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ECO-AGRICULTURA: UM MODELO PARA A SUSTENTABILIDADE QUE O BRASIL PRECISA?

 

 

Walfrido Moraes Tomas

Emiko Kawakami de Resende

Débora Fernandes Calheiros

Sandra Aparecida Santos

 

Muito tem sido falado em sustentabilidade dos sistemas de produção agropecuária, e o Brasil parece estar despertando para esta abordagem. O tema sustentabilidade é controverso e a intenção aqui não é discutir o mérito semântico da palavra. Em que pesem as mudanças realizadas ou planejadas para as leis ambientais do país, nas quais a legislação é sempre vista como a vilã e entrave à produção, o que é preciso é uma completa revisão de conceitos e abordagens. É preciso conciliar a produção agropecuária do Brasil com os outros aspectos fundamentais de suporte à vida dos brasileiros, porque nenhum país pode ser viável por um prazo longo sem ter o devido cuidado na gestão de seus recursos naturais.

 

Até agora, a visão generalizada é de que as diversas funções da paisagem rural no Brasil são conflitantes. Este é o pano de fundo para as iniciativas de mudanças propostas ao Código Florestal e certamente foi este o motivo da controversa alteração feita nas leis ambientais de Santa Catarina. Mas também este é o motivo do histórico desrespeito às leis ambientais pelo Brasil afora. Como resultado, temos vários exemplos de desastres sócio-econômico-ambientais que poderiam ter sido evitados. Um exemplo é a catastrófica enchente que acometeu o Estado de Santa Catarina em 2008. As perdas e os prejuízos econômicos tanto no meio rural como no urbano poderiam ter sido evitadas se houvesse planejamento no uso e ocupação do solo, levando-se em conta os riscos. Não há dúvida de que a coincidência de um evento climático extremo com o mau uso do solo foi responsável pela situação vivida pela população catarinense.

 

Outro exemplo que pode ser mencionado é o “apagão” energético que afetou o Brasil alguns anos atrás, quando um ano excepcionalmente seco levou ao colapso o sistema de produção de energia elétrica por falta de água nos reservatórios. É bem provável que o impacto daquele ano seco (outro extremo climático) pudesse ter sido menor caso nossas nascentes e rios não estivessem tão degradados. Basta cruzar certas áreas rurais para verificar que as nascentes e mananciais menores estão sendo eliminados e áreas úmidas drenadas. Um país que depende de energia hidroelétrica não pode ser perdulário na gestão de seus recursos hídricos, já que este é um bem estratégico.

 

O terceiro exemplo é o famoso desastre do rio Taquari, no Pantanal. A parte alta da bacia deste rio foi ocupada de forma mais intensiva pela agricultura e pela pecuária no planalto que circunda o Pantanal a partir da década de 1970. Neste mesmo período houve um coincidente aumento da precipitação na região. O resultado foi o aumento da erosão, com as voçorocas tomando conta da paisagem, e o rio Taquari teve seu leito dentro e fora do Pantanal completamente assoreado. O rio foi gradualmente entupido pela areia oriunda de erosão nas fazendas, pois muitas não se preocuparam em aplicar princípios básicos de conservação do solo e respeitar as leis ambientais. O rio, então, rompeu suas margens em diversos pontos dentro do Pantanal, jogando grande parte da água em uma área gigantesca que antes era inundada apenas uma vez por ano. A inundação permanente literalmente afogou fazendas inteiras, falindo-as e impactando os ecossistemas naturais. Florestas morreram em larga escala, e está havendo uma substituição gradual da biota original por outra mais adaptada às condições de inundação permanente.

