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COMPETIÇÃO CANA X PECUÁRIA: APESAR DA PRESSÃO, CADEIA DA CARNE DE CORTE RESISTE*

 

 Abel Ciro Minniti Igreja

Sônia Santana Martins

Marina Brasil Rocha

Flávia Maria de Mello Bliska

Eder Pinatti

Geovana Tirado

 

A cadeia sucroalcooleira apresenta uma série de características técnicas e organizacionais que, no que se refere aos impactos da expansão da cana-de-açúcar sobre outros usos do solo, exige uma referência na distribuição espacial das próprias usinas de açúcar e destilarias de álcool. É a partir dessa configuração agroindustrial, e do estudo de seu entorno, que se podem esperar alterações drásticas não só no uso do solo, na composição da produção agropecuária, em favor da cultura da cana, como também transformações importantes na estrutura econômica e até na paisagem.

 

O caso do Estado de São Paulo é notável por uma série de avanços ocorridos na área da cultura da cana, já nas décadas de 70 e 80, com deslocamentos importantes de outras lavouras e de pastagens já nesses períodos, alterando o padrão de cultivo de algumas regiões, porém acentuando, ao mesmo tempo, fortes movimentos de especialização da produção entre regiões, conforme apontaram estudos da literatura econômica dos últimos anos (CAMARGO, 1983).

 

Com o impulso mais recente do setor sucroalcooleiro, um grande número de usinas de açúcar e destilarias de álcool foram instaladas, principalmente no Estado de São Paulo, mas com acentuado aumento também em outras regiões do País**. Com isso, aquela característica apontada por CAMARGO (1983), referente à especialização regional da produção agrícola, perdeu suas características originais, e o que se observa atualmente é uma tendência de o Estado de São Paulo, como um todo, assumir elevada especialização na produção de cana-de-açúcar, mesmo em regiões não tradicionais nessa atividade, dentre as quais as especializadas em cafeicultura, citricultura e pecuárias de corte e leiteira.

 

Segundo estudos abalizados, os índices de quantidades produzidas da cana-de-açúcar e da carne bovina obtidos para os últimos anos não permitem antecipar conclusões quanto à substituição da pecuária pela cultura de cana, mesmo para o Estado de São Paulo, uma vez que essa Unidade da Federação ainda mantém a carne bovina em posição privilegiada, tanto na formação da renda bruta (2ª posição), quanto da parcela exportada (cerca de 70% da carne exportada pelo País).

 

Entretanto, lideranças do setor da carne bovina antevêem que, diante da expansão recente da lavoura de cana, paira sobre a pecuária de corte uma séria ameaça, uma vez que o Estado de São Paulo foi contemplado com um número significativo de projetos novos de usinas e destilarias de álcool a serem implantadas nos próximos anos, que vêm se somar ao já portentoso parque sucroalcooleiro paulista.

 

Um modo de “fotografar” essas tendências, utilizando-se das estatísticas agrícolas e pecuárias, consiste em analisar que percentual do aumento da produção da cana e da pecuária de corte se deve à expansão locacional dessas atividades. Essa parcela do crescimento é denominada Fator Locacional. Quando comparadas à cana-de-açúcar e a pecuária, esse indicador permite verificar a direção do avanço (ou do recuo), e, portanto, da competição entre atividades consideradas, mesmo antes de as estatísticas de produção apresentarem sinais de descenso para a(s) atividade(s) substituída(s), no caso, a pecuária bovina de corte. O outro componente do crescimento da produção é o tecnológico (Fator Tecnológico), e, por meio dele, as culturas e a pecuária hipoteticamente não competem por áreas, uma vez que, em decorrência de seu crescimento, há maior produção por unidade de área explorada ou por unidade do rebanho***.

 

Em termos de Brasil, essa parcela da quantidade produzida que mede o grau de competição entre a cana e a pecuária (Fator Locacional) reduziu-se, no caso da carne bovina, do índice 100, em 1997, para 97,29, em 2005, enquanto que para a cultura da cana-de-açúcar, ocorreu situação inversa, a evolução do índice subiu de 100 para 103,14, no mesmo período. Mesmo com a elevada concentração da área da lavoura de cana no entorno das indústrias, esses são indicadores de que, em período recente, acentuou-se a competição entre a lavoura canavieira e a pecuária, para o Brasil como um todo. É razoável se supor que a cana tenha ocupado áreas mais favoráveis, enquanto a pecuária tenha se deslocado para áreas menos propícias, de abertura de fronteira. O Fator Tecnológico, por sua vez, evoluiu de forma mais favorável para a pecuária de corte, de 100 para 129,70, entre 1997 e 2005, e de 100 para 105,85, no mesmo período, para a cana (IGREJA et alii, 2007). Esses números refletem, a grosso modo, o progresso tecnológico mais recente da pecuária de corte, em relação à lavoura de cana-de-açúcar, lavoura que já contava com um acervo de pesquisas maior,  acumulado ao longo de várias décadas de pesquisa agronômica e industrial.

