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Mais alimentos ou menos perdas?

Silvia Antoniali
Juliana Sanches
Katia Nachiluk

O período de pós-colheita, ou seja, aquele que se estende da colheita até o consumo do produto, é caracterizado por grandes perdas da qualidade mercadológica, causadas por deteriorações.

A quantificação de perdas pós-colheita deve ser analisada com cuidado, pois reflete as condições em que foram baseadas. Como os fatores são dinâmicos, tais perdas acabam sendo específicas. Entretanto, esses índices são sempre  elevados  no  Brasil desde a década de 1980, ou seja, 45% (Lopes, 1980)1, 40% (Borges 1991)2, 25% de perdas somente nos segmentos atacadistas e varejistas (Bleinroth, 1992)3, 30 - 40% (Botrel, 1994; Barchi et al, 2002)4, 5 e 20 a 35% (Fontes et al, 2008)6. Em média, pode-se dizer que no Brasil aproximadamente 33% do que é produzido de frutas e hortaliças são perdidos antes de serem consumidos.

As perdas durante a pós-colheita são fatores limitantes na produção de alimentos hortifrutícolas. Apesar de o Brasil se caracterizar como um país altamente produtor (quarto produtor mundial de frutas e hortaliças), é também um dos países onde mais se perdem alimentos durante essa etapa7.

A maioria das perdas ocorre devido ao descuido, à má-conservação e à falta de conhecimento das medidas específicas que poderiam ser tomadas para evitar o estrago. Além de prejudicar a competitividade agrícola, estas perdas poderiam alimentar parte da população brasileira que se encontra faminta e fortemente desnutrida. Estas perdas poderiam ser reduzidas se práticas adequadas fossem adotadas desde o cultivo até o seu destino final.

As injúrias mecânicas, durante o manejo na colheita e pós-colheita, também são responsáveis por perdas significativas de frutos durante a distribuição e a comercialização. É importante ressaltar que elas afetam diretamente a aparência externa, que é um dos mais importantes atributos de qualidade e também o principal fator de rejeição por parte do consumidor. Frutos murchos, amassados, sem a cor característica e com aparência desagradável sobram nas prateleiras dos supermercados. A busca pela qualidade adequada requer técnicas seguras, rápidas e não-destrutivas para a avaliação de algumas propriedades físicas dos frutos8, 9.

Desde o instante em que é colhido até o momento de ser preparado ou consumido, o produto hortícola sofre uma série de alterações, oriundas principalmente de ações mecânicas. Dependendo da sensibilidade do produto, elas poderão causar danos que comprometerão a qualidade final do produto. Estudos mostram que, dependendo do produto, as perdas de produtos hortícolas por causas mecânicas podem chegar a 20% – 25% do total colhido10.

Várias formas de contornar a falta de alimentos têm sido sugeridas, mas, na maioria dos casos, relega-se a planos secundários o combate a estas exorbitantes perdas. Prefere-se, em muitos casos, investir pesadamente na obtenção de cultivares, 10 a 15% mais produtivas, a investir em novas embalagens ou tecnologias de armazenamento que permitam reduzir as perdas pós-colheita em 10% a 20%11.

Na safra de 2008, o Brasil produziu mais de 64 milhões de toneladas de frutas e hortaliças12. Considerando perda média de 33% desta produção, a população deixou de consumir mais de 21 milhões de toneladas de produto. No entanto, de que adiantam tecnologias para se aumentar a produção visando suprir às necessidades de alimentos, se pouco é feito para se reduzirem as perdas pós-colheita?

Contudo, o uso de tecnologias adequadas na pós-colheita, durante o manuseio, processamento, armazenamento e transporte, é tão fundamental quanto a sua produção. Até porque o aumento desta produção deve vir, necessariamente, acompanhado de redução nas perdas e da preservação da qualidade inicial do produto.

Uma das causas para os altos volumes de frutas desperdiçados no Brasil é a carência de estudos mercadológicos de todo o complexo comercial dos produtos, que poderiam fornecer valiosas informações e contribuir para atenuar as perdas. Tanto que é de grande importância a transparência nas relações entre os agentes da produção, agroindústria, atacado, varejo e consumidor final13. Assim, as informações de cada elo seriam do conhecimento de todos para evitar, por exemplo, as perdas pós-colheita dos produtos agrícolas, o que pode estar refletindo em um grau de desarticulação nestes sistemas.

Frutas e hortaliças colhidas pelo homem continuam vivas e suas transformações químicas naturais não param de acontecer. Porém, separadas da planta-mãe ou do solo, elas são forçadas a utilizar suas reservas de substrato ou de compostos orgânicos ricos em energia, como açúcares e amido, a fim de respirar e assim produzir a energia necessária para se manterem vivas.

De todos os processos metabólicos que ocorrem nas hortaliças e nas frutas, após a colheita, a respiração é o mais importante e pode ser afetado por fatores próprios da planta ou do ambiente. A respiração realiza-se graças às reservas acumuladas pelo fruto, uma vez que não depende mais da absorção de água e nutrientes realizados pelas raízes e da atividade fotossintética das folhas da planta-mãe.

A intensidade ou taxa respiratória é um dos determinantes do potencial de longevidade das hortaliças de frutos em pós-colheita e está intimamente ligada à temperatura, pois, dentro de certos limites, a respiração é maior à medida que aumenta a temperatura.