 

O rio Taquari continua sendo assoreado e a recuperação do sistema vai custar aos cofres públicos um volume imenso de recursos, tanto na necessária e urgente recuperação dos rios, nascentes e áreas de preservação permanente do Planalto, como na tentativa de intervenção no leito do rio no Pantanal. Este é o exemplo perfeito de desenvolvimento não-sustentável que gerou riquezas e desenvolvimento numa área de uma grande bacia hidrográfica, mas que causou impactos brutais no ambiente e na economia em outra parte da mesma bacia. E aqui vai um alerta: todos os rios do Pantanal estão passando pelo mesmo processo, num desastre ambiental que, se não acontece de forma súbita, certamente está ao poucos transfigurando o Pantanal tal como o conhecemos hoje. É o que se tem chamado de “taquarização” dos rios formadores do Pantanal.

 

Eco-agricultura

 

Uma abordagem capaz de mudar a atual situação é o que tem sido preconizado recentemente na Europa, Austrália, Nova Zelândia e em outros países. A mudança passa por uma guinada na visão do espaço rural, com o abandono da visão tradicional compartimentada na qual a conservação é conflitante com a produção. Esta mudança se apóia no conceito de que as paisagens são multifuncionais. Ou seja, uma paisagem deve ser encarada como um sistema integrado que serve para os propósitos profundamente inter-relacionados de produção agropecuária, manutenção de biodiversidade, manutenção de solos férteis, manutenção da quantidade e qualidade de mananciais de água, paisagens esteticamente agradáveis, regulação climática, além de servir de base para relações histórico-culturais que porventura existam.

 

Esta abordagem parece simples ou até mesmo óbvia, mas ela requer uma revisão de atitudes, incluindo a adoção de novas políticas públicas, legislação mais integrada às condições eco-regionais, ações de planejamento, e desenvolvimento de tecnologias e processos de suporte baseados neste conceito. Os setores de pesquisa, desenvolvimento e inovação precisam ampliar seu foco e passar a enxergar, cada vez mais, a paisagem em propriedades rurais como espaços multifuncionais. Uma fazenda precisa ser viável por um longo período nos aspectos econômicos, sociais e ambientais, em igualdade de importância. A responsabilidade sócio-ambiental dos proprietários de terra é posta em evidência, já que, na verdade, eles se transformam em administradores do capital natural do país, e assim são atores tão fundamentais para a segurança e integridade nacionais quanto aqueles que atuam em outros setores estratégicos da vida brasileira.

 

É preciso que se leve em conta que a economia não é capaz de se manter sem o capital natural. Absolutamente tudo que nos mantêm vivos e que dá suporte à existência (e queda) das civilizações é o capital natural. O excelente livro “Colapso”, de Jarred Diamond, apresenta uma coletânea de histórias sobre como civilizações desapareceram, enquanto outras se mantêm viáveis simplesmente em função de decisões que tomaram (ou deixaram de tomar) quanto ao uso de seus recursos naturais. E isso nunca vai mudar, pelo simples fato de que somos totalmente dependentes da natureza e dos serviços que ela nos presta, mesmo aqueles intangíveis ou dos quais não saibamos ainda ou nem nos apercebemos no dia a dia.

 

A eco-agricultura reconhece explicitamente as relações econômicas e ecológicas, bem como a interdependência entre a produção agropecuária, a biodiversidade e os serviços ambientais. Uma paisagem onde se pratica a eco-agricultura deve, então, se constituir de um mosaico de áreas naturais preservadas e espaços onde se realizam atividades de produção, num sistema em que se busca maximizar a sinergia entre aspectos ecológicos, agrícolas e sócio-culturais. Para tanto, algumas questões precisam ser equacionadas, tais como: De que forma os sistemas de produção agropecuária podem contribuir para a conservação da biodiversidade ao mesmo tempo em que mantêm ou aumentam a produtividade? Como áreas agrícolas e áreas naturais podem ser manejadas de forma conjunta para manter ou produzir serviços ambientais ou ecossistêmicos adequados, em escala de paisagem ou de bacias hidrográficas? Como a abordagem de eco-agricultura pode se tornar economicamente viável para fazendeiros e outros atores? Como podem as comunidades, instituições e governos se mobilizarem para criar instituições e as políticas necessárias para a adoção da eco-agricultura em larga escala? Em quais situações ou regiões a eco-agricultura deve ser a estratégia prioritária a ser adotada e fomentada através de políticas públicas específicas? Como a atividade agropecuária pode ser integrada aos sistemas de áreas protegidas, garantindo benefícios para ambos os sistemas? Quais são os indicadores para avaliar propriedades rurais em sua sustentabilidade e quais estratégias devem ser adotadas pelo mercado para remunerar produtores que se encaixem no conceito abrangente de sustentabilidade? Como se podem remunerar de forma apropriada aqueles proprietários que protegem mais ecossistemas naturais do que o mínimo definido pela legislação ambiental?

