Tolerância ao calor em ovelhas lanadas e deslanadas,

em Nova Odessa, Estado de São Paulo

 

Cecília José Veríssimo

 

A preocupação sobre a adaptação dos animais ao calor é pertinente e atual, em face do problema maior que afeta todos os seres do planeta, o aquecimento global.

 

Os ovinos (Ovis áries, L.) estão bem adaptados tanto ao frio quanto ao calor, e apresentam temperatura média de 39ºC durante o dia, com uma variação fisiológica de 37,5ºC a 40,5ºC. A frequencia respiratória pode variar de 20 a 50, até 300 a 400 movimentos respiratórios por minuto, devido ao efeito do estresse por calor (Terrill, 1973, MacFarlane, 1965). 

 

Como o estresse por calor pode afetar significativamente a vida produtiva e reprodutiva dos ovinos (Veríssimo et al., 2009), é importante conhecer a resposta fisiológica de ovinos lanados e deslanados ao calor. A tese de doutorado (Veríssimo, 2008) estudou o tema tolerância ao calor em ovelhas lanadas (Suffolk, Ile de France e Texel) e deslanadas (Morada Nova e Santa Inês), criadas na cidade de Nova Odessa, região centro leste do Estado de São Paulo.

 

Nova Odessa está localizada a 22º42’S, 47º18’W e 570m de altitude. Possui clima temperado seco no inverno, e quente e chuvoso no verão, com médias históricas de temperatura máxima de 32ºC, mínima 13ºC e média de 22ºC.

 

Neste trabalho, foi observada a capacidade de as ovelhas dissiparem o calor adquirido após uma hora de exposição ao sol, em um teste de tolerância ao calor utilizado para bovinos(Titto et al., 1998). Titto et al. (1999) validaram o índice de tolerância ao calor com observações sobre a temperatura retal, frequencia respiratória e taxa de sudação de bovinos das raças Nelore, Marchigiana e Simental, em situação de conforto e estresse em câmara bioclimática, onde observaram a maior capacidade de sudação dos zebuínos que, por isso, dependiam de menor utilização do aumento da frequencia respiratória para perder o excesso de calor em condições de estresse térmico, e indicaram ser esse teste bastante adequado para avaliação da tolerância ao calor, representada pela termólise rápida e efetiva, com a vantagem de ser um teste simples, rápido e facilmente executável na própria fazenda. 

 

No teste, realizado em dias quentes, sem vento e nebulosidade, os animais são trazidos às 11 horas para um local com sombra, e ficam descansando por 2 horas, quando é tomada a TR1 (temperatura retal). Em seguida, vão para um local sem sombra, onde ficam totalmente expostos ao sol por 1 hora, quando são recolhidos novamente à sombra. Após 1 hora de descanso à sombra, é tomada a TR2. Durante o período do teste (das 11 às 15 horas) os animais ficam sem água e comida. Então, por meio da fórmula ITC = 10-(TR2-TR1), obtém-se o índice de tolerância ao calor (ITC). Nesse sentido, foram comparados: 1) ovelhas da raça Santa Inês de pelagem clara e escura; 2) ovelhas lanadas da raça Texel e deslanadas da raça Morada Nova; 3) ovelhas lanadas das raças Suffolk e Ile de France, antes e após a tosquia. Essas observações foram realizadas na época do calor em 2005/2006. 

 

Os resultados foram: 1) não houve diferença entre os índices observados nas ovelhas de pelagem clara e escura (Veríssimo et al., 2009); 2) houve diferença significativa entre os índices das ovelhas Morada Nova e Texel, e o índice obtido pela Texel foi maior do que o das ovelhas Morada Nova (Tabela 2); 3) não houve diferença significativa entre os índices obtidos pelas ovelhas Suffolk e Ile de France antes e depois da tosquia (Tabela 4, Veríssimo, 2008).

 

