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Sustentabilidade de propriedades leiteiras através da redução das emissões de gases de efeito estufa

 

João José Assumpção de Abreu Demarchi  

 

INTRODUÇÃO

 

Uma expectativa otimista para os próximos anos deixa claro que o Brasil não só deve continuar a ser um dos maiores produtores de leite do mundo como se tornar um dos maiores exportadores de leite e derivados lácteos, especialmente para países em crescimento da África e ou China; ou para países desenvolvidos onde a produção por diferentes razões não seja viável ou se mantenha nos atuais níveis de produção.

Isso implicará numa maior competitividade mundial e num maior número de exigências em relação à qualidade e preço destes produtos. Qualidade significa estar de acordo com normas sanitárias e de resíduos, atender aos níveis nutricionais adequados e ou suplementares, como proteína e gordura, além de aspectos funcionais e organolépticos (sabor), como níveis mais elevados de ácidos graxos ligados a prevenção de problemas cardíacos (CLA), por exemplo. Somadas as questões sociais (ausência de trabalho infantil, registro em carteira, etc.) e ambientais (não contaminação de solos, menor geração de gases de efeito estufa, etc.), enfrentaremos inúmeras restrições, já que os consumidores exigirão sempre algo mais em relação aos produtos adquiridos, sejam fundamentados em questões técnicas ou não, como preços e barreiras não tarifárias.

Necessita-se dessa forma conhecer qualitativamente e quantitativamente a produção desses gases, bem como encontrar e desenvolver procedimentos e tecnologias para reduzir perdas na forma de gases de efeito estufa (GEE). Os sistemas de produção mais eficientes, em princípio, parecem constituir menor produção de gases de efeito estufa por unidade produzida (carne, leite, arroz, etc.), exatamente por serem mais eficientes no aproveitamento dos insumos administrados. No Estado de São Paulo, a intensificação da agricultura é essencial em vista do alto custo das terras e da maior competitividade entre as diversas cadeias.

Para enfrentarmos esse cenário que se vislumbra o produtor de leite precisa estar atento aos possíveis ajustes no seu sistema de produção. Com relação à SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL salientaremos alguns pontos importantes a seguir, foco primário deste texto. Adiantamos que nenhum fator deve ser tratado de forma isolada, pois estão todos interligados e a melhora em um pode significar redução de outro.

 

BALANCEAMENTO DE RAÇÕES

Um dos pontos iniciais que precisa ter a devida atenção do produtor leiteiro é com relação ao correto balanceamento das rações (dietas). O metano é um dos gases de efeito estufa (GEE) gerados naturalmente no rúmen; e representa uma perda considerável de energia para o animal. Qualquer ação que signifique melhoria no processo fermentativo reduz a produção desse gás por quilo de alimento ingerido. Alimentos volumosos podem ser mais baratos que os concentrados, mas por terem grande parte da sua energia contida na fibra (parede celular), são menos eficientes na geração de energia, acarretando maior produção de gases por quilo de matéria seca ingerida. Em contrapartida, pastagens podem seqüestrar carbono. Aditivos, tais como leveduras e ionóforos têm gerado uma maior eficiência fermentativa, o que pode acarretar redução da produção de metano.

A adição de gordura pode reduzir a produção de metano por restrição ao desempenho das bactérias celulolíticas, substituindo a fonte de energia disponível. O aumento do uso de concentrados na dieta pode diminuir a produção de gases por quilo de alimento ingerido, mas com certeza incrementará o consumo e a produção de metano por animal por dia; entretanto, o crescimento e a produção de leite por animal podem ser otimizados, acarretando uma menor produção de gases por quilo de leite produzido, que é o que realmente importa. Com o mesmo raciocínio, qualquer melhoria na qualidade do alimento volumoso (silagem, feno ou pastagem) representará uma melhoria do processo fermentativo pelo melhor aproveitamento da energia destes alimentos. Essa melhoria pode advir de maior porcentagem de grãos e ou maior qualidade da porção fibra (estádios de maturação e colheita corretos). Da mesma forma, variedades de cana-de-açúcar com melhor relação fibra e açúcares solúveis tem se mostrado mais eficientes para redução da geração de GEE por quilo de alimento ingerido.