 

Pantanal

 

Para o Pantanal, precisa ser adotada uma abordagem mais cuidadosa e integradora das atividades econômicas realizadas no planalto adjacente com as funções dos ecossistemas na planície, porque estas duas regiões compõem um macro-ecossistema bem definido e caracterizado pela interdependência entre planalto e planície.  Faz-se necessária aplicação de políticas públicas que minimizem riscos e que corrijam problemas já existentes. Não se pode mais utilizar abordagens que separem o Pantanal das partes altas da Bacia do Alto Paraguai. É preciso cuidado e disciplina no uso da terra nos planaltos vizinhos ao Pantanal, o que inclui repensar quais atividades seriam mais compatíveis com a conservação deste que é um Patrimônio Nacional, segundo a Constituição Brasileira.

 

No Pantanal, grande parte das terras ocupadas pela pecuária extensiva tem sido mantida em bom estado de conservação. As paisagens naturais, além da produção pecuária, estão sendo capazes de manter a diversidade biológica, com populações abundantes de várias espécies ameaçadas. É possível dizer que estas fazendas se encaixam num conceito mais geral de eco-agricultura, já que as funções do ecossistema são mantidas ao mesmo tempo em que há produção econômica. Esta forma de uso da terra não surgiu por acaso, mas é fruto de uma longa história de adaptação de um modo de vida às condições ecológicas da região. Este conhecimento acumulado foi passado de geração a geração, mas corre o risco de se perder uma vez que está havendo uma tendência de se aplicar sistemas mais intensivos, e provavelmente mais impactantes, de produção pecuária dentro do Pantanal. Assim, é preciso encontrar formas de remuneração aos fazendeiros que conduzem suas atividades dentro do conceito de eco-agricultura, mantendo os serviços ambientais e conservando a biodiversidade. Eles prestam um serviço à sociedade, e isso precisa ser reconhecido.

 

Fora da planície, a eco-agricultura pode ser o modelo adequado a ser adotado na Bacia do Alto Paraguai se desejarmos que haja uma efetiva conservação do macro-ecossistema pantaneiro, bem como dos recursos naturais, para as gerações futuras. É preciso mudar o paradigma de desenvolvimento na região, em contraponto com esquemas impactantes de produção agropecuária. O Brasil possui competências para dar suporte científico e tecnológico a esta abordagem. Certamente o mercado internacional será receptivo aos produtos gerados de forma verdadeiramente sustentável, em detrimento daqueles aos quais barreiras serão impostas por não obedecerem a critérios claros de produção sustentável.

 

Walfrido Moraes Tomás (tomasw@cpap.embrapa.br), Emiko Kawakami de Resende (emiko@cpap.embrapa.br), Débora Fernandes Calheiros (debora@cpap.embrapa.br), e Sandra Aparecida Santos (sasantos@cpap.embrapa.br)  são pesquisadores da  Embrapa Pantanal.



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

TOMÁS, W.M.; RESENDE, E.K. de: CALHEIROS, D.F.; SANTOS, S.A.   Eco-agricultura: um modelo para a sustentabilidade que o Brasil precisa?. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_3/EcoAgricultura/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 30/09/2009

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