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Ecologia de Puccinia psidii, agente causal da ferrugem das mirtáceas.

 

Christiane Ceriani Aparecido

 

Recebem o nome de ferrugens as doenças fúngicas causadas por basidiomicetos pertencentes à Ordem Uredinales. Tais microorganismos são ditos, atualmente, parasitos ecologicamente obrigados, uma vez que algumas poucas espécies puderam ser cultivadas em laboratório com o desenvolvimento de culturas axênicas.

 

            Dentre as doenças de importância econômica causadas pelas Uredinales, encontra-se a ferrugem das mirtáceas, cujo agente causal é Puccinia psidii. O microorganismo infecta os tecidos jovens de plantas florestais e frutíferas nativas do Brasil, como por exemplo: araçazeiro, goiabeira, jabuticabeira e, também espécies introduzidas como jambeiro, e certas espécies de eucalipto (Figura 01).

 Figura 01 – Sintomas e sinais provados pela infecção de P. psidii em jambeiro (A) e eucalipto (B).

 

            Devido aos hospedeiros apresentarem comportamento diferencial frente ao patógeno, inúmeras pesquisas sugerem que existam especializações fisiológicas dentro das populações de P. psidii.

 

            Puccinia psidii Winter, foi constatado no Brasil, primeiramente, sobre eucalipto por JOFFILY (1944) há mais de 50 anos. O pesquisador observou a presença de urediniosporos sobre folhas de mudas de Eucalyptus citriodora. Sabe-se que P. psidii é natural da América do Sul (WINTER, Hedwigia, 24: 171, 1884), tendo como localidade do Tipo o município de São Francisco do Sul, estado de Santa Catarina, embora já tenha sido observado na Argentina, Uruguai, Colômbia, Jamaica e, também, no Sul da Flórida (MACLACHLAN, 1938; JOFFILY, 1944; MARLATT & KIMBROUGH, 1979; CASTRO et al., 1983). Segundo SPEGAZZINI (1925) e MARLATT & KIMBROUGH (1979), nas Américas, a doença ocorre desde o Sul dos Estados Unidos até a Argentina.

 

No País a doença constituí um sério problema, principalmente, devido à ocorrência de condições ambientais favoráveis (temperaturas amenas e umidade relativa bastante elevada) praticamente durante todo o ano. Estas condições são importantes para o desenvolvimento da doença porque favorecem a infecção, formação de teliosporos, produção de basidiosporos, germinação de urediniosporos e também, a fenologia do hospedeiro. Como resultado, a doença pode se tornar fator limitante à produção e desenvolvimento da planta infectada.

 

Em 1973 ocorreu, na costa do Espírito Santo, a primeira constatação de danos preocupantes num viveiro de Eucalyptus grandis, procedente da África do Sul, levando à perda de mais de 400 mil mudas.

 

A infecção ocorre no início das brotações do hospedeiro, com o patógeno atacando tecidos jovens como folhas, inflorescências e gemas, sendo observado tanto em plantas adultas no campo, como em mudas na fase de viveiro (SILVEIRA, 1951; GALLI, 1980; SOUZA, 1985; FERREIRA, 1989). Segundo MORAES et al. (1982), em condições de campo, P. psidii prejudica o desenvolvimento das plantas, levando à redução da altura e causando a morte dos hospedeiros mais suscetíveis.

 

Com relação às mirtáceas frutíferas cultivadas economicamente, como por exemplo, a goiabeira, o patógeno causa enormes prejuízos, levando a perdas que oscilam entre 40 a 100% da produção, dependendo do nível da doença (SILVEIRA, 1951; GALLI, 1980). Também podem ser infectados os frutos jovens sendo que, ao serem atacados, acabam por mumificar, adquirindo coloração negra e consistência coriácea (SILVEIRA, 1951). Os frutos remanescentes podem apresentar manchas necróticas que se constituem como porta de entrada para vários outros microrganismos que causam a podridão dos mesmos ou, ainda conferem mau aspecto a esses frutos, tornando-os sem valor comercial (GALLI, 1980; SOUZA, 1985). De abril a maio de 1997, SILVEIRA et al. (1997) constataram uma perda de 70% na produção de frutos no Norte Fluminense, em decorrência da ferrugem. Quando as lesões se localizam sobre o pecíolo, tecidos tenros do caule e gêmula terminal, toda a planta ou apenas a parte superior pode vir a morrer (JOFFILY, 1944; SILVEIRA, 1951). Outra mirtácea frutífera que tem sido infectada recentemente é o araçá-boi (Eugenia stipitata), espécie natural da Amazônia Ocidental (SANTOS et al., 1993). Seus frutos apresentam grande potencial para a agroindústria, uma vez que podem ser utilizados na forma de suco ou sorvete. A partir de 1997 os severos ataques do patógeno têm provocado grandes perdas (JUNQUEIRA et al., 1997).

