Tuberculose humana e animal

por Eliana Roxo

A tuberculose no homem como nos animais continua a desempenhar um papel preponderante entre as doenças infecto-contagiosas com grave impacto nas populações, levando a grandes prejuízos econômicos e sociais.

O combate à tuberculose bovina no Brasil visa diminuir o impacto desta enfermidade no comércio nacional e internacional de animais e de produtos de origem animal, certificando os rebanhos, como garantia de qualidade na sua origem.

A tuberculose zoonótica, causada pelo Mycobacterium bovis em humanos, assume na atualidade um caráter de doença profissional, mais freqüente em indivíduos que lidam diretamente com animais infectados ou com produtos provenientes destes, como tratadores, magarefes, veterinários e laboratoristas, manifestando-se não somente na forma clássica de tuberculose intestinal ou escrofulose (transmitida por alimentos), mas, principalmente, na forma pulmonar (transmitida por aerossóis).

Com o intuito de informar sobre os principais pontos da transmissão da tuberculose bovina, suas formas de diagnóstico e controle, numeramos resumidamente alguns itens de forma objetiva. Para maiores informações, sugerimos consultar os seguintes links: www.biologico.sp.gov.br/tuberculose/tub1.htm, www.agricultura.gov.br, www.mgar.vet.br/buiatria/tbbovnet/.

Problemas para o homem

• Aquisição da doença através do leite cru (normalmente tuberculose intestinal);
• Aquisição de doença profissional, ou seja, tratadores de animais, magarefes, veterinários (normalmente tuberculose pulmonar).

Soluções para o homem

• Pasteurização do leite cru, ou seja, aquecimento de 62,8 a 65,6 ºC por trinta minutos (pasteurização lenta) ou aquecimento do leite cru a 71,7 ºC por quinze segundos (pasteurização rápida), que destrói a bactéria;
• Rigorosas medidas de higiene, como limpeza e desinfecção das instalações onde os animais ficam, fômites, etc;
- Desinfecção:
· Calor úmido;
· Luz solar direta;
· Química: hipoclorito de sódio (1%), fenol, formol, álcool, (observar concentração do produto, tempo de exposição, temperatura, presença de matéria orgânica);
Não usar desinfetantes ineficazes como compostos quaternários de amônia e clohexidine = não destroem a bactéria da tuberculose;
• Rigorosas medidas de manejo sanitário, como cuidados na introdução de novos animais no rebanho, ou seja, animal com testes negativos para a doença e originário de rebanhos livres da doença, quarentenário e isolamento de animais suspeitos.

Controle da Tuberculose

Em regiões de alta prevalência:
• Sacrifício dos animais reagentes;
• Rigorosas medidas de higiene e manejo sanitário;

Em regiões de baixa prevalência:
• Implantação de programas de controle e erradicação da tuberculose:
- Testes tuberculínicos;
- Sacrifício de animais reagentes;
- Certificação de rebanhos livres da doença;
- Certificação de “áreas livres” da doença.

Transmissão da Tuberculose

De um animal infectado para outro animal sadio:
• Vias mais comuns:
• Aerossóis da respiração, corrimento nasal, ou seja, orofarínge;
• Leite cru;

Vias menos comuns:
• Fezes;
• Urina;
• Secreções vaginais/uterinas;
• Sêmen;

De um animal doente para o homem:
• Aerossóis da respiração
• Leite cru
• Carne crua

De um animal sem sintomas para outro animal:
• O animal recém infectado já pode transmitir, mesmo sem lesões ou outros sinais de sua presença, a infecção para outros animais;
• Geralmente, animais mais velhos têm mais chance de terem a doença mais adiantada e, assim, serem a principal fonte de infecção para os mais jovens.

Tuberculose em bovinos

Causada pelo Mycobacterium bovis, normalmente é doença crônica e debilitante e sempre progressiva.

Entrada da bactéria:
• Aparelho digestivo: através da boca, por água ou alimentos contaminados, indo para o trato digestivo (intestinos);
• Aparelho respiratório: narinas, garganta, faringe até os pulmões;
• Nos pulmões:
• Os bacilos invadem os macrófagos alveolares, causam inflamação e pneumonia difusa no início;
• Nódulos caseosos se formam (as bactérias em seu interior podem se multiplicar ou ficar “dormentes”);
• Nódulos caseosos se fundem (confluência) formando grandes nódulos;
• Os bacilos podem se disseminar pelos tecidos vizinhos e também por via linfática e sangüínea;
• As bactérias atingem os linfonodos regionais (Complexo primário);
• Desenvolve-se a hipersensibilidade tardia (reação tuberculínica);
• As bactérias espalham-se para todo o corpo do animal (disseminação do processo).

