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Viróides como alternativa para a indução de nanismo em citros

Marcelo Eiras
Simone R. Silva
Eduardo S. Stuchi
Maria L.P.N. Targon
Sérgio A. Carvalho

Os viróides são os menores sistemas genéticos capazes de se replicar no interior de uma célula e, até o momento, encontram-se confinados ao Reino Vegetal. São constituídos por um pequeno RNA (246-401 nt) de fita simples, circular, que não codifica proteínas, sendo totalmente dependentes do hospedeiro para cumprir as etapas do seu ciclo infeccioso. Os viróides são classificados, de acordo com propriedades biológicas e moleculares, em duas famílias: Pospiviroidae e Avsunviroidae. Esses patógenos causam doenças em culturas de importância econômica, sendo que seus efeitos podem ser devastadores ou, em alguns casos, a infecção pode ser latente. Os sintomas induzidos por viróides são similares àqueles causados por vírus de plantas, sendo os mais comuns: epinastia, clorose e deformações em folhas, frutos e caule, além de nanismo². Os viróides estão entre os patógenos importantes dos citros com cinco espécies, todas pertencentes à Família Pospiviroidae: Citrus exocortis viroid (CEVd), Citrus bent leaf viroid (CBLVd), Citrus dwarfing viroid (CDVd), Hop stunt viroid (HSVd) e Citrus bark cracking viroid (CBCVd), além do Citrus viroid original source (CVd-OS) e o Citrus viroid V (CVd-V), propostas como espécies tentativas1. Há duas doenças descritas em variedades de citros de importância econômica: (i) a “exocorte”, causada pelo CEVd; (ii) e a “xiloporose”, causada por variantes específicas do HSVd. O controle dos viróides em citros é baseado em programas de indexação e limpeza de material de propagação¹.

Estrutura secundária da molécula de RNA circular do Citrus exocortis viroid, gênero Pospiviroid, familia Pospiviroidae, com 371 nucleotídeos, apresentando os domínios Terminal Esquerdo(TL), Patogenicidad (P), Central(C), Variável(V) e Terminal Direito(TR)

Os sintomas mais comuns em citros são lesões na casca do tronco ou galhos (fendas, caneluras, escamas, descamação, exsudações e impregnações de goma). Os frutos das plantas infectadas podem apresentar alterações na forma e tamanho, e na casca podem aparecer manchas, cancros e suberização. A planta pode apresentar entrenós curtos e um menor desenvolvimento (nanismo). Em campo, a exocorte dos citros caracteriza-se pelo aparecimento de caneluras verticais, escamação e descamação da casca, manchas amarelas nos brotos e nanismo em Poncirus trifoliata e híbridos do grupo citrange, algumas variedades de lima e limão, limão ‘Cravo’, toranja e limeira ácida ‘Tahiti’. Nas combinações afetadas por determinados variantes do CEVd, a copa pode apresentar definhamento, alteração na coloração das folhas e redução de crescimento¹.

Plantas de limeira ácida ‘Tahiti’ infectadas pelo Citrus exocortis viroid (CEVd) apresentando nanismo (N) ao lado de planta de ‘Tahiti’ sadia (S)

O hábito de crescimento natural dos cítricos é ereto, mas em plantações de alta densidade as plantas desenvolvem copas menores e tendem a crescer em altura. Portanto, a manutenção das árvores com até 2,5 m de altura permitiria: (i) a diminuição do uso de escadas, com redução de custos; (ii) melhor utilização das terras; (iii) maior segurança no trabalho; (iv) maior produtividade. Pomares de plantas anãs seriam mais apropriados para altas densidades de plantio, pois evitariam os problemas derivados da superpopulação e competição decorrente de combinações vigorosas. O tamanho, vigor e hábito de crescimento das plantas são determinados por diversos fatores como variedade, porta-enxerto, condições de solo e clima, poda e outros tratos culturais. Existem diversas possibilidades para se conseguir o controle do tamanho das plantas nas explorações citrícolas, entre elas destacam-se: (i) emprego de porta-enxertos ananicantes ou de vigor mediano; (ii) interenxertos de gêneros afins ou do gênero Citrus; (iii) uso de agentes biológicos, entre eles os viróides.

Normalmente, a associação de viróides com espécies botânicas de importância econômica resulta no desenvolvimento de doença. Entretanto, em um número limitado de interações, a presença de um viroide pode trazer vantagens econômicas. No caso dos citros, essas interações podem ser observadas com determinadas espécies de viróides e combinações de copa/porta-enxerto, sendo notável a indução de nanismo sem resultar em perda da qualidade dos frutos e sem afetar significativamente a produção. Os viróides vêm sendo estudados como agentes indutores de nanismo em citros em diversos países, inclusive no Brasil, sendo recomendados comercialmente para esse fim na Austrália, Israel e Estados Unidos4,5.

