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Resistência de frutíferas a insetos

 

Marilene Fancelli1

Edmilson Santos Silva²

André Luiz Lourenção³

  

 

Plantas e insetos convivem há milhões de anos. Processos coevolucionários têm possibilitado a adaptação às condições adversas do ambiente, por meio da diversidade de respostas aos fatores abióticos e bióticos, mediados pela variabilidade genética dos indivíduos de uma mesma população. Fatores bióticos que exercem pressão de seleção, tal como a ocorrência de artrópodes fitófagos, muitas vezes, são condicionadores do padrão de dispersão das espécies, como também podem sofrer regulação devido à acumulação diferencial de compostos do metabolismo primário e/ou secundário das plantas. Muitas famílias de plantas desenvolveram mecanismos de resistência, produzindo nos tecidos atacados (folhas, frutos e órgãos de reserva) inibidores para as enzimas digestivas dos insetos fitófagos. Uma vez que a enzima é inibida, a assimilação de nutrientes pelos insetos é reduzida e, conseqüentemente, o desenvolvimento dessas pragas é afetado. Essa, assim como outras características das plantas (físicas, morfológicas e/ou químicas), podem interferir positiva ou negativamente nas interações entre artrópodes e plantas hospedeiras, possibilitando o desenvolvimento de cultivares resistentes a pragas, mesmo sem serem conhecidas as causas da resistência. Entretanto, durante muito tempo, utilizou-se o melhoramento vegetal somente com o objetivo de aumentar a produção, em detrimento de características de resistência a pragas, motivado pela Revolução Verde, sendo os produtos gerados altamente dependentes de insumos agropecuários.

 

Existem várias definições para resistência de plantas a insetos (RPI) (Rosseto, 1973). De acordo com Painter (1951), é a soma relativa das qualidades hereditárias da planta, a qual influencia o resultado do grau de dano que o inseto causa. Os primeiros relatos sobre resistência de plantas frutíferas a insetos datam de 1831, em macieira (Winter Majetin) em relação ao pulgão lanígero (/Eriosoma lanigerum/). O segundo registro, na metade do século 19, envolveu também um pulgão (/Phylloxera vitifoliae/) em videira. O controle desta praga foi registrado em 1890 por meio de porta-enxerto resistente. Esse é um dos exemplos clássicos de aplicação da resistência de plantas a insetos. A partir desta data, intensificaram-se os estudos sobre esse tema. Entretanto, com o advento dos inseticidas organoclorados nas décadas dos 40-60, a evolução dos estudos em resistência de plantas a insetos, assim como alternativas de manejo de pragas, foi prejudicada devido à expansão da agricultura convencional (Revolução Verde). Porém, o uso indiscriminado desses agrotóxicos de largo espectro e longo período residual, além de onerar a produção, pode colocar em risco a saúde dos aplicadores, consumidores e exercer forte pressão de seleção sobre os artrópodes, favorecendo a seleção de biótipos resistentes, estimulando pesquisas sobre outras táticas de manejo de pragas.

 

Embora, atualmente, a sociedade esteja atenta e exigente em relação à origem do produto que consome, ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas nos sistemas de produção agrícola. A conscientização da população para a necessidade de rastreabilidade e controle de qualidade do produto agrícola requer investimentos cada vez mais freqüentes em pesquisa direcionada para a sustentabilidade do agroecossistema. Assim, a adoção de sistemas de produção não convencionais ou de transição tem proporcionado boas oportunidades de desenvolvimento, além de garantia de mercado, a exemplo do que se observa para a produção integrada e orgânica, com enfoque agroecológico. Um dos pilares da produção integrada é a aplicação do manejo integrado de pragas (MIP), destacando-se, dentre as táticas disponíveis, a resistência de plantas a insetos. Por outro lado, para o sistema orgânico, a resistência de plantas a insetos está posicionada como estratégia prioritária no manejo de pragas (Zehnder et al., 2007).

 

Embora com menor visibilidade do que outras estratégias como o controle biológico, o uso de variedades resistentes é considerado o método ideal de controle de pragas, pois, além de ser compatível com outras técnicas de controle, não representa nenhum ônus ao produtor e ainda dispensa a necessidade de conhecimentos específicos do agricultor (Lara, 1991; Baldin & Boiça Júnior, 1999).

 

Atualmente, com a evolução das técnicas moleculares de caracterização de genótipos e dos recursos complementares como ferramentas de apoio ao estudo das interações inseto-planta hospedeira, são cada vez mais frequentes as incursões dos entomologistas no campo das plantas transgênicas resistentes a insetos. Avanços na fronteira do conhecimento representam saltos de produtividade significativos, entretanto, deve-se levar em consideração a relativa falta de conhecimentos básicos sobre a diversidade genética natural nas fruteiras consideradas, sem o que programas de melhoramento podem não gerar resultados satisfatórios.