Tuberculose em humanos

• Tosse crônica, por 3 semanas ou mais, pode expectorar material bacteriano das lesões cavitárias (paciente com quadro respiratório bacilífero);
• Febre ligeira e sudorese noturna;
• Dor toráxica e dispnéia;
• Hemoptise;
• Perda de peso (caquexia);
• Reinfecção, ou seja, a lesão inativa passa a ser ativada (recrudescimento) e nesta etapa, estabelece-se necrose no nódulo ou na cavidade.

Quem causa a doença

Quem: Bactéria em forma de bastonete, ou seja bacilo = Bacilo de Koch
Classificação:
• Ordem: Actinomycetales
• Gênero: Mycobacterium
• Quais que podem causar tuberculose: Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium bovis, Mycobacterium africanum (ainda não encontrado no Brasil).

 

Bacilos Álcool-Ácido Resistentes (BAAR) corados pelo método de Ziehl-Neelsen, formando grumos

Viabilidade:
• Até uma hora em suspensão no ar (ao abrigo da luz solar direta)
• Até dois anos em estábulos, pastos e esterco;
• Até um ano na água;
• Até dez meses nos produtos de origem animal;

Distribuição da doença

• Mundial, concentrando-se em países em desenvolvimento e em criações intensivas, como em bovinos leiteiros;
• Concentra-se principalmente na América do Sul, por esta deter a maior população bovina comercial;
• Na América Latina e Caribe existem aproximadamente 300 milhões de bovinos, dos quais 73,7% estão em áreas com prevalência de tuberculose maior que 1%;
• Brasil e Argentina juntos possuem 3,5 milhões de bovinos infectados espalhados por praticamente todo o território, que representa quase 2% da população bovina existente;
• O Brasil possui uma população bovina maior que 200 milhões de cabeças e dados mostram que os animais testados (454.108, aproximadamente 0,3% do rebanho nacional) apresentavam:
· Nível de infecção entre 0,9 a 2,9%;
· 6,2 a 26,3% dos rebanhos com animais infectados (sem que essas taxas mostrassem tendência de diminuição);
· 0,14% de lesões encontradas nos animais abatidos em matadouro.

Diagnóstico

Exame após a morte do animal:
• Histopatologia
- utilizado em regiões de alta prevalência, mas é apenas presuntivo, necessitando de confirmação através da bacteriologia;
- Depende dos critérios de inspeção (de carcaça e sítios);
- Depende de coleta adequada de:
- pares de linfonodos (pelo menos seis):
· Cabeça – mandibulares, parotídeos e retrofaríngeo;
· Tórax – mediastínicos e bronquiais;
· Abdômen - mesentérios
· Carcaça – pré-escapulares, ilíacos, isqueáticos, sacral, inguinal superior

- amostras de órgãos acometidos:
· Pulmão
· Fígado
· Intestinos
· Baço
· Rim
· Úbere
·Órgãos genitais

 
Corte histológico corado por H-E evidenciando infiltrado predominantemente mononuclear em pulmão bovino.

Exame com o animal vivo:
• Exame clínico:
· Palpação dos linfonodos; auscultação dos pulmões, etc.
• Teste tuberculínico:
É uma resposta de hipersensibilidade tardia mediada por linfócitos T sensibilizados em indivíduos previamente expostos ao bacilo tuberculoso.
Esta resposta consiste num infiltrado de células mononucleares no local da aplicação, com formação de edema mais ou menos pronunciado em no máximo 72 horas.
• Preparações de tuberculinas:
· PPD (purified protein derivate), é um derivado do crescimento de bacilo em meio líquido, ajustando-se o conteúdo de Nitrogênio proteico, conforme os padrões internacionais.
· PPD Bovino, preparado com uma amostra de Mycobacterium bovis AN5.
· PPD Aviário, preparado com uma amostra de Mycobacterium avium D4.
• Resposta esperada:
· Nos bovinos aparece comumente após 30 a 50 dias da infecção;

