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Decreto 6.514: avanços e retrocessos na questão ambiental

 

Joel Henrique Cardoso

 

Em 22 de julho de 2008, o Governo Lula decretou uma nova regulamentação para a Lei de Crimes Ambientais, o Decreto 6.514. Em resumo, pode-se dizer que este regulamento apertou o cerco contra os infratores, estabelecendo prazos claros para o ajustamento de conduta e valores bastante significativos para recompensar os danos ao meio ambiente.

 

O novo decreto repercutiu significativamente no setor agrário brasileiro, iniciando-se um grande debate nacional, que apesar do exercício democrático da disputa de idéias, poderá ter um desfecho incômodo no que se refere a real preocupação ambiental do Estado e de setores importantes da economia, com destaque à agricultura empresarial.

 

O decreto trata das infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, tema que afeta uma gama significativa de setores da sociedade brasileira. As críticas mais duras vieram do setor rural empresarial (agronegócio) que tem a representação política da Bancada Ruralista no Congresso Nacional e a representação social da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). O agronegócio é contra as determinações que obrigam os proprietários rurais a averbarem a área de Reserva Legal (RL) e a recuperarem as Áreas de Preservação Permanente (APP). As APPs são aquelas áreas impróprias para o cultivo ou criação por serem muito declivosas ou por servirem como área protetora de corpos de água, enquanto que as RLs, como o próprio nome indica, são áreas reservadas para o desenvolvimento espontâneo da vegetação de um determinado local.

 

Apesar das RLs e APPs terem papel estratégico para a saúde dos cultivos, criações e pessoas que residem em uma determinada área rural, o agronegócio aponta conflitos de interesse que estão relacionados ao tamanho das RLs e APPs. A área das RLs e APPs das margens dos rios é determinada pelo Código Florestal Brasileiro (CFB), assim como a localização das APPs em topos de morros e pendentes com declividade superior a 45º.

 

Em função do descontentamento do setor rural, o governo fez alterações no decreto antes que entrasse em vigor a determinação de exigência da averbação da RL por parte dos proprietários rurais. O prazo limite estabelecido para a averbação era 10 de dezembro de 2008, mas o governo editou novo prazo para 11 de dezembro de 2009. Além das vitórias no adiamento dos prazos relativos a averbação das áreas de RL, os ruralistas e suas representações políticas e sociais passaram a tencionar a origem da regulamentação da Lei de Crimes Ambientais com relação à flora, RL e APP, que é o Código Florestal Brasileiro (CFB). A proposta era a regionalização do código que deixaria de existir enquanto lei federal.

 

Assim, vivemos nos dias atuais a ameaça de um grande retrocesso em termos de legislação ambiental. A iminência do ano eleitoral coloca o governo em uma situação delicada para negociar com os setores que tencionam para o relaxamento do CFB. A partir do exemplo do que virou lei em Santa Catarina, em outros estados também estão tramitando propostas de legislação ambiental que reduzem as exigências de APP e RL.

 

Desta forma, no que se refere às determinações do CFB sobre APP e RL, que durante muito tempo têm sido desconsiderados pelos proprietários rurais, o Decreto 6.514 e suas alterações, além de pressionar os infratores a adequarem-se a exigência da Lei, suscitou a reação do setor empresarial rural que visa anular o CFB.

Para os ambientalistas e demais interessados nos serviços ambientais prestados pelas RLs e APPs, resta a esperança de que o governo flexibilize somente o prazo de 11 de dezembro de 2009 para que as determinações do decreto referentes à averbação de RL sejam implantadas.

 

Quanto ao debate mais amplo de necessidade de alteração do CFB que o decreto suscitou, o desfecho deverá acontecer somente depois das eleições. Como estamos a menos de um ano do pleito eleitoral, não cabe o clima de vitória manifestado pelos ruralistas que vem lutando pela alteração do CFB, apesar da demonstração de força do setor, que conseguiu a atenção do governo e da sociedade, a ponto de reverter a pauta, desviando a atenção do decreto que regulamentava os crimes ambientais para a velha discussão de adequação do CFB à necessidade do setor produtivo.

 

Enfim, o debate suscitado pelo Decreto 6.514 está mais vivo do que nunca e cabe aos diferentes setores da sociedade se posicionar. Este tema deverá emergir com mais força no próximo ano, quando os prazos já não deverão se dilatados mais e as diferentes forças políticas já tiverem se cristalizado no processo eleitoral.

 

Quanto a quem vencerá este debate, pode-se dizer que os ruralistas reverteram uma situação que lhes era desfavorável, mas entre os perdedores contabiliza-se muitos além dos ambientalistas de plantão. Caso os ruralistas consigam alterar o CFB, quem perderá é a sociedade brasileira como um todo, afinal quem não depende dos serviços ambientais prestados pelas RLs e APPs? Os agricultores com certeza dependem.

 


Joel Henrique Cardoso possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutorado em Agroecologia, sociologia e desenvolvimento rural pela Universidade de Córdoba. Atualmente é pesquisador na área de Sistemas de Produção Sustentável - Embrapa Clima Temperado. Desenvolve trabalhos de Pesquisa e Desenvolvimento em Sistemas Agroflorestais e tem experiência com os seguintes temas: movimentos sociais, meio ambiente, agricultura familiar, ecologia florestal e desenvolvimento rural.
Contato: joel@cpact.embrapa.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CARDOSO, J.H.  Decreto 6.514: avanços e retrocessos na questão ambiental. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_4/decreto/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 28/12/2009

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