 

A mesma análise pode ser aplicada para os estados e regiões. Por meio desse procedimento, constata-se maior grau de da competição entre a lavoura de cana e a pecuária na Região Sudeste, notadamente no Estado de São Paulo. Mas outras regiões brasileiras não escapam incólumes, como a Centro-Oeste (Estados de Goiás e Mato Grosso do Sul) e Sul (Estado do Paraná). Mesmo assim, a pecuária de corte paulista mantém sua posição de destaque tanto na formação da renda bruta da agropecuária paulista, quanto na participação estadual nas exportações, graças ao Fator Tecnológico, que captou ganhos de produtividade acentuados.

 

A Região Norte, e o Estado de Mato Grosso (Centro-Oeste) apresentam condições favoráveis para a expansão conjunta da cana-de-açúcar e pecuária de corte, coerente com as possibilidades de expansão da fronteira agrícola ainda prevalecente, respectivamente, nessa região geográfica e Estado.

 

A Região Nordeste, por sua vez, dá sinais não somente de ausência da competição entre a lavoura de cana e a pecuária, mas torna-se uma região de expansão de uma pecuária de corte mais articulada com a indústria, com índices crescentes de produção inspecionada no conjunto da produção total de carne bovina.

 

 

Conclusões

 

Teria sido possível realizar análises similares às levadas a efeito no presente trabalho levando-se em conta outras possibilidades reais de substituição, como a laranja, no caso do Estado de São Paulo, e os grãos, no Estado da Região Centro-Oeste e do Estado do Paraná. Entretanto, as maiores oportunidades de expansão da lavoura da cana-de-açúcar são encontradas na própria disponibilidade de áreas de pastagens, muitas delas degradadas. Sendo esse o “caminho de menor resistência” para a ampliação da área de cana, justificou-se plenamente a análise levada a efeito, tendo os resultados de IGREJA et alii (2007) se mostrado consistentes com essa hipótese.

 

Também coerente com o que era esperado por aqueles autores, a pecuária de corte, por sua vez, ao ceder espaço para a cana-de-açúcar, mostrou capacidade de reagir por meio da intensificação tecnológica, a qual foi bastante satisfatória nos últimos anos, permitindo ampliar a produção e compensar a retração nas áreas com pastagens, o que indica aumento da eficiência produtiva. Essa capacidade de reação, compensando perda de impulso do Fator Locacional, foi notável até mesmo nos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul, de ocupação agropecuária mais recentes, e, por essa razão, ainda reconhecidos como áreas de pecuária mais extensiva. No estado de Mato Grosso, onde também a pecuária de corte é implantada em moldes extensivos, os dois efeitos (Locacional e Tecnológico) contribuíram para impulsionar a produção. Já a expansão da cana-de-açúcar, que tem sua produção expandida via Fator Locacional, parece encontrar obstáculos, talvez de adaptação edafo-climática, dadas as oscilações detectadas para o Fator Tecnológico no período analisado no presente trabalho.

 

Mesmo com a pressão decorrente da expansão da cana, a pecuária de corte paulista mantém sua posição de destaque tanto na formação da renda bruta da agropecuária paulista, quanto na participação estadual nas exportações, graças ao Fator Tecnológico, que captou ganhos de produtividade acentuados. Uma vez que as áreas de pastagens vêm sendo cedidas para a lavoura da cana-de-açúcar, o progresso tecnológico mais intensivo deve estar ocorrendo em aspectos referentes à nutrição animal e de plantas (adubação de pastos). Assim, à medida que muitos produtores/criadores saem da atividade, permitindo a implantação de canaviais em seus pastos, outros intensificam a atividade pecuária, aumentando a capacidade de suporte de suas pastagens e os índices zootécnicos. Além disso, por contar com um número significativo de frigoríficos exportadores, bem como por ser um centro difusor de genética e de bens de capital, o Estado de São Paulo, pelo porte de seu mercado, e pelo dinamismo de suas instituições e empresas, adquire novas dimensões estratégicas na cadeia da carne bovina.