• Resposta não esperada:
· Anergia: ausência de reatividade cutânea à tuberculina em indivíduos previamente sensibilizados – mecanismo desconhecido, em animais em estado avançado de infecção;
· Dessensibilização: capacidade de responder a novos testes diminuída, por reaplicação indevida da tuberculina, recobrada após um período de 42 a 60 dias;
· Impedimento da resposta:
• Se a infecção for recente;
· Em animais desnutridos;
· Por imunossupressão, no final de gestação e quatro a seis semanas após o parto;
· Por variações inerentes ao próprio teste ou à leitura e interpretação do teste;
· Tratamentos inescrupulosos com certas drogas;

• Sensibilidade e especificidade do teste:
Não há consenso entre os estudiosos, variando de:
• Sensibilidade: 75 a 99 %;
• Especificidade: 75,5 a 99,9 %;
• Variações por:
· Presença de outras micobactérias no ambiente (aviária, etc);
· “skin tuberculosis” (não endêmica no país);
· Dosagem de tuberculina utilizada; diferentes potências do PPD ou tuberculina, etc;
· Intervalo após infecção;
· Tipo de teste, simples (caudal ou cervical) ou comparativo;
· Presença de animais anérgicos;

Teste Cervical Simples, Teste Cervical Comparativo e Teste da Prega Caudal, respectivamente, em bovinos.

• Exame bacteriológico:
• Cultivo:
· Para primo isolamento de M .bovis: método tradicional de descontaminação de Petroff e semeadura em meios a base de ovo, como Stonebrink (contendo piruvato de sódio e não glicerina).
· Crescimento após três a cinco semanas de incubação a 37º C;
· Isolamento de M. bovis pode demorar até mais de 12 semanas (podendo chegar a 90 dias);
· Identificação da cepa isolada por métodos bioquímicos é demorada e utilização de sondas de DNA pode facilitar;

Pulmão bovino apresentando diversas lesões de aspecto caseoso sugestivas de tuberculose.

Prejuízos que a doença causa nos animais

• Perda de peso
• Atraso na primeira lactação;
• Menor número de lactações;
• Menor duração da lactação;
• Perdas econômicas pelo sacrifício de animais reagentes;
• Entraves para o comércio nacional e internacional;
• Possibilidade de contaminação para humanos.

Procedimentos em rebanho positivo

• Esclarecimentos ao criador sobre a doença e suas implicações em saúde pública
• Planejamento do combate da doença no rebanho
• Destino dos animais reagentes, com abate sanitário ou destruição da carcaça na propriedade.
• Isolamento dos animais com diagnóstico inconclusivo
• Desinfecção de instalações, como cochos, bebedouros e salas de ordenha, retirando-se todo o resíduo orgânico e desinfetando preferencialmente com hipoclorito de sódio 10%
• Examinar clinicamente o rebanho e verificar a possibilidade de existência de animais não reagentes, como recém paridos, recém infectados ou em fase adiantada de doença já “anérgicos”.
• Intervalo entre as tuberculinizações, de no mínimo 60 dias entre o teste de triagem o teste confirmatório ou 90 dias durante todo o período de saneamento do rebanho.
• Aconselhar a realização de exames de saúde das pessoas envolvidas.
• Verificar a possibilidade de contágio com outros animais da propriedade.

Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Eliana Roxo é Médica Veterinária e concluiu o doutorado em Patologia Experimental e Comparada pela Universidade de São Paulo em 1996. Atualmente é Pesquisadora Científica nível VI do Instituto Biológico.  Publicou 32 artigos em periódicos especializados e 29 trabalhos em anais de eventos. Possui 3 capítulos de livros e 1 livro publicados. Possui 138 itens de produção técnica. Participou de 8 eventos no exterior e 34 no Brasil. Orientou 1 dissertação de mestrado, além de ter orientado 5 trabalhos de iniciação científica e 2 trabalhos de conclusão de curso nas áreas de Medicina Veterinária e Microbiologia. Entre 1984 e 2005 participou de 8 projetos de pesquisa, sendo que coordenou 4 destes. Atualmente coordena 3 projetos de pesquisa.Atua na área de Medicina Veterinária, com ênfase em Doenças Infecciosas de Animais. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: Diagnóstico, Tuberculose bovina, Brucelose, Controle, Bovinos, Programa Sanitário, Búfalos, Mycobacterium bovis, Tuberculose e Patogenia.
Contato:
roxo@biologico.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

ROXO, E. Tuberculose humana e animal. 2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_1/tuberculose/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 14/02/2008  

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