 

Em relação aos estudos sobre resistência de frutíferas a insetos, pode-se afirmar que, no Brasil, ainda são escassos, restringindo-se especialmente a algumas espécies de fruteiras e de insetos. Adicionalmente, verifica-se um maior avanço nas pesquisas com relação à resistência de espécies frutíferas a patógenos, especialmente fungos, a exemplo de cultivares de bananeira, cacaueiro, abacaxizeiro, maracujazeiro, mangueira, citros etc.

 

As principais razões limitantes para o avanço das pesquisas em resistência de plantas a artrópodes são:

 

1. Ciclo relativamente longo das hospedeiras, com as seguintes implicações:

 

- dificuldade de trabalho com pragas de partes reprodutivas (conflitos)

- logística para realização de ensaios em campo (mão-de-obra, infraestrutura)

- adequação e grau de conveniência de métodos biológicos ou químicos

- efeito das pragas sobre produtividade e/ou rendimento (tolerância);

 

2. Espaçamentos largos entre plantas, requerendo grandes áreas;

 

3. Baixa integração entre melhoristas e entomologistas

 

Por outro lado, o agroecossistema representado pelos pomares, constituído por plantas perenes ou semiperenes, de maneira geral, oferece perspectivas adequadas para a utilização da resistência como uma ferramenta de manejo de pragas, visto possibilitar a permanência dos insetos-praga durante o ano todo, viabilizando substrato para a multiplicação de inimigos naturais. Nesse aspecto, a busca de materiais com resistência moderada deve ser enfatizada, para permitir a integração de diferentes táticas de manejo. Além disso, o emprego de armadilhas confeccionadas com cultivares altamente suscetíveis pode contribuir para a redução da população da praga e, consequentemente, dos danos causados.

 

Outro aspecto que merece ser considerado diz respeito à falta de padronização de metodologias para avaliação de resistência, como por exemplo, à broca-do-rizoma da bananeira (/Cosmopolites sordidus/) (Mesquita & Caldas, 1986; Seshu-Reddy & Lubega, 1993; Fogain & Price, 1994; Ortiz et al., 1995; Pavis & Lemaire, 1996). Embora, em condições de campo, todas as variedades sejam infestadas, existem trabalhos que mostram diferenças quanto a desenvolvimento, sobrevivência e atratividade para a oviposição de /C. sordidus/ em função dos genótipos (Mesquita & Caldas, 1986; Traoré et al., 1996). Prolongamento do período de desenvolvimento larval e, consequentemente, redução do número de gerações da praga e redução na viabilidade do inseto são importantes variáveis relacionadas à inadequação do substrato.

 

Dessa forma, trabalhos com resistência de plantas frutíferas a insetos têm sido pontuais, abordando aspectos comportamentais ou da biologia de espécies em diferentes genótipos da cultura. Os resultados referem-se mais ao conhecimento das interações artrópodes-planta hospedeira e à identificação dos tipos de resistência do que ao desenvolvimento e à recomendação de cultivares comerciais para os produtores. Apesar disso, esses estudos têm contribuído significativamente para o aumento da visibilidade da RPI no contexto do manejo integrado de pragas, conforme pode ser verificado pelo aumento do número de profissionais em treinamento nessa disciplina no Brasil e no exterior. No Brasil, não há resultados de pesquisa envolvendo frutíferas transgênicas com resistência a artrópodes. Por esse motivo, os avanços em RPI têm subsidiado basicamente os programas de melhoramento clássico.

 

Com a atual expansão da fruticultura no país, disponibilidade de metodologias para produção de mudas “in vitro” e tecnologias para irrigação, permitindo a exploração de biomas pouco favoráveis à atividade, verifica-se um crescente interesse por cultivares melhoradas, inclusive no que se refere à resistência a artrópodes.

 

Apesar da existência de inúmeros acessos de frutíferas e ampla variabilidade genética em bancos de germoplasma, é restrito o número de cultivares utilizadas em nosso país. Assim, faz-se necessária a avaliação de novos genótipos introduzidos e/ou gerados em programas de melhoramento (Alves et al., 1995). Entretanto, a evolução do conhecimento científico deve estar pautada na integração das diversas disciplinas necessárias ao desenvolvimento de cultivares (melhoristas, entomologistas, fisiologistas, biologistas, fitopatologistas, nematologistas), assim como deve resgatar os saberes locais, considerando o agroecossistema como resultante das interações entre os organismos vivos e o meio físico.

