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Intoxicação por organofosforados em bubalinos  

  Maria Cecília Florisbal Damé

 

 

Os bubalinos, apesar de demonstrarem resistência a algumas enfermidades, apresentam uma maior sensibilidade aos organofosforados, levando a quadros graves de intoxicação com alta mortalidade, principalmente em aplicações “pour on”.

Os organofosforados são compostos orgânicos, usados tanto na agricultura quanto na pecuária como inseticidas e antiparasitários. Os princípios ativos mais freqüentemente usados são: metaminofós, dimixion, fenitrotion, fention, fosfomet, triclorfon, clorfenvinfos, ethion, diazinon e clorpirifós. Esses compostos podem ser absorvidos pelo organismo animal pela via digestiva, por inalação ou por contato com a pele ou mucosas.

Esses produtos agem no impulso nervoso, inibindo a enzima colinesterase, levando ao acúmulo de acetilcolina nos tecidos. Esse acúmulo é responsável pelos sinais clínicos: muscarínicos, caracterizados por salivação, sudorese, diarréia, tenesmo, dispnéia e bradicardia; nicotínicos que se manifestam com tremores, tetanias, rigidez muscular, paresia e paralisia; e os do sistema nervoso central que causam inquietação, ataxia, convulsão, depressão e coma. A morte ocorre por insuficiência cardíaca e respiratória. Esses sintomas aparecem em poucas horas e até dois dias após a exposição ao produto.

Existe outra forma de intoxicação, muito observada em fumicultores, que é a neurotoxidade tardia induzida por organofosforados, que ocorre entre uma e quatro semanas até poucos meses após a exposição ao produto. Para que ocorra esse tipo de intoxicação é necessário o uso de compostos da classe dos chamados organofosforados neurotóxicos. Ou seja, compostos capazes de inibirem além da enzima colinesterase, também uma enzima específica do tecido nervoso denominada de esterase neurotóxica e de induzirem a reação de “envelhecimento”, que é a reação que evidencia os sintomas, que se caracterizam por ataxia e paralisia dos membros, devido a lesões degenerativas nos nervos periféricos e da medula espinhal. Dentre os compostos conhecidos como neurotóxicos estão: clorpirifós, fention, triclorfon, leptofós, mipafós, metamidofós, diclorvós e paration. O clorpirifós não é recomendado para machos inteiros com mais de 8 meses de idade, porque o hormônio masculino, testosterona, potencializa a ação desse organofosforado.

Essa maior sensibilidade dos búfalos aos organofosforados é conhecida desde 1971 quando morreram em torno de 1300 búfalos, no delta do rio Nilo, no Egito, intoxicados com leptofós, utilizado como herbicida. O grau de toxicidade dos organofosforados difere muito entre bubalinos e outras espécies animais e dados de toxidade estabelecidos para bovinos não devem ser extrapolados para búfalos.

No Rio Grande do Sul, vem ocorrendo casos de intoxicação por esse agente, utilizado para combater infestações por piolho (Haematopinus tuberculatus), principalmente em aplicações no dorso (“pour on”). O primeiro relato ocorreu em 1994, em touros, tratados com o princípio ativo fention, na dosagem de 10mg/kg de peso vivo (PV) com 14,0% de mortalidade.

Em 2008, foi diagnosticado um caso grave de intoxicação por organofosforado, com mortalidade de 22,8%. Foi aplicado clorpirifós na dosagem de 12mg/kg de PV. Os sinais clínicos apareceram entre 7 e 45 dias após o tratamento e caracterizaram-se por anorexia, diarréia, salivação intensa, incoordenação motora, tremores musculares, paresia e paralisia flácida, decúbito permanente e morte. Os animais morreram entre 24 horas e cinco dias após o início dos sintomas.

A partir da divulgação desse caso, outros relatos surgiram. Em 2003, a intoxicação também foi devido ao uso clorpirifós, mas na dosagem de 7mg/kg PV e a mortalidade foi de 10,0%. Em 2007, ocorreu intoxicação em búfalos em resteva de melancia. Morreu um animal adulto (3,0%) e todos os terneiros que nasceram no local (12 animais). Após a retirada dos bubalinos dessa área, as mortes cessaram.

Já em 2009 ocorreram mais dois casos de intoxicação com o clorpirifós na dosagem de 7mg/kg de PV, com mortalidade de 22,6% e 6,7%. No primeiro caso foram realizadas duas aplicações do produto com intervalo de 18 dias, no segundo caso apenas uma aplicação que foi seguida de chuva, o que interfere na sua absorção.

Nos casos mencionados de intoxicação, com aplicação pour on, acredita-se que tenha ocorrido a neurotoxidade tardia induzida por organofosforados, pois os sintomas apareceram em uma semana após a exposição ao produto e o principal sinal clínico foi a paralisia.

Não existe tratamento no caso da neurotoxidade tardia induzida por organofosforados, pois quando os sintomas aparecem já houve a lesão nos neurônios, que é irreversível. Nas intoxicações agudas são recomendados: sulfato de atropina para os sinais muscarínicos e oximas para os sintomas nicotínicos.

A erradicação do piolho (Haematopinus tuberculatus) pode evitar problemas de intoxicação por organofosforados. Para essa erradicação podem ser usados produtos do grupo das lactonas macrocíticas: ivermectina, doramectina, moxidectina e abamectina (não tratar terneiros com menos de quatro meses de idade e peso inferior a 100 kg com abamectina e ter cuidado com a de longa ação). O importante é que o produto seja aplicado em todos os animais do rebanho, num intervalo de uma semana, para evitar reinfestação pelo contato de animais tratados com animais infestados por esse parasita.

Os medicamentos existentes no mercado não possuem indicação para bubalinos. Normalmente, utiliza-se a indicação e a posologia dos bovinos, sendo que as vezes, por falta de conhecimento, podem ocorrer problemas. Devido à maior sensibilidade da espécie aos organofosforados, não é recomendado o uso desses produtos em bubalinos.

 


Maria Cecília Florisbal Damé possui mestrado em Medicina Vetrinária pela Universidade Federal de Pelotas (1987) . Atualmente é pesquisador do Centro de Pesquisa Agropecuária de Clima Temperado e Técnico do Associação Brasileira de Criadores de Búfalos. Tem experiência na área de Medicina Veterinária , com ênfase em Reprodução Animal. Atuando principalmente nos seguintes temas: búfalos fisiologia da reprodução puberdade. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/5514814201258695

Contato: cecilia@cpact.embrapa.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

DAMÉ, M.C.F.  Intoxicação por organofosforados em bubalinos. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_1/bubalinos/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 25/01/2010