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METODOLOGIA PARA ESTUDOS BIOLÓGICOS EM UREDINALES

Christiane Ceriani Aparecido
Martha Maria Passador

            A Ordem Uredinales agrupa os agentes causais do grupo de doenças conhecido por ferrugens, que promovem perdas por infectarem plantas de interesse econômico. São fungos pertencentes ao grupo dos basidiomicetos ditos, atualmente, parasitos ecologicamente obrigados uma vez que algumas poucas espécies puderam ser mantidas em laboratório graças ao desenvolvimento de culturas axênicas3,7,16,17. Os fungos representantes da Ordem Uredinales apresentam alta especificidade em relação a seus hospedeiros, sendo capazes de infectar um grande número de plantas vasculares, cultivadas ou silvestres. Determinadas famílias botânicas, como Polypodiacea, Malpighiacea, Euphorbiaceae, Leguminosae, Pinaceae, Gramineae e Asteraceae são, particularmente ricas em hospedeiros para numerosos gêneros e espécies de ferrugens4,5,6. Várias espécies consideradas como de distribuição mundial infectam plantas cultivadas, causando prejuízos significativos à agricultura. A literatura cita mais de 150 espécies de ferrugens como importantes ou, potencialmente importantes para a agricultura na América do Sul. Como exemplo, podem ser citadas as ferrugens: do café (Hemileia vastarix), feijão (Uromyces appendiculatus), cana-de-açúcar (Puccinia melanocephala), pimenta e pimentão (Puccinia pampeana), trigo (Puccinia graminis tritici), plantas florestais e fruteiras mirtáceas (Puccinia psidii), etc.
 

            Apesar da importância destes fitopatógenos, certas particularidades de sua biologia são desconhecidas ou pouco conhecidas e como resultado destas dificuldades, dados básicos sobre estes microrganismos são escassos na literatura nacional e internacional, dificultando o manejo das doenças por eles provocadas, principalmente em se tratando de ferrugens tropicais. Uma importante particularidade das ferrugens é o pleomorfismo que torna seus ciclos vitais, muitas vezes, complicados e confusos, isto porque uma mesma espécie pode apresentar até cinco tipos de esporos diferentes ou, mais raramente, até seis como é o caso de Puccinia vexans. Cada esporo é produzido por uma estrutura diferente, sendo que a manifestação de cada uma ocorre em diferentes épocas do ano. Outra particularidade das ferrugens é que algumas espécies, chamadas heteroécias, necessitam de dois hospedeiros não relacionados entre si para que seus ciclos vitais sejam completados, enquanto que outras espécies, as autoécias, são capazes de completar seu ciclo vital em um único hospedeiro.
 

            Estudos realizados no Brasil permitiram estimar a existência de, pelo menos, 3000 espécies de ferrugens no País13 e deste total, cerca de apenas 800 são conhecidas.
 

            Com o objetivo de estudar dados básicos sobre a biologia destes microrganismos, como temperaturas mais propícias à germinação de teliosporos e capacidade de produção de basidiosporos, uma estruturas infectivas produzidos pelas Uredinales, em 1984 foi desenvolvido um aparato denominado germinatélio10, que funciona como uma micro-câmara úmida. Este aparato tem possibilitado a obtenção de importantes dados de inúmeras espécies de ferrugens, como Puccinia psidii, P. pampeana, P. arachidis, P. malvacearum, incrementando o conhecimento existente1,8,9,11,12,15,18.
 

            Para a realização das pesquisas, os soros teliais são coletados a partir das partes vegetais infectadas, podendo ou não ser retirados com uma pequena porção de tecido foliar (Figura 01). O material é assentado sobre pequena porção de algodão umedecido existente nos germinatélios (Figura 02A) e, posteriormente, estes são invertidos sobre lâminas de microscopia onde há discos de ágar-água (AA). O conjunto é colocado no interior de cristalizadores forrados com espuma de nylon umedecida com água destilada, os quais são mantidos  em câmara de temperatura controlada (BOD), o que possibilita o estudo das temperaturas que induzem à maior produção de basiodiosporos. Diariamente os soros teliais são lavados com água destilada estéril, para remoção dos auto-inibidores presentes nas paredes dos teliosporos, e os discos de AA são observados sob microscópio óptico para verificar se houve liberação de basidiosporos e realizar a contagem destas estruturas com o auxílio de um contapasso manual (Figuras 2B, 2C e 2D). Para facilitar a contagem, os discos de ágar-água são marcados com o auxílio de um conjunto de lâminas, de forma que a superfície fique semelhante a uma câmara de Neubauer. Após as avaliações os discos de ágar-água são substituídos.
 

