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Aspectos clínicos, prevenção e controle da IBR

Edviges Maristela Pituco

A IBR/IPV é uma enfermidade infecciosa de origem viral, causada pelo herpesvírus bovino tipo 1 (BoHV-1), e caracteriza-se pela manifestação de rinotraqueíte, vulvovaginite pustular, balanopostite, conjuntivite, abortamento e infecção generalizada em neonatos.

O BoHV-1 pertence à família Herpesviridae e sua estrutura é muito simples, possuindo uma camada externa chamada envelope viral e o núcleo, onde se situa uma dupla hélice com as bases do DNA. Esse vírus traz consigo uma característica constante em todos dessa família: o animal que se infecta passa a ter o vírus pelo resto da vida. Fica portador de uma infecção crônica em estado de latência, sendo esse mecanismo a estratégia de sobrevivência do vírus em períodos interepidêmicos, mantendo a doença endêmica no rebanho ou região.

Todo animal portador latente é potencial fonte de infecção, pois, quando este tem uma baixa de resistência, o vírus começa a multiplicar-se e será eliminado pelas secreções, favorecendo a disseminação da doença. Reativações virais ocorrem, sem necessariamente o agravamento da doença. Fatores estressores, como mudanças na dieta, desnutrição, transporte, parto, desmame, superlotação, tratamento prolongado com corticosteróide, condições atmosféricas adversas e infecções intercorrentes predispõem a primoinfecção pelo BoHV-1 e a reativação viral.

 A transmissão do vírus pode ocorrer por diferentes formas: via respiratória (tosse, espirro, saliva, secreções brônquicas, oculares e da faringe, todas elas servem de veículo para eliminar o vírus e por contato direto permitem a transmissão entre os animais), via genital (principalmente durante a cópula) e vertical (da vaca prenhe para seu concepto intraútero, em qualquer estádio da gestação).

A doença está distribuída no mundo e tem sido considerada como espécie-específica, isto é, acomete principalmente os bovinos, embora outros ruminantes, como o búfalo d’água, também sejam susceptíveis. No Brasil, a doença foi descrita pela primeira vez em 1962, na Bahia.

Inquéritos sorológicos realizados no Brasil têm demonstrado altos percentuais de infecção de fêmeas bovinas para o herpesvírus bovino 1 (BoHV-1). Estima-se que 40% a 60% dos bovinos entraram em contato com o vírus e possuem anticorpos para o BoHV-1, embora a maioria não tenha apresentado sinal clínico evidente. A prevalência é maior em animais sexualmente ativos, sendo que a frequência de rebanhos contaminados e de animais portadores varia consideravelmente.

Após a penetração do BoHV-1 pelas mucosas dos tratos respiratório superior, genital e epitélio conjuntival, principais vias de contaminação, ocorre a sua replicação nesses locais, quando grande quantidade do agente é eliminada nas secreções. O vírus percorre então as vias sanguíneas, caminha pelas terminações nervosas, célula a célula, e atinge os órgãos alvo. O herpesvírus tem afinidade pelas terminações nervosas (tropismo), onde permanece silencioso. A disseminação do vírus pela corrente sanguínea (monócitos e macrófagos) é importante, embora o período de viremia seja curto. Dessa forma, o vírus atinge o trato reprodutivo da fêmea (ovários, útero, placenta e o feto), ocasionando falhas na reprodução.

Os mecanismos de defesa, como anticorpos, desempenham um importante papel, promovendo a destruição de células infectadas e neutralização de partículas virais. A imunidade mediada por células é a mais importante na IBR/IPV, tendo em vista a multiplicação intracelular do agente, inacessível aos anticorpos. O combate ao agente depende da eficiência dos mecanismos de defesa do animal, adoecendo aqueles que têm esses mecanismos comprometidos. Anticorpos contra o BoHV-1 são produzidos a partir do oitavo dia após a infecção e persistem por toda vida do animal.

Clínica

Na fase aguda da infecção, o BoHV-1 pode provocar algumas manifestações clínicas. Os sinais aparecem após um período de incubação de dois a quatro dias. O vírus está altamente adaptado aos bovinos, por isso a maioria das infecções é inaparente ou moderada. Contudo, em animais jovens ou imunodeprimidos a infecção pode ser fatal.

O nome da doença indica o sinal clínico mais característico, que é a rinotraqueíte. Os animais podem apresentar sialorreia (produção excessiva de saliva), hipertermia, inapetência, apatia, redução na produção de leite, exsudatos nasal e ocular inicialmente seroso, podendo tornar-se mucopurulento em poucos dias. Sinais menos comuns incluem severa hiperemia (congestão sanguínea), com áreas de necrose focal na mucosa nasal, que pode transformar-se em pústulas e úlceras. O curso da doença em casos não graves pode durar de cinco a dez dias. Contudo, se ocorrer complicação secundária bacteriana, a interação entre o vírus e a bactéria pode resultar em severa pneumonia. Frequentemente estão presentes conjuntivites uni ou bilateral, secreção lacrimal, fotofobia e opacidade da córnea.