Como se constata, o balanceamento de rações se inicia com a produção e ou aquisição de alimentos de melhor qualidade e o resultado final desejado é uma menor produção de GEE por quilo de leite produzido, além da diminuição da perda de nutrientes nas fezes.

 

MANEJO DE DEJETOS

O metano também é produzido durante a decomposição anaeróbia de material orgânico presente no esterco animal.  Três grupos de animais somam mais de 80% das emissões globais totais a partir desta fonte: os suínos contam com cerca de 40%, gado de corte com 20% e gado leiteiro com 20%. Embora as estimativas atuais indiquem que países desenvolvidos contribuem com a maior porcentagem das emissões globais de metano por essa fonte, as emissões de países em desenvolvimento são substanciais (China, por exemplo), e com tendência a aumentar com a maior industrialização e crescimento populacional.

Sistemas de manejo de dejetos dos animais que promovem condições anaeróbias, tais como: sistemas de estocagem líquida/lodo, sistemas de fossas, e lagoas anaeróbias produzem mais metano.  Embora uma proporção relativamente pequena de esterco seja manejada desta forma no mundo, esses tipos de sistemas são responsáveis por 60% das emissões globais de metano por dejetos animais da pecuária.  Ao contrário, as técnicas de manejo que envolve contato do esterco com o ar (exemplo: dispersão de dejetos diretamente em culturas ou pastoreio) têm limitado o potencial de produção de metano.

A composição do dejeto é determinada pela dieta animal, de modo que quanto maior o conteúdo de energia e a digestibilidade do alimento, maior a capacidade de produção de metano.  Um gado alimentado com uma dieta de alta qualidade produz um dejeto altamente biodegradável, com maior potencial de gerar metano e óxido nitroso, ao passo que um gado alimentado com uma dieta mais fibrosa produzirá um dejeto menos biodegradável, contendo material orgânico mais complexo, tal como celulose, hemicelulose e lignina. Esta segunda situação estaria mais associada ao gado criado a pasto em condições tropicais. As maiores emissões de metano proveniente de dejetos animais estão associadas a animais criados sob manejo intensivo. Esse gás produzido, uma vez armazenado, pode ser utilizado para gerar energia para o próprio sistema de produção de leite, não gerando impacto ambiental. O uso de energia eólica e solar deve ser considerado pelo produtor como mecanismos de desenvolvimento limpo e até de redução de custos.  

 

MANEJO DE SOLOS

O gerenciamento ambiental no setor agrícola ainda é bastante incipiente, especialmente em relação ao uso da água e conservação do solo, comprometendo a própria sustentabilidade dos agrossistemas. As mudanças climáticas, resultando em maiores temperaturas, afetam o ciclo global da água e consequentemente os ciclos fisiológicos dos animais e das culturas florestais e agrícolas. Há uma tendência de ocorrer intensificação dos processos de evapotranspiração para atender a demanda atmosférica, bem como tendem a ocorrer precipitações mais intensas, resultando em maior escoamento superficial e perdas de água residente intensificando a degradação do solo e o ciclo de enchentes e secas regionais. As emissões dos principais gases de efeito estufa (CO2, CH4, N2O) em território nacional também são originadas de forma significativa nas áreas rurais do Brasil, em processos de queimadas, preparo de solo com revolvimento e oxidação da matéria orgânica, eructação por ruminantes, áreas agrícolas inundadas (arroz), uso intensivo de fontes nitrogenadas em solos pouco ventilados, incorporação de material orgânico em áreas irrigadas e outras. Face ao exposto torna-se prática essencial e estratégica conhecer e monitorar a produção desses gases em sistemas de produção agropecuários intensivos, não somente para tornar os processos produtivos mais eficientes e menos agressivos ao meio ambiente, como minimizar sua contribuição para as mudanças climáticas.