A lã é um excelente isolante térmico. Provavelmente, a presença da lã nas ovelhas Texel impediu o aumento significativo da TR, como ocorreu com as ovelhas Morada Nova (Tabela 1), e isso influenciou no resultado do índice (Tabela 2). No entanto, ao realizar o experimento, no qual se comparava uma raça lanada, exótica, de origem holandesa (Texel), e que vieram do Rio Grande do Sul, com uma raça deslanada, adaptada ao clima quente do nordeste brasileiro, de onde é originária (Morada Nova), e que vieram da região de Franca, SP, notei que havia grande diferença na frequencia respiratória das duas raças quando trazidas para a sombra após sofrerem o estresse ao sol. Então, na época de calor seguinte (2006/2007, média máxima da temperatura ambiente de 33,5ºC no horário das 14h15min, média máxima da temperatura do globo negro ao sol de 48,2ºC, no horário das 14h, e índice de temperatura do globo negro e umidade ao sol máximo de 98, no horário das 14h) elaboramos um experimento com o intuito de comparar a frequencia respiratória (FR) e a TR de todas as raças em diferentes momentos do teste, e pela manhã. Neste experimento, a FR das ovelhas deslanadas foi significativamente inferior às lanadas em todos os horários observados (Figura 2) e a TR das ovelhas Santa Inês foi significativamente inferior (P<0,05) a algumas raças lanadas nos horários 13h, 14h, 14h30min e 14h45min (Figura 1). Não foram encontradas diferenças significativas entre a temperatura retal das ovelhas das várias raças nos horários da manhã, quinze minutos (14h15min) e uma hora após o estresse (15h). A média da TR de todos os animais permaneceu dentro da variação normal da TR de ovinos, segundo Marek e Mócsy (1973). Pela manhã (8h), e antes do estresse (13h), a FR nesses horários nas raças deslanadas já era bem menor (P<0,05) do que nas lanadas. Logo após o estresse, a TR aumentou significativamente em todas as raças, o mesmo acontecendo com a FR, que, nas lanadas, chegou a mais de 150 movimentos respiratórios por minuto. No entanto, 15 minutos depois, a FR já havia baixado significativamente em todas as raças (Figura 2). Quarenta e cinco minutos após o estresse, independente da raça, já não havia mais diferença significativa entre as temperaturas retais obtidas neste tempo e aos 60 minutos pós-estresse. O índice de tolerância ao calor obtido com a TR2 aos 45 minutos não foi diferente daquele calculado com a TR2 aos 60 minutos pós-estresse (Tabela 5).

 

Os ovinos utilizam com muita eficiência o aumento da FR como forma de perda de calor. Segundo Starling et al. (2002), o mecanismo de perda de calor mais eficaz é o evaporativo, por não depender do diferencial de temperatura entre o organismo e a atmosfera. A evaporação respiratória é um mecanismo fisiológico utilizado pelos ovinos em respostas intensas por períodos mais curtos do dia (Silva e Starling, 2003). Essa eficiência em perder calor por via evaporativa tem permitido aos ovinos se adaptar muito bem a locais quentes do planeta.

 

Em resumo, todas as ovelhas observadas neste estudo (18 de cada raça) foram capazes de perder, na sombra, o calor adquirido em uma hora de exposição ao sol, em um período de 45 minutos, e estão, portanto, adaptadas às temperaturas de verão que ocorrem em Nova Odessa, no Estado de São Paulo. No teste de tolerância ao calor, a tomada da TR2, em ovinos, pode ser antecipada para 45 minutos após o estresse. 

 

A lã funciona como barreira física para a penetração da radiação solar até a pele, pois, trata-se de material isolante (Silva, 2000). Um velo sujo absorve mais radiação e, conseqüentemente esquenta mais do que uma lã limpa, que reflete mais o calor. Nos trópicos, a época de maiores temperaturas do ar coincide com a estação chuvosa, que deixa o velo sujo, às vezes até mesmo com fungos que, junto com a umidade, favorecem o aumento da temperatura do velo, dificultando, ainda mais, a perda do calor corporal. A umidade do velo, devido a chuvas constantes, também pode deixar ovinos lanados mais propícios à pneumonia (Rodrigues et al., 2008). A grande maioria dos artigos científicos e os resultados obtidos neste trabalho mostram que animais tosquiados, que dispõem de sombra, têm menor temperatura retal que os ovinos com a lã (Tabela 3). No entanto, poucos trabalhos existem que demonstrem diferenças significativas no desempenho produtivo ou reprodutivo entre animais tosquiados e não tosquiados, na época de calor. Portanto, conclui-se que a tosquia é benéfica aos animais lanados nos trópicos, principalmente se há sombra para os animais se protegerem da radiação solar direta, mas a lã não foi obstáculo para a homeotermia (manutenção aproximadamente constante da temperatura interna do corpo), e, conseqüentemente, não comprometeu o bem-estar de ovelhas lanadas avaliadas no verão na cidade de Nova Odessa, Estado de São Paulo.