 

Devido à importância de P. psidii no que se refere aos significativos prejuízos que pode causar, foram realizados estudos visando verificar as temperaturas mais adequadas à capacidade de produção e dispersão de basidiosporos e germinação de urediniosporos com idades distintas, submetidos a diferentes temperaturas e coletados de folhas de jambeiro e goiabeira. Para a realização destes estudos foi utilizado o germinatélio, que funciona como uma micro-câmara úmida (FIGUEIREDO & COUTINHO, 1984). Também, foram realizadas inoculações cruzadas para constatar a existência de especializações fisiológicas dentro da espécie, em relação aos urediniosporos obtidos de diferentes hospedeiros, além de observações de campo, durante os anos de 1999 e 2000, para avaliar a evolução dos sintomas de P. psidii em diferentes espécies de mirtáceas.

 

Foi observado que as temperaturas mais adequadas à germinação dos urediniosporos do patógeno variam entre 150 e 180C e quanto mais velhos, menor é a porcentagem de geminação (Figuras 02 e 03). Com relação à germinação de teliosporos e descarga de basidiosporos, foi verificado que 210C é a temperatura mais apropriada (Figura 04).

 

Figura 02 – Porcentagem de germinação de urediniosporos de Puccinia psidii com distintas idades, coletados de jambeiro e submetidos a diferentes temperaturas.

Figura 03 - Porcentagem de germinação dos urediniosporos de Puccinia psidii, com idades distintas, submetidos a diferentes temperaturas e coletados de goiabeira.

Figura 04 – Produção média, por unidade de área, de basidiosporos pelos teliossoros de Puccinia psidii submetidos a diferentes temperaturas.

 

            Com relação ao número de quedas, devido a estudos preliminares, P. psidii pode ser classificada como uma ferrugem com teliossoros de “curta duração”, uma vez que exibe um ciclo de liberação de basidiosporos que, raramente, atinge cinco descargas consecutivas. O mesmo já foi observado para P. arachidis. As demais ferrugens citadas acima são ditas de teliossoros de “longa duração” por serem capazes de liberar inúmeras cargas consecutivas de basidiosporos. É importante ressaltar que as ferrugens com teliossoros de “longa duração” apresentam soros pulvinados, enquanto que aquelas com teliossoros de “curta duração”, soros pulverulentos. Esta particularidade, talvez possa ser utilizada como mais uma característica para identificar as espécies, ou mesmo separar gêneros, pertencentes ao complexo grupo das Uredinales.

 

As inoculações cruzadas possibilitaram detectar quatro grupos de especialização fisiológica devido à obtenção de reações diferenciais, relacionadas à intensidade de infecção provocada nos hospedeiros utilizados. Foi constatado, também, que a severidade da doença é variável entre diferentes espécies de Eucalyptus e, também entre diferentes procedências de uma mesma espécie.

 

Observações da evolução da ferrugem em campo, durante os anos de 1999 e 2000, permitiram verificar a ocorrência dos maiores picos, sobre goiabeira, em fevereiro; sobre Eucalyptus cloeziana em março e, sobre jambeiro, E. botryodes, E. urophylla e E. grandis – procedências Itatinga e Anhembi, em abril. Durante os meses de maior severidade, a temperatura média variou entre 210 e 240C e a umidade relativa foi superior a 70%. É importante ressaltar que 1999 foi o ano durante o qual ocorreram os ataques mais severos, enquanto que durante o ano de 2000, sobre as espécies de eucalipto, a doença foi ausente.

 

Observa-se, portanto, que todo o ciclo vital de P. psidii é favorecido e depende da ocorrência de temperaturas amenas, variando de 150C a 250C. Temperaturas muito elevadas são adversas ao patógeno e, caso a infecção já tenha ocorrido, induzem à formação das estruturas de resistência denominadas teliosporos. Porém, convém ressaltar que, conforme observado, sendo tais temperaturas excessivamente elevadas, menores quantidades de teliosporos se formam, além de ocorrer necrose de parte do tecido foliar e, posteriormente senescência da folha infectada.

 

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Christiane Ceriani Aparecido - "Possui graduação em Biologia Bacharelado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1998), mestrado em Agronomia (Proteção de Plantas) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001) e doutorado em Agronomia (Proteção de Plantas) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Atualmente é pesquisadora científica do Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal. Tem experiência na área de Microbiologia, com ênfase em Micologia, atuando principalmente nos seguintes temas: fungos fitopatogênicos, uredinales, biologia, etiologia e preservação de culturas fúngicas."
Contato: christianeceriani@biologico.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

APARECIDO, C.C.  Ecologia de Puccinia psidii, agente causal da ferrugem das mirtáceas. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_2/puccinia/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 08/06/2009

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