Inseminação Artificial em Tempo Fixo: Uma biotecnologia a serviço do empresário rural

Daniel Cardoso

1. INTRODUÇÃO

O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, com 207 milhões de cabeças (IBGE, 2007), destacando-se não somente pelo tamanho do rebanho, mas também, pelo potencial de crescimento. O rebanho bovino no Estado de São Paulo foi estimado para 2006 em 13,66 milhões de cabeças, com queda de 2,92% em relação ao ano de 2005 (AMARAL et al. 2006). As exportações de carne bovina brasileira apresentaram de 2000 a 2004, aumento de 194% nos volumes, acompanhado do aumento da demanda mundial de 5,8 para 6,3 milhões de toneladas (ANUALPEC, 2005). Com estes resultados o Brasil tornou-se o maior exportador mundial de carne bovina, superando a Austrália.

 

Com o avanço tecnológico e o crescimento no mercado mundial de carne, novas exigências estão surgindo, tais como: melhor qualidade dos produtos e maior segurança alimentar através de certificações sanitárias e de rastreabilidade (PESSUTI; MEZZADRI, 2004).

 

Apesar dos números e das boas perspectivas, a produtividade do rebanho brasileiro, quando comparada a de países de clima temperado, fica aquém do desejado. A presença de componentes políticos, socioeconômicos e culturais, de forma isolada ou em conjunto, contribuem para o baixo desempenho econômico da pecuária bovina brasileira (PEREIRA, 2000). Fatores como forragens de baixa qualidade, alta incidência de doenças infecciosas, parasitárias e nutricionais, insuficiência de programas de melhoramento genético e sistema fundiário ultrapassado, contribuem para os baixos índices de produtividade (VIANA, 1999). A falha na reprodução é um dos fatores mais importantes que limita o desempenho da pecuária de corte brasileira (SILVA, 2005).

 

O melhoramento genético, baseado na seleção de indivíduos com maior desenvolvimento ponderal, rendimento de carcaça, produção leiteira, melhor conversão alimentar e precocidade sexual, possibilita o aumento da produtividade, tanto de carne quanto de leite. Assim, a eficiente multiplicação de animais superiores proporciona maior retorno econômico da atividade pecuária. No entanto, a multiplicação e distribuição desse material genético somente são possíveis com adequado manejo, sem o comprometimento da eficiência reprodutiva do rebanho (PINEDA, 2004).

 

A produção de um número maior de bezerros pode ser considerada como o primeiro passo para o aumento da produção de carne. Fatores como idade elevada ao abate e parto tardio contribuem para o baixo desfrute da bovinocultura de corte no Brasil, tornando a fase de recria mais extensa e o sistema como um todo menos produtivo.

 

O objetivo desta revisão foi abordar de forma resumida informações técnicas sobre o impacto do uso da biotecnologia da inseminação artificial em tempo fixo sobre a eficiência reprodutiva em bovinos de corte.

 

2. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL EM TEMPO FIXO

 

Quando se fala em biotecnologia, uma das primeiras perguntas a vir em mente é o custo da técnica, ou seja, qual a viabilidade econômica do emprego de tal técnica. Antes de abordar os aspectos econômicos é importante ressaltar algumas vantagens do uso da inseminação artificial. Em qualquer literatura que consultarmos, veremos uma série de vantagens em relação à inseminação artificial, como:

Melhoria genética;

Controle sanitário de doenças sexualmente transmissíveis;

Animais padronizados e com maior potencial de produção;

Uniformidade dos lotes;

Diminuição do custo com reposição de touros;

Uso de touros provados, diminuindo os riscos inerentes ao uso de touros que foram selecionados através de características morfológicas;

 

Ao analisar as inúmeras vantagens pode-se de primeira mão concluir que se trata da técnica perfeita, com capacidade de trazer somente benefícios. Neste momento surge outra pergunta. Qual o motivo de uma técnica com tantas vantagens ser pouco utilizada no Brasil?

 

De 2000 a 2005, houve aumento na quantidade de sêmen comercializado, aumento esse considerável, mas muito pequeno quando comparado ao número de vacas de corte inseminadas no Brasil. Para analisar a eficiência reprodutiva de um rebanho, pode-se dispor de uma ferramenta que consiste no cálculo de índices, como a taxa de prenhez por exemplo, que traduz a velocidade com que as vacas ficam gestantes, a partir do período voluntário de espera, índice constituído de quatro fatores que irão, de maneira direta, influenciar a taxa de prenhez, sendo eles:

Fertilidade da vaca (%);

Fertilidade do touro (%);

Eficiência na Detecção de Cio (%);

Eficiência na Inseminação (%);

 

O trabalho conduzido por MIZUTA (2003), utilizou o sistema de radiotelemetria para estudar o comportamento reprodutivo de vacas Nelore, Angus e Nelore x Angus, e indicou uma maior incidência de estros (cios) durante o período noturno e o tempo de manifestação do estro durou menos 4 horas, quando comparado a vacas Bos taurus (Angus) como mostra a Tabela 1.