 

Essas conclusões são importantes elementos para formular políticas públicas para os novos eixos de produção canavieira, bem como de investimentos em intensificação tecnológica para a cadeia da carne bovina, viabilizados com a rentabilidade crescente do setor. Além disso, tanto a expansão da cana-de-açúcar quanto da pecuária são focos de acirradas discussões em torno de questões ambientais e sócio-econômicas, o que exige muita atenção para os formuladores de políticas públicas.

 

 

LITERATURA CONSULTADA

 

ANUÁRIO DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ANUALPEC.  São Paulo: FNP CONSULTORIA & COMÉRCIO, 2005. 340 p.

 

CAMARGO, A.M.M.P. Substituição regional entre as principais atividades agrícolas no Estado de São Paulo. 1983, 236p.  Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz– Departamento de Economia e Sociologia Rural. Piracicaba

 

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Levantamento Trimestral do Abate (1997-2005). Disponível em: www.ibge.gov.br/sidra . Acesso em :2007.

 

_____. Produção Pecuária Municipal (1997-2005) Disponível em: www.ibge.gov.br/sidra. Acesso em: 2007.

 

_____. Produção Agrícola Municipal (1997-2005) Disponível em: www.ibge.gov.br/sidra. Acesso em: 2007

 

 

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO (MAPA). http://www.agricultura.gov.br.

 

__________. Plano Nacional de Agroenergia - 2006-2011. Disponível em:  www.agricultura.gov.br. Acesso em: 2007 

 

PATRICK, G. F. Fontes de crescimento da agricultura brasileira: o setor de culturas.  In: CONTADOR, C.R. Tecnologia e desenvolvimento agrícola.  Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1975. p. 89-110  (Série Monográfica, 17).

 

 

UNIÃO DA INDÚSTRIA DE CANA-DE-AÇÚCAR (ÚNICA). Relatório interno. São Paulo. Não publicado.

 

 

* Artigo resultante de projeto realizado com recursos da FAPESP, e extraído do trabalho “Fatores Locacional e Tecnológico na competição cana versus pecuária para as regiões geográficas brasileiras”, apresentado no V Encontro de Economia Regional e Urbana, realizado em Recife, Estado de Pernambuco, de 24 a 26 de out. 2007.  

** Segundo o Plano Nacional de Agroenergia, o Brasil possuía 320 usinas de açúcar e álcool e destilarias em 2005. Pelo cadastro da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (ÚNICA), em 2006, existiam 343 usinas de álcool e açúcar e destilarias instaladas no Brasil, sendo 264 unidades localizadas na Região Centro-Sul, das quais 138 no Estado de São Paulo, e 79 unidades na Região Nordeste. Naquele ano, a perspectiva era de que 100 novas unidades seriam implantadas até 2010 no Brasil, 39 delas no Estado de São Paulo.  Já o cadastro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Departamento da Cana-de-açúcar e Agroenergia, compilado em 14-03-2007, computava 454 unidades produtoras cadastradas até aquela data, ainda que nem todas elas estejam em operação. Observa-se, portanto, que há forte tendência de entrada de novas usinas em operação até o final da atual década. 

*** Ver: IGREJA, A., C.M.; MARTINS, S.S.; BLISKA, F.M.M.; TIRADO, G e ROCHA, M.B.  Fatores Locacional e Tecnológico na competição cana versus pecuária para as regiões geográficas brasileiras.  In: 5o Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, 24 a 26 out. 2007, Recife, PE.  Anais do 5o Encontro da ABER ..., p.57, 2007 (CD-ROM).

 

Origem: Instituto de Zootecnia - www.iz.sp.gov.br


Abel Ciro Minniti Igreja, Instituto de Zootecnia (IZ-APTA), abelciro@iz.sp.gov.br

Sônia Santana Martins, Instituto de Economia Agrícola (IEA-APTA), soniasm@iea.sp.gov.br

Marina Brasil Rocha, Instituto de Economia Agrícola (IEA-APTA), mabrasil@iea.sp.gov.br

Flávia Maria de Mello Bliska, Instituto Agronômico (IAC-APTA),  bliska@iac.sp.gov.br

Eder Pinatti, Instituto de Economia Agrícola (IEA-APTA), pinatti@iea.sp.gov.br

Geovana Tirado, Instituto de Zootecnia (IZ-APTA), gtirado@iz.sp.gov.br

 

Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA)

Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA)

 



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

IGREJA, A.C.M.: MARTINS, S.S.; ROCHA, M.B.; BLISKA, F.M.M; PINATTI, E.; TIRADO, G. Competição cana x pecuária: apesar da pressão, cadeia da carne de corte resiste. 2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_2/CanaPecuaria/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 17/04/2008

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