Algumas ações dos produtores podem ser importantes neste aspecto, como o uso correto do solo visando o controle de erosão, como o terraceamento e a sistematização das propriedades. Coleta de água de chuva para reaproveitamento para limpeza de currais e melhor funcionamento de biodigestores, uso de técnicas como o plantio direto, leguminosas e ou integração agricultura & pecuária, além da silvicultura como forma de integração com a agricultura e a pecuária, podem gerar melhorias das condições de bem estar animal e maior geração de renda. Logicamente que mananciais e áreas de preservação permanente (APP) devem estar de acordo com a legislação vigente, além da própria averbação da reserva legal.

 

OPORTUNIDADES NA PECUÁRIA PARA O MERCADO DE CARBONO

Projetos agropecuários incluem a fermentação entérica de ruminantes, cultivo de arroz inundado, manejo de dejetos animais visando à redução do metano, principalmente, e redução de emissões de óxido nitroso pelos solos agrícolas. Até o momento, registram-se apenas metodologias de linha de base e de monitoramento para projetos de captura de metano via uso de biodigestores em fazendas de produção animal, principalmente em países como a Índia, México, Brasil e China.  Não se registra metodologias baseadas no potencial de redução de metano pela fermentação entérica, apesar de algumas equipes estarem analisando essa possibilidade em alguns países, como a Índia, por exemplo.

 

CONCLUSÕES FINAIS

Além dos aspectos relacionados aos efeitos da dieta sobre a produção de metano, buscando conceituar a eficiência de aproveitamento da energia, outros pontos devem ser considerados. Nesse momento, a forma de expressar os resultados é um fato que merece atenção, porque considerar a produção de metano em termos quantitativos, de forma isolada, pode ser uma medida de interpretação inconsistente, pois desconsidera fatores que podem ser importantes para traçar estratégias de redução da produção desse gás pela bovinocultura. Programas de controle de emissão de gases de efeito estufa dos Estados Unidos e também da Austrália destacam que a produção de metano deve ser relacionada com a produção animal ou com a produção por área, no sentido de avaliar o sistema de produção como uma unidade completa e não o animal isoladamente. As propostas de produção de bovinos de forma sustentável e, mais recentemente, a utilização do termo produção bioeconômica estão bem relacionados com a questão da emissão de gases pela pecuária.

Sistemas de produção futuramente certificados indicarão ser possível rastrear a origem dos produtos e garantir mercados internacionais, quebra de barreiras e redução da emissão de gases de efeito estufa.

 

PRODUÇÃO DE METANO EM BOVINOS DE LEITE - METODOLOGIA

A técnica, desenvolvida pela Universidade de Washington, e adaptada no Brasil por Primavesi et al. (2004a) consiste em pequena cápsula de permeação contendo o gás hexafluoreto de enxofre (SF6), com taxa de liberação conhecida, que é inserida no rúmen do animal. A seguir, um cabresto equipado com tubo capilar é ajustado na cabeça do animal e conectado a uma canga amostradora submetida previamente ao vácuo (Figura 1), que depois de determinado período é levado para laboratório para aferição dos gases através de cromatografia gasosa. 

Figura 1 – Animais em período de coleta de metano através da técnica do SF6.

 

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

 

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Origem: Instituto de Zootecnia - www.iz.sp.gov.br


João José Assumpção de Abreu Demarchi concluiu o doutorado em Ciências Biológicas (microbiologia aplicada) [Rio Claro] pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho em 2001. Atualmente é Pesquisador Cientifico nível VI do Instituto de Zootecnia da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios - APTA (Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo), além de professor colaborador do programa de pós-graduação em Nutrição e Produção Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo desde 2002 (Disciplina de Forragens Conservadas). Recebeu 9 prêmios e/ou homenagens. Atua na área de zootecnia, com ênfase em avaliação, produção e conservação de forragens. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção cientifica, tecnológica e artístico-cultural são: conservação de forragens, silagem, ensilagem, cana-de-açúcar, nutrição animal, bovinos, fermentação, bovinos de corte, exigências nutricionais e alimentação animal.
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1301481279476988
Contato:
demarchi@iz.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

DEMARCHI, J.J.A.A. Sustentabilidade de propriedades leiteiras através da redução das emissões de gases de efeito estufa. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_2/sustentabilidade/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 15/05/2009

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