal de Viçosa, concluiu o mestrado em zootecnia pela mesma Universidade em 2001. Atualmente é Pesquisadora Científica da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), Pólo Regional do Noroeste Paulista, UPD Votuporanga, instituição de pesquisa da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Atua na área de zootecnia, com ênfase em produção e nutrição de ruminantes. Em seu currículo lattes os termos mais freqüentes são: cooperativismo, desempenho animal, confinamento, bovinos, consumo, gado de corte, digestibilidade e carcaça.
Contato: fmaldonado@aptaregional.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

MALDONADO, F. Utilização da ultra-sonografia para predição de características de carcaças bovinas. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_2/ultrasonografia/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 13/06/2007

Veja Também...