Mecanismo de Desenvolvimento Limpo:
instrumento indutor do desenvolvimento sustentável e da adoção de energias renováveis nos países em desenvolvimento?

 

Por Caroline Jácome Costa

 

Com a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, em fevereiro de 2005, e o acirramento da discussão internacional acerca da problemática do aquecimento global, desencadeada, sobretudo, após a divulgação dos últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), esperava-se que os projetos desenvolvidos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) se multiplicassem pelo mundo.

 

O MDL é um mecanismo de flexibilização, estabelecido sob os princípios do Protocolo de Kyoto, cuja finalidade é facilitar o cumprimento das metas de redução das emissões de gases de efeito estufa pelos países industrializados, através da implementação de projetos de redução ou seqüestro das emissões atmosféricas de dióxido de carbono (CO2) nos países em desenvolvimento. O MDL representa a primeira iniciativa destinada a solucionar um problema ambiental global utilizando um mecanismo de mercado.

 

O Protocolo de Kyoto estabelece seis principais gases de efeito estufa contra os quais os países do Anexo I devem estabelecer metas de redução. Estes gases são dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6), os hidrofluorcarbonados (HFCs) e os perfluorcarbonados (PFCs). Através da adoção de fatores de conversão, que levam em consideração o potencial de aquecimento global de cada um dos gases, relativamente ao CO2, as reduções são computadas como reduções em equivalentes de CO2.

 

Entretanto, a despeito das expectativas, as reduções certificadas de emissões (os créditos de carbono) negociadas nos projetos MDL representam pouco mais de 1% das emissões globais anuais de CO2 na atmosfera. Além disso, dos seis gases de efeito estufa, estabelecidos pelo Protocolo, três deles (CH4, N2O e HFC-23) dominam o mercado de créditos de carbono, respondendo por mais de 70% dos créditos gerados até 2006. Apenas os projetos de reduções de emissões de HFC-23 concentram 37% dos projetos desenvolvidos no mundo, no âmbito do MDL. O HFC-23 é um potente gás de efeito estufa, produzido como resíduo nas indústrias de gases para refrigeração (principalmente o HCFC-22) e apresenta um potencial de aquecimento global 11.700 vezes superior ao do CO2, considerando um período de 100 anos. Isso significa que, para cada tonelada de HFC-23 removida da atmosfera, considera-se, para efeito da geração das reduções certificadas de emissões, a remoção de 11.700 toneladas de CO2. Como para cada 100 toneladas de HCFC-22 produzidas são geradas de 1,5 a 4,0 toneladas de HFC-23, para cada Kg de HCFC-22 produzido, é possível a obtenção de 0,175 a 0,350 reduções certificadas de emissões, no âmbito do MDL. Considerando que cada redução vem sendo cotada no mercado de carbono a aproximadamente 9 euros, a produção de 1 Kg de HCFC-22 produziria 3,15 euros, através da implementação de projetos de MDL. Entretanto, o custo estimado para capturar e destruir o HFC-23 é da ordem de 0,09 euros para cada Kg de HCFC produzido, o que pode resultar em um subsídio de 3,08 euros na produção de 1 Kg de HCFC-22, contra um valor de venda de aproximadamente 1,60 euros para o Kg do próprio HCFC-22. De modo a não estimular a ampliação do parque industrial voltado à produção de HCFC-22, o Conselho Executivo do MDL limitou a aprovação de projetos de captura e destruição do HFC-23 à capacidade de produção já instalada nas indústrias existentes, restringindo o registro de novos projetos às plantas industriais que já estejam em operação e que possam fornecer os dados de produção relativos a, pelo menos, três anos dentro do período de 2000 a 2004. De toda forma, distorções como esta têm levantado polêmicas a respeito da real efetividade do MDL como instrumento indutor do desenvolvimento sustentável e da adoção de energias mais limpas e renováveis nos países em desenvolvimento.

 

Para muitos críticos, pode estar ocorrendo um desvio em relação aos propósitos iniciais do MDL, ocorrendo a negociação de créditos a preços 10 a 100 vezes maiores do que os custos efetivos das reduções e que não tem levado a alterações profundas na matriz energética dos países em desenvolvimento. Prova disso é que os projetos baseados na redução direta das emissões de CO2, incluindo projetos de energias renováveis, eficiência energética e modificações nos processos de produção nas indústrias de cimento, responderam por apenas 29% dos créditos de carbono gerados em 2006.

 

Atualmente, existem 745 projetos MDL registrados no Conselho Executivo do MDL. O Brasil ocupa o segundo lugar em número de projetos registrados (108 projetos), ficando atrás apenas da Índia, com 249 projetos. A maior parte dos projetos desenvolvidos no Brasil está na geração de energia elétrica (60%), suinocultura (16%) e aterros sanitários (11%), praticamente não existindo oportunidades para o desenvolvimento de projetos que envolvam a redução das emissões de HFC-23. Acredita-se que, para futuros períodos de compromisso do Protocolo de Kyoto, os projetos MDL evoluam no sentido de limitar a negociação de créditos resultantes de reduções certificadas de emissões de CO2, exclusivamente, tratando dos demais gases de efeito estufa em acordos independentes, à semelhança do Tratado de Montreal, firmado em 1987 com o objetivo de substituir a utilização dos CFCs pelos HCFCs, menos nocivos à camada de ozônio.


Caroline Jácome Costa possui graduação em Agronomia pela Universidade de Brasília (2002), mestrado (2004) e doutorado (2007) em Ciência e Tecnologia de Sementes pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente, é pesquisadora da Embrapa Cerrados. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Ciência e Tecnologia de Sementes, atuando principalmente nos seguintes temas: fisiologia e avaliação da qualidade de sementes.
Contato: caroline.costa@cpac.embrapa.br



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

COSTA, C.J. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo:instrumento indutor do desenvolvimento sustentável e da adoção de energias renováveis nos países em desenvolvimento?. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_4/sustentabilidade/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 10/11/2007

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