A NECESSIDADE DA REGULAMENTAÇÃO DE PRODUTOS QUÍMICOS UTILIZADOS NA AQÜICULTURA BRASILEIRA

por Sérgio Henrique Canello Schalch

Vários produtos químicos e outras substâncias são utilizados em criações de organismos aquáticos, objetivando melhorar as condições de água e solo, bem como controlar a floração planctônica, plantas invasoras e vetores de doenças.

A situação atual do Brasil retrata um cenário preocupante, pois não é possível saber quando se impacta o ambiente e se causam riscos à saúde humana, seja pela ingestão de produtos originários da aqüicultura ou pelo próprio manuseio de substâncias químicas.

Em estudo realizado nos Estados Unidos, BOYD e MASSAUT (1999) listaram as principais substâncias utilizadas na aqüicultura que podem oferecer perigo, dentre elas: fertilizantes, materiais alcalinos, oxidantes, coagulantes, osmorreguladores, algicidas, herbicidas, pesticidas, probióticos e metais pesados. Os riscos foram atribuídos através de exames das propriedades das substâncias, de informações sobre a segurança do produto oferecidas pelos fabricantes, de dados fornecidos pela agência de proteção ambiental (EPA) e do conhecimento dos efeitos dos nutrientes e de outros poluentes aquáticos.

Dentre as substâncias analisadas, determinou-se o grau de risco de contaminação: grau zero (não estabelece riscos associados); grau um (substâncias com leves riscos à segurança, com base nas propriedades dos compostos ou do uso em outras áreas); grau dois (experiência demonstra nível moderado de preocupações); e grau três (substâncias que já causaram danos sérios no passado).

Com os dados apresentados na Tabela 1 é possível conhecer e avaliar o grau de perigo que cada produto pode causar ao processo produtivo. Essas substâncias fazem parte do dia-a-dia da criação.

Tabela 1 – Lista de substâncias utilizadas na aqüicultura, apresentando dosagem recomendada, risco ambiental (RA), risco humano (RH) e perigo alimentar (PA)

Composto Medida típica aplicação Tipo de perigo Nível risco

Formaldeído

10 – 15 ppm RA: tóxico
RH: evitar inalar
PA: nenhum
RA: 1
RH: 2
PA: 0
Sulfato de Cobre (CuSO4·2H2O)0,5 – 2 mg/litro de águaRA: tóxico para vida aquática em alta concentração
RH: poderoso irritante
PA: não é bioacumulativo
RA: 2 RH: 1 PA: 0
Cal hidratada [Ca(OH)2]0,5 – 1 tonelada/haRA: derrama quando estocado, pH
RH: cáustico, irritante
PA: nenhum
RA: 1 RH: 1 PA: 0
Sal (NaCl)100–2000 mg/litro de águaRA: salinidade
RH: irritante
PA: não é nocivo
RA: 1 RH: 1 PA: 0
Permanganato de potássio (KMnO4)2–8 mg/litroRA: derramamento quando rmazenado, tóxico
RH: explosivo em contato com substâncias orgânicas
PA: nenhum
RA: 1
RH: 1 PA: 0
Inseticidas - RA: bioacumulativo
RH: tóxico
PA: bioacumulativo
RA: 3
RH: 2
PA: 3
Pesticidas-RA: bioacumulativo
RH: tóxico

PA: bioacumulativo
RA: 3
RH: 2

PA: 3
Sulfato de cálcio (CaSO4·2H2O) 100 – 400 mg/litro de águaRA: nenhum
RH: nenhum
PA: nenhum
RA: 0 RH: 0 PA: 0
Sulfato de alumínio [Al2(SO4)3·14H2O]15 – 40 mg/litro de águaRA: toxicidade
RH: produz ácidos
PA: nenhum
RA: 1 RH: 1 PA: 0
Peróxido de hidrogênio (H2O2)100 kg/haRA: derramamento quando armazenado
RH: irritante
PA: nenhum
RA: 1 RH: 1 PA: 0
Superfosfato triplo [Ca(H2PO4)2]5 – 10 kg/haRA: eutrofização
RH: nenhum
PA: nenhum
RA: 1 RH: 0 PA: 0
Uréia (H2NCONH2) 5 – 10 kg/ha RA: nitrificação com reação ácida, eutrofização, toxicidade por amônia, derrama quando armazenado
RH: explosivo, irritante
PA:
RA: 1
RH: 1
PA: 0
Sulfato de amônia [(NH4)2SO4]10 – 20 kg/haRA: Observar uréia
RH: explosivo, irritante, evitar inalação
PA: nenhum
RA: 1 RH: 1 PA: 0
Nitrato de amônia (NH4NO3)5 – 10 kg/haRA: Observar uréia
RH: explosivo, irritante, evitar inalação
PA: nenhum
RA: 1 RH: 1 PA: 0

* É importante lembrar que deve ser respeitado o tempo de carência de cada produto.