A temperatura é um fator ambiental muito importante e afeta diretamente os processos fisiológicos das frutas e hortaliças. A refrigeração é o primeiro passo para a conservação das frutas e hortaliças pós-colheita. Quanto mais rapidamente o produto for resfriado, maior será sua vida de prateleira e menores serão as perdas durante sua comercialização.

Portanto, a espera após a colheita, no pomar ou no galpão, antes da estocagem a frio irá reduzir a conservação do produto mesmo que ele seja posteriormente estocado sob baixa temperatura. A estocagem frigorificada, além de diminuir o processo da respiração, pode reduzir a ação das enzimas, diminuir a perda de água e a ação dos microrganismos que provocam deterioração e aumentar a vida útil de comercialização14.

A escassez de alimentos em várias partes do planeta seria menos preocupante se os excessivos índices de desperdício fossem diminuídos. O combate à fome é a principal missão entre dezoito metas a serem atingidas neste milênio, sendo oito dos objetivos a serem alcançados até 2015. A Declaração do Milênio - um documento referendado em setembro de 2000, em Nova York, durante a Cúpula do Milênio, por 191 nações - estabelece o compromisso de todos os países-membro da Organização das Nações Unidas (ONU) com o cumprimento dessas metas15.

¹LOPES, L.C. Anotaçðes de fisiologia pós-colheita de produtos hortícolas. Viçosa: UFV, 1980. 105 p. (mimeografado).

² BORGES, R.F. Panela Furada: O incrível desperdício de alimentos no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Columbus, 1991. 124 p. (Coleção Cardápio, 7).

³ BLEINROTH, E. W.; SIGRIST, J. M. M.; ARDITO, E. de F. G. Tecnologia de pós-colheita de frutas tropicais. 2 ed. Campinas: ITAL, 1992, 203 p.

4 BOTREL, N. Sistema de armazenamento. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.17, n.180, p.9- 13, 1994. (Qualidade pós-colheita de frutos – II).

5 BARCHI, G. L.; BERARDINELLI, A.; GUARNIERI, A.; RAGNI, L.; TOTARO FILA, C. Damage to loquats by vibration-simulating intrastate transport. Biosystems Engineering, London, v. 82, n. 3, p. 305–312, 2002.

6 FONTES J. R. M., GUARIENTI A. J. W. Eficiência da absorção de etileno pelo produto Always Fresh® na qualidade pós-colheita do mamão papaya 'Golden'. Disponível em: http://www.campovivo.com.br/noticias_online.asp?id_noticia=453  Acesso em: 24 set 2008.

7 FAO, FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. Roma: FAOSTAT Database Gateway – FAO. Disponível em: < http://faostat.fao.org/ > Acesso em: 20 set 2008.

8 CLARK, C. J.; HOCKINGS, P. D.; JOYCE, D. C.; MAZUCCO, R. A. Application of magnetic resonance imaging to pre- and post-harvest studies of fruits and vegetables. Postharvest Biology and Technology, Amsterdam, n. 11, p. 1-21, 1997.

9 THOMAS, P.; KANNAN, A.; DEGWEIKAR, V.H.; RAMAMURTHY, M.S. Non-destructive detection of seed weevil-infested mango fruits by X-ray imaging. Postharvest Biology and Technology, Amsterdam, n. 5. p. 161-165, 1995.

10 VIGNEAULT, C.; BORDINT, M. R.; ABRAHÃO, R. F. Embalagem para hortaliças e frutas. In: CORTEZ, L. A. B.; HONÓRIO, S. L.; MORETTI, C. L. Resfriamento de frutas e hortaliças. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2002, p. 98-121.

11 MATTIUZ, B.H. Injúrias mecânicas e processamento mínimo de goiabas: fisiologia e qualidade pós-colheita. 2002. 120f. Tese (Doutoramento em Produção Vegetal) – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2002.

12 IBGE. Sistema IBGE de recuperação automática – Sidra 2006. Disponível em: <http//www.sidra.ibge.gov.br> Acesso em: 26 set 2008.

13 SILVA, C. de S.; PEROSA, J.M.Y.; RUA, P.S.; ABREU, C.L.M. de; PÂNTANO, S.C.; VIEIRA, C.R.Y.I., BRIZOLA, R.M. de O. Avaliação econômica das perdas de banana no mercado varejista: um estudo de caso. Revista Brasileira de Fruticultura, Jaboticabal, v.25, n.2, p229-234, ago. 2003.

14 GAST, K.L.B.; FLORES R. Precooling produce – fruits and vegetables. In: POSTHARVEST MANAGEMENT OF COMMERCIAL HORTICULTURAL CROPS. Kansas: Cooperative Extension Service. 1991.

15 GONÇALVES, B.S. O Compromisso das empresas com o combate ao desperdício de alimentos: banco de alimentos, colheita urbana e outras ações. São Paulo: Instituto Ethos, 2005. 80p.

 

Origem: Apta Regional - www.aptaregional.sp.gov.br


Silvia Antoniali

santoniali@iac.sp.gov.br
 

Juliana Sanches

jsanches@iac.sp.gov.br
 

Pesquisadoras do Instituto Agronômico (IAC-APTA-SAA)

 

Katia Nachiluk
katia@apta.sp.gov.br

Pesquisadora do Pólo Regional Extremo Oeste (APTA)



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

ANTONIALI, S.; SANCHES, J.; NACHILUK, K.  Mais alimentos ou menos perdas?. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_3/alimentos/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 19/07/2009

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