Figura 01 – Soros teliais de Puccinia cnici-oleracei (A), P. heterospora (B), P. psidii (C) e P. pampeana (D – seta).

 

           

Figura 02 – Germinatélios com soros (A - Fonte: Mário Barreto Figueiredo) e lavagem (B - Fonte: Mário Barreto Figueiredo). Germinação por repetição em P. malvacearum (C). Teliosporo de P. pampeana germinando e produzindo basidiosporos (D – seta). Basidiosporos liberados sobre disco de ágar-água observados sob microscópio óptico (E, F).

 

A utilização do germinatélio possibilitou documentar, por exemplo, a germinação por repetição em P. malvacearum (Figura 2C ), fenômeno que aumenta a probabilidade de manutenção da espécie. Também foi constatada a existência de espécies cujos soros telióides foram denominados soros de “curta duração”, como P. cnici oleracei, P. psidii (ferrugem das mirtáceas) e P. heterospora, devido a liberarem de 2 a 5 descargas consecutivas de basidiosporos. Outras espécies, como é o caso de P. pampeana agente causal da ferrugem da pimenta e do pimentão, apresenta soros ditos de “longa duração”, por terem sido registradas de 31 até 101 liberações consecutivas de basidiosporos. Para esta espécie foi realizado um estudo durante 184 dias, ou seja, pouco mais de 5 meses, até que a produção de basidiosporos se encerrasse por completo, sendo 12ºC a temperatura que induziu a maior produção destas estruturas. É importante ressaltar que as ferrugens com teliossoros de “longa duração” apresentam soros pulvinados, enquanto que aquelas com teliossoros de “curta duração”, soros pulverulentos. Esta particularidade, talvez possa ser utilizada como mais uma característica para identificar as espécies, ou mesmo separar gêneros, pertencentes ao complexo grupo das Uredinales.
 

            Quanto à contagem da produção de basidiosporos, por unidade de área soral, foi constatado que P. psidii pode produzir, aproximadamente, de 13.000 a 44.000 basidiosporos/mm2 e que temperaturas variando de 12º a 24ºC são bastante apropriadas à germinação de teliosporos, resultando em grande produção de basidiosporos. Porém, foi constatado que 210C é a temperatura mais apropriada, uma vez que foi registrada a maior produção, ou seja, 44.673 basidiosporos/mm2.
 

            Observar-se, portanto, que as várias espécies podem apresentar diferenças significativas em seu ciclo biológico e que a existência de um método que permita o incremento de dados básicos sobre a biologia deste importante grupo de fitopatógenos poderá facilitar o manejo das doenças por eles provocadas.

Bibliografia Citada e Consultada

 

Bibliografia Citada e Consultada
 

1. Aparecido, C.C.; Figueiredo, M.B. Influência e temperatura na produção de basidiosporos pelos soros teliais de Puccinia pampeana. Arquivos do Instituto Biológico, vol 64, p. 61, 1997. Suplemento.

 

2. Craigie, J. H. An experimental investigation of sex in the rust fungi. Phytopathology,  v.21, n. 11, p.1001-1040, 1931.

 

3. Coffey, M.B. Obligate parasites of higher plants, particulary rust fungi.  Symp. Soc. Exp. Biol., v. 29, p. 297-323, 1975.

 

4. Cummins, G.E. Illustrated genera of rust fungi. Minneapolis. Saint Paul: Burgess Publ. Co., 1959. 131p.

 

5. Cummins, G.E. Rust Fungi on Legumes and Compositae in North America. Tucson:  Univ. Arizona Press, 1978. 424p.

 

6. Cummins, G.E. & Hiratsuka, Y. Illustrated genera rust fungi. Revised Edition. Minnesota: Saint Paul. Soc., 1983. 152p.

 

7. Cutter JR., V. M.  Studies on the isolation and growth of plant rusts in host tissue cultures and upon synthetic media I Gymnosporangium.  Mycologia, v. 51, p. 248-95, 1959.