 

A tosquia deve ser preferencialmente realizada na primavera, a fim de que se evitem queimaduras do sol na pele, que fica desprotegida sem a lã, principalmente no caso das raças despigmentadas, como a Ile de France, sujeitas a adquirirem câncer de pele, devido à insolação em áreas desprovidas de lã, conhecido como carcinoma epidermóide (Del Fava et al., 2001). No verão, a lã já terá crescido o suficiente, cerca de 3cm, para proteger a pele da maior incidência dos raios solares que ocorrem nesta época do ano. Segundo MacFarlane et al. (1958), lã com 3 a 4 cm de espessura já oferece boa proteção à radiação solar. Outra vantagem de efetuar a tosquia na primavera é evitar o aparecimento de bicheiras, miíase provocada pela mosca Cochliomyia hominivorax que parasita ferimentos na pele comuns durante a tosquia, causando grandes prejuízos aos ovinos (Veríssimo et al., 2003), e cujo pico de ocorrência é no verão (Madeira et al., 1998).

 

Tabela 1 – Médias por quadrados mínimos da temperatura retal (ºC) de ovelhas Morada Nova e Texel antes (TR1) e depois (TR2) do estresse calórico (Veríssimo, 2008).

Raça

TR1

TR2 

Média 

Morada Nova

38,72 Bb

39,04 Ba

38,88 

Texel

39,52 Aa

39,60 Aa

39,56  

Média

39,12  

39,32 

 

Médias seguidas de letras diferentes, maiúsculas nas colunas e minúsculas nas linhas, diferem entre si pelo teste Tukey (P<0,05).

 

Tabela 2 – Médias por quadrados mínimos do índice de tolerância ao calor (ITC), em ovelhas Morada Nova e Texel (Veríssimo, 2008).

Raça

ITC

Morada Nova

9,68 (0,060) b

Texel

9,93 (0,062) a

Médias seguidas de letras diferentes na coluna diferem entre si pelo teste Tukey (P<0,05)

 

Tabela 3 – Médias por quadrados mínimos e erro padrão da temperatura retal de ovelhas Suffolk e Ile de France, com e sem lã, às 13h e 15h, no verão (Veríssimo, 2008).

Raça

Temperatura retal ºC

Suffolk

39,31 (0,107) a

Ile de France

39,51 (0,105) a

 

Com

39,60 (0,089) a

Sem

39,23 (0,100) b

Horário

 

13h

39,34 (0,076) b

15h

39,49 (0,076) a

Médias seguidas de letras diferentes na coluna diferem entre si pelo teste Tukey (P<0,05)

 

Tabela 4 – Médias por quadrados mínimos e erro padrão do índice de tolerância ao calor (ITC) em ovelhas Suffolk e Ile de France, com e sem a lã (Veríssimo, 2008).

Raça

ITC com lã

ITC sem lã

Média 

Suffolk

9,83 (0,093) 

9,88 (0,109)

9,85 (0,071)

Ile de France

9,85 (0,092)

9,83 (0,108)

9,84 (0,070) 

Média

9,84 (0,065)

9,86 (0,077)

 

 

Tabela 5 – Médias por quadrados mínimos do ITC (índice de tolerância ao calor), calculado para cada raça em diferentes horários da tomada da temperatura retal final (TR2) (Veríssimo, 2008).

Hora

ITC 15min

ITC 30min

ITC 45min

ITC 60min

Médias

Santa Inês

9,51

9,66

9,75

9,73 

9,66

Morada Nova

9,45

9,62

9,66

9,66 

9,60 

Ile de France

9,42

9,67

9,73

9,80 

9,65 

Suffolk

9,39

9,57

9,69

9,74 

9,60 

Texel

9,51

9,63

9,69

9,72 

9,64 

Médias

9,45 C

9,63 B

9,70 A

9,73 A

 

Médias seguidas de letras diferentes maiúsculas na linha diferem pelo teste Tukey (P<0,05).

 

Figura 1 – Médias por quadrados mínimos da temperatura retal (TR) por raça e horário (Veríssimo, 2008).

 

Figura 2 - Médias por quadrados mínimos da frequencia respiratória (FR) por raça e horário (Veríssimo, 2008).

 

 

Referências:

DEL FAVA, C.; VERÍSSIMO, C. J.; RODRIGUES, E. A.; CUNHA, E.; UEDA, M., MAIORKA, P.C.; D’ANGELINO, J. L. Ocorrence of squamous cell carcinoma in sheep from a farm in São Paulo State, Brazil. Arq. Inst. Biol., v. 68, n. 1, p. 35-40, 2001.

KELLEY, K. W. Cross-talk between the immune and endocrine systems. J. Anim. Sci.,  v. 66, p. 2095-2108, 1988.