A complicação mais comum, no entanto, provocada pelo BoHV-1 nos animais imunossuprimidos é o abortamento. Se a vaca prenhe tiver BoHV-1, pode transmitir o vírus para o feto, doença extremamente grave e letal para este, o que pode provocar abortamento espontâneo. A viremia em vacas prenhes normalmente decorre de infecções respiratórias e pode atingir o feto e causar abortamento em qualquer estádio de gestação. O abortamento pode coincidir com os sinais respiratórios ou até 100 dias após, ou mesmo ocorrer sem outra manifestação clínica no animal. O feto geralmente está autolisado (autodigerido), aumentando o risco de instalação de infecções secundárias. Placenta e feto não apresentam alterações macroscópicas típicas.

Alguns pesquisadores relatam que o BoHV-1 pode influenciar negativamente na fertilidade, podendo ocorrer falhas de concepção, morte embrionária precoce e, consequentemente, retorno ao estro tardio. Infecção de fetos na fase final da gestação ou de bezerros logo após o nascimento pode desencadear doença generalizada fatal, com sinais clínicos de febre, secreção óculo-nasal, dificuldade respiratória, diarréia, falta de coordenação e convulsões.

Fêmeas sexualmente ativas podem apresentar vulvovaginite, pois o trauma físico da cópula pode desencadear a doença, apresentando sinais como corrimento vaginal (exsudato mucopurulento), crostas na face interna da cauda, na região perineal, micção frequente e manutenção da cauda permanentemente elevada devido à dor. A mucosa vaginal se torna hiperêmica e edemaciada e surgem pequenas pápulas avermelhadas, evoluindo para pústulas e lesões necróticas de aspecto focal. Os animais geralmente se recuperam naturalmente dentro de duas semanas. Contudo, infecções bacterianas secundárias podem resultar em metrite (inflamação uterina), infertilidade temporária e secreção vaginal purulenta, que persistem por várias semanas. Os touros infectados apresentam, no pênis e mucosa prepucial, lesões similares às descritas para fêmeas. A reativação ocorre geralmente sem sinais clínicos da doença e pode haver eliminação de partículas virais infecciosas no sêmen, com risco de infectarem fêmeas, e essas desenvolverem endometrite e vulvovaginite, após inseminação artificial. O BoHV-1 não interfere na qualidade do ejaculado, uma vez que não age sobre os espermatozóides.

Esporadicamente, o BoHV-1 pode comprometer o sistema nervoso central, causando quadro grave de meningoencefalite.

Em rebanhos imunologicamente desprotegidos, 100% dos animais podem infectar-se. No entanto, a ocorrência de abortamento e a letalidade são baixas, cerca de 1%, em raras ocasiões atingindo 10%.

Diagnóstico

O diagnóstico clínico provável pode ser realizado pelos sinais clínicos, patológicos e epidemiológicos, mas na maioria das infecções do aparelho respiratório e reprodutivo o diagnóstico etiológico conclusivo somente pode ser realizado por meio de técnicas laboratoriais que possibilitem a identificação do vírus ou de seus componentes, como proteínas e ácido nucléico. Estas podem ser realizadas por meio de isolamento do agente ou PCR (que amplifica sequências específicas do ácido nucléico), a partir de amostras de mucos nasais, vaginais, prepuciais e secreção conjuntival, sêmen, lavado uterino e de órgãos colhidos na necropsia (pulmão, fígado, baço, cérebro, linfonodo, placenta). Devido à instabilidade do vírus, os suabes (chumaço de algodão fixado à extremidade de uma haste utilizado para colher material para exames) das secreções devem ser enviados aos laboratórios imersos em meio de transporte próprio, fornecido pelos laboratórios de diagnóstico, e mantidos sob refrigeração.

A detecção do vírus pode ser realizada por isolamento viral em cultura de células, onde se observa o efeito citopático que a agressão do vírus, presente nas amostras suspeitas, produziu nas células. Como ele destrói as células, elas se juntam, formando um arcabouço com vários núcleos, daí serem chamadas de células multinucleadas.

Para pesquisar anticorpos específicos contra o BoHV-1, utiliza-se soro sanguíneo, que será submetido às técnicas de vírus-neutralização ou ensaio imunoenzimático (ELISA). A pesquisa de anticorpos tem sido utilizada para demonstrar ausência de infecção, determinar a prevalência em estudos soroepidemiológicos, avaliar a resposta humoral após vacinação e, como desafio, estabelecer programas de erradicação e vigilância. Porém, apenas em raras situações, a sorologia pode ser utilizada como ferramenta de diagnóstico definitivo, avaliando amostras pareadas colhidas na fase aguda da doença e na convalescença (intervalo entre colheitas de duas a três semanas).