 

Tabela 1.

Características

Grupos Genéticos

 

Nelore

Nelore x Angus

Angus

Duração do estro (horas)

12,9±2,9

12,4±3,3

16,3±4,8

Número de montas/estro

28,2±13,2

34,1±19,2

29,7±19,4

Montas/hora de estro

2,3±1,3

2,8±1,5

1,9±1,2

Intervalo estro-ovulação (h)

27,1±3,3

25,7±7,6

26,1±6,3


Fonte: MIZUTA (2003)

 

Outro estudo conduzido com vacas da raça Nelore verificou que, 53,8 % das vacas começaram o estro no período noturno e 46,1 % terminaram o estro durante a noite (PINHEIRO et al. 1998).

 

Como se pode verificar, um dos grandes problemas relacionados à inseminação artificial no Brasil, refere-se à dificuldade de detecção de estro, pois, 70% do rebanho é constituído de animais de origem indiana (Bos indicus), puros ou mestiços, afetando de forma bastante significativa a taxa de prenhez do rebanho, devido a falhas no manejo de detecção do estro.

 

O rebanho bovino de corte no Brasil é composto por animais com predominância de sangue Zebu (Bos indicus), mantidos a pasto e criados em grandes fazendas, dificultando o manejo e a detecção de estro em programas de inseminação artificial. Pode ser observado na Tabela 2, que a taxa de prenhez é influenciada diretamente pela eficiência de detecção de estro, afetando de forma significativa o resultado final do processo.

 

 

Tabela 2. Índices representativos da taxa de prenhez de um rebanho.

 

Índices

 

%

%

Fertilidade da Vaca (%)

100

100

Fertilidade do Touro (%)

100

100

Eficiência Detecção Estro (%)

100

50

Eficiência do Inseminador (%)

100

100

TAXA DE PRENHEZ

100

50


 

Na procura por mais eficiência na taxa de prenhez em programas de inseminação artificial, vários protocolos foram desenvolvidos para sincronizar a onda de crescimento folicular e a ovulação em bovinos de corte (BARUSELLI et al. 2003; MADUREIRA et al., 2004) e leite (SARTORI et al., 2006; VASCONCELOS et al., 1999), permitindo inseminar um grande número de animais em um horário fixo, sem a necessidade de se detectar o estro (Figura 1). O emprego desta técnica além de eliminar a necessidade de se detectar o estro, traz outras vantagens como: 

Possibilidade de emprenhar um grande número de animais nos primeiros dez dias da estação de monta;

Concentração da estação de nascimentos (Figura 2);

Diminuição do intervalo entre partos;

Economia na mão-de-obra e concentração desta em determinado período (Figura 3);

Indução da ciclicidade de vacas em anestro temporário;

Redução do desperdício de sêmen, material e mão-de-obra com vacas inseminadas em horário errado;

Diminuição da necessidade da compra de touro;

Possibilidade de cruzamento entre raças, dispondo dos melhores animais do mercado;

Concentração do retorno do estro dos animais que não emprenharam em um período que varia de 15 a 25 dias após a IATF;

Aumento na eficiência reprodutiva;

 

Figura 1. Inserção do dispositivo intra-uterino de progesterona utilizado em protocolos de IATF.

Figura 2. Estação de nascimento concentrada.

Figura 3. Momento da IATF. Sem detecção de estro e com a presença de muco cristalino.

 

Baseado nas inúmeras vantagens citadas, agora se pode responder a uma das primeiras perguntas. Quanto custa um protocolo de IATF?

 

Atualmente um protocolo de IATF custa de R$ 20,00 a R$ 25,00 por vaca, valor esse dependente do número de animais a serem inseminados e da capacidade de negociação na hora da compra.

 

À primeira impressão, o custo desta tecnologia parece ser elevado, mas se fizemos uma outra pergunta veremos esta biotécnica de outra maneira: Quanto custa mensalmente manter uma vaca no pasto?

 

Na região Noroeste Paulista, o aluguel da terra para manter vacas de corte não sai por menos de R$ 20,00 por cabeça/mês, fora os custos de manutenção dos animais como: mão-de-obra, sal mineral, vacinação e medicamentos.

 

Levando em consideração que 40 a 60% do rebanho pode emprenhar nos primeiros 10 dias da estação de monta ao utilizarmos a IATF, observa-se que somente o benefício da redução do intervalo entre partos supera os gastos empregados nos protocolos de sincronização. Na maioria das fazendas, muitos animais emprenham no final da estação de monta, ou seja, passam 3 a 4 meses no pasto comendo e bebendo, ou seja, sem trabalhar, sem produzir um bezerro, traduzindo-se em prejuízo para a empresa agropecuária.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

             

A escolha da IATF como ferramenta capaz de melhorar a eficiência reprodutiva constitui-se em uma alternativa viável para rebanhos bovinos de corte.