 

8. Figueiredo, M.B & Aparecido, C.C. Capacidade de produção de basidiosporos por diferentes espécies de Puccinia. Summa Phytopathologica, v. 24, p. 61, 1998. Suplemento.

 

9. Figueiredo, M.B. & Carvalho Jr.,  A.A. Efeito da lavagem  dos soros na germinação dos teliosporos telióides de Puccinia pampeana. Summa Phytopathologica, Botucatu: v. 20, p. 101-104, 1994.

 

10. Figueiredo, M.B. & Coutinho, L.N.. A germination chamber abtaining pure basidiospores of rust fungi. In: SIMPÓSIO SOBRE FERRUGENS DO CAFEEIRO, Oeiras, Portugal, 17-20, Outubro, 1983.Comunicações, Oeiras, Centro Invest. Ferrugens Cafeeiro. p.61-65, 1984.

 

11. Figueiredo, M.B. & Coutinho, L.N. Avaliação da capacidade de produção de basidiosporos pelos soros teliais de Puccinia mogiphanes Arthur. Arquivos do Instituto Biológico, p.26, 1994. Suplemento.

 

12. Figueiredo, M.B., Pimentel, C.P.V., Russomano, O.M.R., Coutinho, L.N. Biologia da espécie biteliomórfica de Puccinia pampeana Speg.- Endophyllun pampeanum (Speg.) Lindq. ferrugem da pimenta e do pimentão (Capsicum spp.). Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v. 54,  p. 1-10, 1987.

 

13. Hennen, J.F., Hennen, M., Figueiredo, M.B.  Índice das ferrugens (Uredinales) do Brasil.  Arq. Inst. Biol., v. 49, 201 p., 1982. Suplemento.

 

14. Hennen, J.F. & Figueiredo, M.B. - 1983. The Life Cycle of Hemileia vastatrix.  In: SIMPÓSIO SOBRE FERRUGENS DO CAFEEIRO, Oeiras, Portugal de 17 a 20 de outubro de 1983. p. 48-55. Resumos. Sumário das Comunicações, p. 7, 1983.

 

15. Hennen, J. F.; Figueiredo, M.B.; Pimentel, C.P.V.; Russomanno, O.M.R. The life cycle and taxonomy of Puccinia pampeana (Speg.) Lindq. on Capsicum spp. and other Solanaceae. Rep. Tottori Mycol. Inst., v. 22, p. 209-220, 1984.

 

16. Katsuhiro, A., Katsuya, K.  Occurrence of different races during axenic culture of Puccinia recondita f. sp. tritici race 45.  Ann. Phytopat. Soc. Jap., v. 51, p. 421-5, 1985.

 

17. Martins, e.m.f., carvalho jr., A.a., figueiredo, m.b.  Obtenção de cuturas axênicas esporulantes de Melampsora epitea Thüm, ferrugem do chorão (Salix sp), a partir de urediniosporos puros.  Arq. Inst. Biol., São Paulo, v. 62, p. 58, 1995. Suplemento.

 

18. Passador, M.M.; Aparecido, C.C.; Figueiredo, M.B.; Coutinho, L.N. Metologia para estudos biológicos em uredinales. In: 15ª Reunião do Conselho Regional de Biologia, Anais, p. 131-132, 2004.


Christiane Ceriani Aparecido possui graduação em Biologia Bacharelado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1998), mestrado em Agronomia (Proteção de Plantas) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001) e doutorado em Agronomia (Proteção de Plantas) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Atualmente é pesquisadora científica do Instituto Biológico - Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal. Tem experiência na área de Microbiologia, com ênfase em Micologia, atuando principalmente nos seguintes temas: fungos fitopatogênicos, uredinales, biologia, etiologia e preservação de culturas fúngicas.
 

Martha Maria Passador possui graduação em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário São Camilo (2001). Especialização em Gestão Ambiental pelo Centro Universitário Fundação Santo André (2006). Título de Mestre em Proteção de Plantas pela Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista. Atualmente cursando Doutorado em Proteção de Plantas na Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista. Tem experiência na área de Microbiologia com ênfase em Micologia e Fitopatologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Uredinales, Capsicum, métodos de preservação e patogenicidade de fungos fitopatogênicos.



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

APARECIDO, C.C; PASSADOR, M.M. Metodologia para estudos biológicos em uredinales. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_2/Uredinales/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 23/04/2009

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