MACFARLANE, W. V.; Adaptación del Merino a las regions áridas del tropico. In: Manejo de Lanares, Montevideo: Librería Editorial Juan Angel Peri, 1965. v. 2

MACFARLANE, W. V.; MORRIS, R. J. H.; HOWARD, B. Heat and water in tropical Merino sheep. Aust. J. Agric. Res., v. 9, n. 2, p. 217-228, 1958

MADEIRA, N. G.; AMARANTE, A. F. T.; PADOVANI, C. R. Effect of managemente practices on screw-worm among sheep in São Paulo State, Brazil. Trop. Anim. Health Prod., v. 30, p. 149-157, 1998.

RODRIGUES, C. F. C.; VERÍSSIMO, C. J.; CUNHA, E. A.; KATIKI, L M.; BUENO, M. S.; SANTOS, L. E. Controle sanitário na produção de ovinos de corte em sistema intensivo de produção. In: CUNHA, E. A. et al. (eds.) Atualidades na produção de ovinos para corte. Nova Odessa: Instituto de Zootecnia, 2008. p. 89-119.

SILVA, R. G.; STARLING, J. M. C. Evaporação cutânea e respiratória em ovinos sob altas temperatures ambientes. Rev. Bras. Zootec., v. 32, n. 6 (supl. 2), p. 1956-1961, 2003.

STARLING, J. M. C.; SILVA, R. G.; CERÓN-MUÑOZ, M.; BARBOSA, G. S. S. C.; COSTA, M. J. R. P.  Análise de algumas variáveis fisiológicas para avaliação do grau de adaptação de ovinos submetidos ao estresse por calor. R. Bras. Zootec., v.31, n.5, p.2070-2077, 2002.

TERRILL, C. E. Adaptación de los borregos y de las cabras. In: HAFEZ, E. S. E. Adaptacion de los animales domesticos. Barcelona: Editorial Labor, 1973. Cap. 18, p. 334-355.

TITTO, E. A. L.; VELLOSO, L.; ZANETTI, M. A.; CRESTA, A.; TOLEDO, L. R. A.; MARTINS, J. H.  Teste de tolerância ao calor em novilhos Nelore e Marchigiana. R. Port. Zootec., v.5, n.1, p.67-70, 1998.

TITTO, E. A. L.; PEREIRA, A. M. F.; PASSINI, R.; BALIEIRO NETO, G.; FAGUNDES, A. C. A.; LIMA, C. G.; GUIMARÃES, C. M. C.; ABLAS, D. S.  Estudo da tolerância ao calor em tourinhos das raças Marchigiana, Nelore e Simental. In: CONGRESSO DE ZOOTECNIA, 9., Porto, Portugal, 1999.  Anais...Associação Portuguesa de Engenheiros Zootécnicos, APEZ, p.142, 1999.

VERÍSSIMO, C. J. Tolerância ao calor em ovelhas de raças de corte lanadas e deslanadas no sudeste do Brasil. 2008, 49f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, Universidade de São Paulo, Pirassununga, 2008.

VERÍSSIMO, C. J.; TITTO, C. G.; KATIKI, L. M.; BUENO, M. S.; CUNHA, E. A.; MOURÃO, G. B.; OTSUK, I. P.; PEREIRA, A. M. F.; NOGUEIRA FILHO, J. C. M.; TITTO, E. A. L. Tolerância ao calor em ovelhas Santa Inês de pelagem clara e escura. Rev. Bras. Saúde Prod. An., v. 10, n.1, p. 159-167, 2009

VERÍSSIMO, C. J.; BARBOSA, D. A.; HIROTA, S. J. A.; MOREIRA, L. B. B.; TREVISOL, E. Ocorrência e prejuízos causados pela mosca da bicheira (Cochliomyia hominivorax) em um rebanho de ovinos e caprinos no verão. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 40., Santa Maria, RS, 2003. Anais... Santa Maria: Sociedade Brasileira de Zootecnia (1 CD-ROM)

Origem: Instituto de Zootecnia - www.iz.sp.gov.br


Cecília José Veríssimo, Pesquisador Científico do Instituto de Zootecnia, Nova Odessa (SP), da Agência de Pesquisa Tecnológica dos Agronegócios - APTA, Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo - SAA, Graduação em Medicina Veterinária. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, Brasil.Especialização em Curso de Especialização em Zootecnia (Ruminantes). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, Brasil. Mestrado em Zootecnia. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil.
Contato: cjverissimo@iz.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VERÍSSIMO, C.J.  Tolerância ao calor em ovelhas lanadas e deslanadas, em Nova Odessa, Estado de São Paulo. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_3/Ovinos/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 04/08/2009

Veja Também...