 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANUALPEC 2005. Anuário da pecuária brasileira. São Paulo: Argos Comunicação FNP, 2005.  540 p.

 

BARUSELLI, P. S.; MARQUES, M. O.; NASSER, L. F.; REIS, E. L.; BO, G. A. Effect of eCG on pregnancy rates of lactating zebu beef cows treated with cidr-b devices for timed artificial insemination. Theriogenology, v. 59, p. 214, 2003.

 

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Banco de dados agregados. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo. Acesso em: 27/02/07.

 

AMARAL, A. M. P.; GHOBRIL, C. N.; COELHO, P. J. Produção animal: Previsão no Estado de São Paulo para 2006. Instituto de economia agrícola, 2006.Disponível em:http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=7365. Acesso em 20/02/07.

 

MADUREIRA, E. H.; PIMENTEL, J. R. V.; ALMEIDA, A. B.; ROSSA, L. A. F. Sincronização com progestágenos. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE REPRODUÇÃO ANIMAL APLICADA, 1., 2004, Londrina. Anais... Londrina: [s.n.], 2004. p. 21-27, 2004.

 

MIZUTA, K. Estudo comparativo dos aspectos comportamentais do estro e dos teores plasmáticos de LH, FSH, progesterona e estradiol que precedem a ovulação em fêmeas bovinas Nelore (Bos taurus indicus), Angus (Bos taurus taurus) e Nelore x Angus (Bos taurus indicus x Bos taurus taurus). 2003. 98f. Tese (Doutorado em Reprodução Animal) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

 

PEREIRA, J. C. C. Contribuição genética do Zebu na pecuária bovina do Brasil. Informe Agropecuário, v. 21, p. 30-38, 2000.

 

PESSUTI, O.; MEZZADRI, F. P. Atualidade e perspectivas da pecuária paranaense. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE REPRODUÇÃO ANIMAL APLICADA, 1., 2004, Londrina. Anais... Londrina: [s.n.], 2004. p. 21-27, 2004.

 

PINEDA, N. Base genética brasileira para ser multiplicada. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE REPRODUÇÃO ANIMAL APLICADA, 1., 2004, Londrina. Anais... Londrina: [s.n.], 2004. p. 15-20.

 

PINHEIRO, O. L.; BARROS, C. M.; FIGUEREDO, R. A.; VALLE, E. R., ENCARNAÇÃO, R. O.; PADOVANI, C. R. Estrous behavior and the estrus-to-ovulation interval in Nelore cattle (Bos indicus) with natural estrus or estrus induced with prostaglandin F2alpha or norgestomet and estradiol valerate. Theriogenology, v. 49, p. 667-81, 1998.

 

SARTORI, R.; GUMEN, A.; GUENTHER, J. N.; SOUZA, A. H.; CARAVIELLO, D. Z., WILTBANK, M. C. Comparison of artificial insemination versus embryo transfer in lactating dairy cows. Theriogenology, v. 65, p. 1311-1321, 2006.

 

SILVA, L. F. P. Interface da nutrição com a reprodução: o que fazer? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE REPRODUÇÃO ANIMAL, 16., 2005, Goiânia, GO. Anais... Goiânia: GERAEMBRYO, 2005. p. 1-12.

 

VASCONCELOS, J. L.; SILCOX, R. W.; ROSA, G. J.; PURSLEY, J. R., WILTBANK, M. C. Synchronization rate, size of the ovulatory follicle, and pregnancy rate after synchronization of ovulation beginning on different days of the estrous cycle in lactating dairy cows. Theriogenology, v. 52, p. 1067-78, 1999.

 

VIANA, J. A. C. O terceiro mundo não é assim: está assim! Belo Horizonte: FEP-MVZ/UFMG – Escola de Veterinária, 1999. 689 p.

 

Origem: AptaRegional - www.aptaregional.sp.gov.br


Daniel de Jesus Cardoso de Oliveira concluiu o mestrado em Zootecnia pela Unesp em 1998. Cursa doutorado em Reprodução Animal pela FMVZ da USP desde 2003.  É pesquisador científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios- APTA - Pólo Regional do Noroeste Paulista  e sua área de atuação na instituição é Produção Animal. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: desempenho, digestibilidade, confinamento, ruminantes, eficiência reprodutiva, puberdade.



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

OLIVEIRA, D.JG.C. de. Inseminação Artificial em Tempo Fixo: Uma biotecnologia a serviço do empresário rural. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_4/inseminacao/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 07/11/2007

Veja Também...