 

Dessa forma, sugere-se a formação de uma rede de pesquisa sobre RPI em frutíferas, com o objetivo de fortalecer os programas de melhoramento vegetal no Brasil.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALVES, E.J.; DANTAS, J.L.L.; SOARES FILHO, W. dos S.; SILVA, S. de O. e; OLIVEIRA, M. de A.; SOUZA, L. da S.; CINTRA, F.L.D.; BORGES, A.L.; OLIVEIRA, A.M.G.; OLIVEIRA, S.L.de; FANCELLI, M., CORDEIRO, Z.J.M., SOUZA, J.da S. Banana para exportação: aspectos técnicos da produção. Brasília: EMBRAPA-SPI, 1995. 106 p. (FRUPEX. Série Publicações Técnicas, 18).

 

BALDIN, E.L.L.; BOIÇA JÚNIOR, A.L. Desenvolvimento de /Holhymenia histrio/ (Fabr.) (Hemiptera: Coreidae) em frutos de cinco espécies de maracujazeiro (Passiflora spp.). *Anais da Sociedade Entomológica do Brasil*, v.28, n.3, p.421-427, Set. 1999.

 

FOGAIN, R.; PRICE, N.S. Varietal screening of some /Musa/ cultivars for susceptibility to the banana borer weevil. *Fruits*, v. 49, n. 4, p. 247-251, 1994.

 

LARA, F.M. Princípios de resistência de plantas a insetos. São Paulo, Ícone, 1991, 336p.

 

MESQUITA, A.L.M.; CALDAS, R.C. Efeito da idade e da cultivar de bananeira sobre a biologia e preferência do /Cosmopolites sordidus/ (GERMAR, 1824) (Coleoptera, Curculionidae). *Fruits*, v. 41, n. 4, p. 245-249, 1986.

 

ORTIZ, R.;VUYLSTEKE, D.; DUMPE, B.; FERRIS, R.S.B. Banana weevil resistance and corm hardness in /Musa/ germplasm. *Euphytica*, v. 86, p. 95-102, 1995.

 

PAINTER, R.H. *Insect resistance in crop plants*. Lawrence: The University Press of Kansas, 1951. 520p.

 

PAVIS, C.; LEMAIRE, L. Resistencia de los bananos al picudo negro /Cosmopolites sordidus/ Germar (Coleoptera: Curculionidae). *Infomusa*, v.5, n.2, p.3-9, 1996.

 

ROSSETTO, C.J. *Resistência de plantas a insetos*. Piracicaba: ESALQ, 1973. 171p. (Mimeografado).

 

SESHU-REDDY, K.V.; LUBEGA, M.C. Evaluation of banana cultivars for resistance to/tolerance of the weevil /Cosmopolites sordidus/ Germar. In: GANRY, J. (ed.). *Breeding Banana and Plantain for Resistance to Disease and Pests*. Montpellier: CIRAD/INIBAP, 1993. p.143-148.

 

TRAORÉ, L.; GOLD, C.S.; BOIVIN, G.; PILON, J.G. Développement postembyonnaire dus charançon du bananier, /Cosmopolites sordidus/. *Fruits*, v.51, n.2, p.105-113, 1996.

 

ZEHNDER; G.; GURR, G.M.; KÜHNE, S.; WADE, M.R.; WRATTEN, S.D.; WYSS, E. Arthropod pest management in organic crops. *Annual Review of Entomology*, v.52, p.57-80, 2007.

 

 


Marilene Fancelli possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo (1986), mestrado em Entomologia pela Universidade de São Paulo (1990) e doutorado em Entomologia pela Universidade de São Paulo (2001). Atualmente é pesquisador A da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Entomologia Agrícola, atuando principalmente nos seguintes temas: pragas, fitossanidade, manejo, mosca-branca e Musa spp..

Contato: fancelli@cnpmf.embrapa.br

 

Edmilson Santos Silva possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal da Bahia (2000), mestrado e doutorado em Entomologia pela Universidade de São Paulo (2003, 2007 respectivamente) e atualmente é Professor Adjunto I da Universidade Federal de Alagoas. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fitossanidade, atuando principalmente nas seguintes áreas: Acarologia (Taxonomia, levantamento de espécies, biologia, controle biológico e químico); Nematologia (Taxonomia e levantamento de espécies); Zoologia geral e Entomologia geral.

Contato: silva_es@yahoo.com.br

 

André Luiz Lourenção possui graduação em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1976), mestrado em Entomologia Agrícola pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1980) e doutorado em Entomologia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1994). Atualmente é pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fitossanidade, atuando principalmente nos seguintes temas: entomologia agrícola, resistência de plantas a insetos e mosca-branca. Bolsista CNPq de Produtividade em Pesquisa 1C

Contato: andre@iac.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

FANCELI, M.; SILVA, E.S.; LOURENÇÂO, A.L.  Resistência de frutíferas a insetos. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_4/ResistenciaInsetos/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 15/12/2009

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