Diagnóstico diferencial

Várias enfermidades podem acometer o sistema respiratório e reprodutivo de bovinos e podem ser confundidas com a IBR/IPV: brucelose, leptospirose, campilobacteriose, clamidofilose, micoplasmose, ureaplasmose, diarréia viral bovina, neosporose, pasteurelose, vírus sincicial respiratório, parainfluenza 3 e língua azul. Considerando que as falhas na reprodução são multifatoriais e multietiológicas, o monitoramento de todos os fatores que interferem principalmente no sucesso da reprodução deve ser constante.

Tratamento

Não há tratamento específico, sendo apenas sintomático e de sustentação. Antibióticos de largo espectro e anti-inflamatórios não esteróides podem ser utilizados para minimizar a severidade da inflamação, principalmente em touros, nos quais pode resultar em temporária diminuição da fertilidade e aderência do pênis ao prepúcio. É indispensável prevenir uma infecção secundária por bactéria, o que pode piorar muito o quadro. Nada mais do que isso, e espera-se que a doença siga seu curso natural, de resolução espontânea. A maioria dos animais recupera-se facilmente. Indica-se isolamento dos animais doentes e recomenda-se repouso dos touros para minimizar efeitos adversos.

Profilaxia e controle

As manifestações clínicas da infecção pelo BoHV 1 podem ser controladas e prevenidas por meio de procedimentos adequados de manejo e programas de vacinação.

Animais que tem a infecção pelo BoHV 1 devidamente controladas e prevenidas por meio de procedimentos adequados de manejo e programas de vacinação.

O BoHV-1 é rapidamente inativado utilizando desinfetantes que possuem derivados fenólicos 1%, hipoclorito de sódio 2%, hidróxido de sódio 0,5%, amônia quaternária 1%, compostos iodados 10% e solução de formalina 5%. São instáveis no meio ambiente, inativados em até 10 dias a 37º C, instáveis em pH ácido e estáveis a 4º C por meses.

Devem ser adotadas medidas de mitigação de risco, tais como: isolamento dos animais de duas a três semanas antes de introduzi-los no rebanho, isolamento dos bovinos doentes (encontrar uma maneira de evitar o contágio), utilização de sêmen e embriões livres do vírus.

Vacinas atenuadas e inativadas previnem o desenvolvimento de sinais clínicos e reduzem a liberação do vírus, mas não previnem a infecção. No Brasil, estão autorizadas e são comercializadas as vacinas com vírus inativado ou termossensível (atenuada), bi (IBR/IPV e BVDV) e polivalentes (IBR/IPV, BVDV, PI3 e Leptospiras).

Alguns países dispõem de vacinas marcadas, as quais são eficientes para a erradicação da doença. Podem ser atenuadas ou inativadas e são baseadas na deleção de uma ou mais glicoproteínas do envelope viral. O uso de tais imunógenos, associado com teste diagnóstico específico para a glicoproteína deletada, possibilita a distinção entre bovino infectado e vacinado. Essas vacinas são utilizadas em alguns países europeus que possuem programas oficiais de controle e erradicação.

A estratégia de controle deve ser definida com base na situação epidemiológica do rebanho ou do país. Programas de combate ao BoHV-1 requerem uma análise de custo-benefício que deve considerar a prevalência, manifestação clínica da doença, o grau de melhoramento genético dos animais, despesas com exames laboratoriais (sorodiagnóstico e identificação viral), vacinação e descarte de animais infectados. Diagnóstico da situação sobre a doença servirá de base para a adoção de medidas adequadas de controle. A determinação das taxas de infecção de animais e, principalmente, de categorias de animais susceptíveis possibilita a adoção estratégica de condutas de controle e profilaxia com o objetivo de aumentar a eficiência reprodutiva.

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Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Edviges Maristela Pituco possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Paraná (1982), mestrado em Patologia Experimental Comparada, área de concentração Patologia Bovina pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (1988) e doutorado em Medicina Veterinária pela Escola Superior de Medicina Veterinária de Hannover, Alemanha (1995). Atualmente é pesquisador científico do Instituto Biológico no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal. Atua na área de doenças infecciosas dos animais domésticos e medicina veterinária preventiva: viroses de bovídeos, diagnóstico diferencial de doenças vesiculares e da reprodução, desenvolvimento e aprimoramento de técnicas diagnósticas moleculares e sorológicas, epidemiologia e monitoramento sanitário dos animais de produção.
CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1614205341679937

Contato: pituco@biologico.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

ISANO, H.  Levedura da fermentação da cana de açúcar para alimentação animal. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_2/IBR/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 13/04/2009

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