Um fator importante quanto ao uso de substâncias químicas é conhecer exatamente as conseqüências de determinada utilização. Em pesqueiros tipo “pesquepague” e em pisciculturas em geral, a situação é delicada, pois os produtos químicos são utilizados de forma errada. Na maioria dos casos, não se respeita o tempo de carência. Efluentes de viveiros em que se aplicaram produtos químicos são despejados no ecossistema receptor sem nenhum tratamento. Os próprios consumidores, produtores e o ambiente acabam sendo os maiores prejudicados nesse cenário alarmante.

Assim, é urgente a necessidade da regulamentação, na aqüicultura, do uso dos produtos químicos, a fim de evitar os efeitos nocivos aos seres humanos e ao meio ambiente.

Práticas ou métodos importantes para a redução dos níveis de impacto:

  1. Países que já possuem listagens de produtos químicos, somente utilizá-los para fins já autorizados.

  2. Onde tais listagens não estão disponíveis, a indústria da aqüicultura e produtores individuais devem prepará-las com os governos.

  3. Cabe aos aquaculturistas seguir as informações contidas no rótulo dos produtos: dosagem, período de retirada, utilização adequada, estoque, disponibilização e outros redutores (prevenção de segurança no trabalho).

  4. Não descarregar produtos bioacumulativos ou potencialmente tóxicos antes da respectiva decomposição em formas não tóxicas.

  5. Manutenção de registros hábeis quanto ao uso, sugerido pelo método de análises de perigo e controle de pontos críticos (HACCP).

  6. Aqüicultores industriais devem trabalhar junto aos órgãos governamentais, no sentido da formulação de regulamentações direcionadas à rotulagem dos conteúdos e porcentagem de ingredientes ativos em todos os produtos químicos (alcalinos, fertilizantes e outros).

Figura 1 – Processo de calagem em viveiros de piscicultura  

No Brasil ainda existem empresas que insistem em comercializar produtos químicos sem nenhuma recomendação quanto ao seu uso. A maioria desses produtos, se não forem aplicados com certas determinações, podem ser extremamente prejudiciais à criação de organismos aquáticos, ao meio ambiente e a quem aplica.

Chegou então o momento de todos que atuam na aqüicultura despertarem para a necessidade da união no sentido da regulamentação do uso dos produtos químicos que já fazem parte do processo produtivo, a fim de que, inclusive, o produto final tenha a devida qualidade para quem irá comercializá-lo e/ou consumi-lo.

Referência Bibliográfica
BOYD, C.E. e MASSAUT, L. 1999 Risks associated with the use of chemicals in pond aquaculture. AquaculturalEngineering,20: 113–132.

* Artigo também publicado no site do Instituto de Pesca. www.pesca.sp.gov.br


Sérgio Henrique Canello Schalch possui graduação em Medicina Veterinária pelo Fundação de Ensino Octávio Bastos (1996), mestrado em Aqüicultura em Águas Continentais pelo Centro de Aqüicultura da Unesp (2002), doutorado em Aqüicultura pelo Centro de Aqüicultura da Unesp (2006) e aperfeiçoamento em Aqüicultura pelo Centro de Aqüicultura da Unesp (1999). Atualmente é Pesquisador Científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, Pólo Regional de Votuporanga. Tem experiência na área de Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca , com ênfase em Patologia de Organismos Aquáticos. Atuando principalmente nos seguintes temas: levamisol, diflubenzuron, praziquantel, hematologia, parasitos e Piaractus Mesopotamicus.
Contato:
sschalch@aptaregional.sp.gov.br
(Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

SCHALCH, S.H.C. A necessidade da regulamentação de produtos químicos utilizados na aqüicultura brasileira. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_3/regulamentacao/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 30/07/2007

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