Uma visão política sobre contaminação de solos com metais pesados

por Otávio Antonio de Camargo

“É na especificidade própria de cada país que se há de indagar do processo pelo qual ele se formou, evoluiu, cresceu e desenvolveu, ou se pode desenvolver e como, a fim de emparelhar-se aos padrões do mundo moderno” (Caio Prado Júnior, História e Desenvolvimento)

         O modelo desenvolvimentista adotado pelo Brasil sob a égide do regime autoritário de estado forte (truculento), só para algumas coisas, foi um dos maiores receptores das indústrias poluentes do Hemisfério  Norte, em virtude do avanço da consciência ambiental naqueles países. Com a informação intensiva tomando corpo como paradigma tecnológico a partir do fim dos anos 70, as vantagens comparativas do Brasil começam a declinar: os recursos naturais perdem  comparativamente seu valor, a tolerância com a poluição torna cada vez mais reduzida e a força de trabalho desqualificada e barata não dá mais conta do recado de operar os novos sistemas produtivos.  Essas são algumas das causas do declínio brasileiro na década de 80 e da crise do modelo desenvolvimentista.  Uma vertente do pensamento nacional acha que apesar do seu extraordinário custo social esta crise teve um aspecto muito benéfico: acelerou na opinião pública brasileira a tomada da consciência  da devastação ambiental que vinha ocorrendo no país.

         Assim uma política ambiental nacional, embora tenuemente, tem sofrido avanços incontestáveis e um dos mais importantes, na minha opinião, foi o de as decisões terem chegado  ao nível regional e mais próximas do município, onde a comunidade que sofre, tem armas para enfrentar o problema, se bem que nunca seja tão fácil. Isto porque muitos políticos ainda não estão sensibilizados e não têm assimiladas as coisas relativas ao meio ambiente para promoverem políticas públicas eficientes e eficazes nas suas gestões.

         E a ciência e a tecnologia como ficam? Tecnologia é um instrumento do desenvolvimento e não apenas sua recompensa. Ainda que uma iniciativa voltada para o mercado, ela tem que estar a serviço das necessidades, do bem-estar e da alta qualidade de vida da população. Acredito que a primeira tarefa seja excluir o uso das tecnologias chamadas sujas. Os cientistas e tecnólogos da atualidade não podem agir em função de saberes separados, cuidando muito bem de suas cavernas, sem olhar para o universo que o cerca. O processo para produção de um bem que vai e deve gerar lucro,  tem que vir acompanhado de uma massa de conhecimentos multi e transdisciplinares tais que providenciem uma visão abrangente do sistema estudado e do meio físico, biológico e social no seu entorno. Produzir tecnologia limpa tem que ser necessariamente a meta desses profissionais.

         Se não se conseguir , nesta primeira tarefa, ser totalmente eficiente, o controle ambiental passa ainda por outra tarefa árdua que é a de reutilizar o resíduo na ”bica”, ou seja na fonte. Falo aqui  de lixo e lodo transformando em adubo, enxofre de chaminé em ácido sulfúrico, cinzas em tijolo e cimento, e por aí vai.

O solo é o componente do ecossistema intermediário na composição das plantas e das correntezas, represas e aqüífero. Ele é capaz de absorver grandes quantidades de poluentes sem sofrer grandes transformações, mas na medida em que sofre elas são quase sempre irreversíveis e os danos causados são de difícil recuperação. Há que se destacar que as atividades que podem causar danos à qualidade do solo e plantas ocorrem no longo prazo e/ou em pontos esparsos, mas dada a sua freqüente gravidade é necessário que se tenha em mãos todo um conhecimento para que se possa combatê-los eficientemente.

O solo é um meio imóvel, enquanto a água e o ar são fluídos muito perturbáveis onde as substâncias se dispersam com facilidade. O solo é palco de reações complexas que lhe impõe uma obscura dinâmica física, química e biológica. Os estudos para desvendar essa intrincada dinâmica são recentes nas diferentes regiões do mundo e são muito raros no nosso meio. Sua reação lenta às ações dos agentes externos muitas vezes esconde o iminente perigo de substâncias e elementos nocivos que podem, freqüentemente, acarretar conseqüências para os seres vivos como para a poluição das águas de maneira geral.

A sua degradação tem sido considerada de forma destacada em todos os países. É a erosão, o processo que mais claramente causa impacto ao homem pela sua ação devastadora,  visivelmente chamando a atenção de especialistas e leigos. Ela tem sido o foco de atenção conservacionista nos países do primeiro mundo e, também, em muitos países emergentes. Tão importante quanto a erosão, mas nem sempre notado, está o impacto causado pela sua degradação química. Define-se aqui como degradação química o impacto negativo causado pela acumulação de elementos e substâncias tóxicas bem como pela deterioração de processos químicos que regulam os processos vitais do solo.

       Atualmente uma área significativa dos solos paulistas apresenta alto risco de contaminação. As causas deste alto risco são as deposições atmosféricas nas proximidades das grandes estradas e dos distritos industriais e o aumento de uso de resíduos urbanos e da agroindústria na agricultura.  Isto tudo sem contar com os acidentes que não cabe comentar aqui.

Para que a alternativa do uso do solo seja possível dentro de um conceito de sustentabilidade, politicamente correto, será necessário que instituições públicas de pesquisa, entidades empresariais privadas e alguns outros segmentos da sociedade juntem esforços  para discutir o assunto, levantar demandas, estabelecer prioridades e metodologias e  procurar financiamento para viabilizar soluções com competência. Por seu lado, que o Estado se envolva numa coordenação efetiva para que as soluções apontadas sejam implementadas, evitando os desastres que estamos vendo acontecer hoje, conseqüência de um passado carimbado por  atitudes políticas subservientes, modelo econômico imediatista e sistemas tecnológicos ultrapassados e poluidores.


Texto também publicado na revista O Agronômico 56(1), 2004.


Otávio Antonio de Camargo, formado em engenharia agronômica (1967) e mestre em Agricultura (1972) pela Esalq-USP e PhD pela Universidade da Califórnia (1978).
É pesquisador do IAC desde 1969 (atualmente nível VI), professor colaborador da Esalq-USP desde 1990 e bolsista de produtividade do CNPq desde 1970. Já foi do Comitê externo de avaliação de diversos Centros e de programas da Embrapa e do CNPq. Tem diversos livros, capítulos de livros e boletins editados e é autor de aproximadamente uma centena de artigos científicos em revistas nacionais e internacionais. É editor associado da Revista Brasileira de Ciência do Solo desde 1979, revisor de diversas revistas nacionais e internacionais e assessor científico da FAPESP e do CNPq, entre outras agências financeiras, desde 1980.
Contato: Otávio Camargo



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CAMARGO, O.A. Uma visão política sobre contaminação de solos com metais pesados. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_3/contaminacao/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 13/07/2007

Veja Também...