Na citricultura australiana, o nanismo das plantas enxertadas sobre P. trifoliata podia ocorrer sem a presença de sintomas característicos de exocorte e, portanto, foi sugerido que seria devido à ocorrência de “agentes indutores de nanismo transmissíveis por enxertia” (graft transmissible dwarfing agents, GTDA) distintos da exocorte. No início, muitos dos GTDA empregados eram misturas de diferentes viróides que induziam distintos graus de nanismo, podendo ou não causar descamação em P. trifoliata. A hipótese de que alguns viróides pudessem ser agentes infecciosos sem efeitos deletérios, levantou a possibilidade de explorá-los para influenciar o porte das árvores. Isto ganhou força devido à grande disponibilidade natural de viróides e aos ensaios realizados de forma empírica na Austrália e Israel com os GTDA, antes da caracterização do complexo de viróides dos citros. Posteriormente, os viróides eram previamente identificados para serem inoculados em plantas livres de vírus, viróides e outros patógenos.

No uso comercial de plantas inoculadas com viróides é importante considerar: (i) a fonte de inóculo; (ii) a época de inoculação; (iii) o porta-enxerto empregado; (iv) a presença de outros patógenos ou mesmo outros viróides. A época de inoculação é um fator crítico, já que quanto mais precoce é feita a inoculação maior o nanismo causado. Plantas ananicadas por GTDA apresentam algumas limitações como: (i) falta de conhecimento dos efeitos em longo prazo e do potencial de cada viroide e das suas diferentes mesclas; (iii) viróides que apresentam diferenças de poucos nucleotídeos podem induzir sintomas distintos; (iv) devido à facilidade de transmissão mecânica, os viróides podem se disseminar rapidamente por um pomar, (v) um fator ananicante efetivo para laranja pode ser restritivo para limões. Apesar das desvantagens e riscos apontados, decorrentes da introdução de um patógeno no campo, a utilização dos viróides como GTDA tem sido uma alternativa interessante de manejo da cultura dos citros. Um viroide para ser empregado como GTDA deve preencher os seguintes requisitos: (i) ser endêmico; (ii) geneticamente estável; (iii) ter um círculo de hospedeiros restrito e (iv) não apresentar efeitos sinérgicos com outros patógenos. Portanto, dos viróides de citros conhecidos, o CDVd parece ser o mais indicado como GTDA, pois induz exclusivamente nanismo em diferentes combinações copa/porta-enxerto.

A área plantada com limeira ácida ‘Tahiti’ ocupa mais de 47.000 hectares com um rendimento médio de 12,3 toneladas por hectare, sendo o estado de São Paulo responsável por 80% da produção nacional. As exportações brasileiras de limas ácidas alcançaram cerca de 58.000 toneladas em 2007³, permitindo a inserção de pequenos produtores, muitos de natureza familiar, num negócio global com consequentes benefícios em termos de renda. Pomares de plantas anãs são preferidos pelos produtores de limas ácidas, sendo mais apropriados para altas densidades de plantio, pois evitam os problemas derivados da competição decorrente de combinações vigorosas.

A importância econômica dos citros e o pouco conhecimento da diversidade genética dos viróides e do potencial de utilização do CDVd como GTDA, foram os fatores determinantes para a formação de um grupo envolvendo pesquisadores do Instituto Biológico, Instituto Agronômico de Campinas, Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, formalizado após a aprovação de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq. Os resultados permitiram que se avançasse no conhecimento da diversidade desses patógenos no campo, sendo selecionados clones de ‘Tahiti’ Quebra-galho, com potencial para serem utilizados como matrizes. Esforços para obtenção de recursos para continuidade nesta linha de pesquisa estão sendo feitos. Experimentos que se encontram em campo, com diferentes combinações de copa/porta-enxerto, continuarão a ser avaliados quanto à diversidade das populações dos viróides e quanto às características agronômicas. Plantas de ‘Tahiti’ Quebra-galho foram selecionadas e serão utilizadas como matrizes para a propagação de borbulhas contendo viróides, os quais foram devidamente identificados e caracterizados por potentes técnicas moleculares desenvolvidas com o projeto.

Bibliografia citada

 

1. Eiras, M.; Silva, S.R.; Stuchi, E.S.; Targon, M.L.P.N.; Carvalho, A.S. Viróides em citros. Tropical Plant Pathology, v.34, 2009. (no prelo)

2. Flores, R.; Owens, R.A. Viroids. In: Mahy, B.W.J.; Van Regenmortel, M.H.V. (Eds.). Encyclopedia of Virology, Oxford: Elsevier, 2008. p.332-342.

3. FNP Consultoria & Comércio. Agrianual 2009: Anuário estatístico da agricultura brasileira. São Paulo: FNP, 2009. 497p.

4. Hutton, R.J.; Broadbent, P.; Bevington, K.B. Viroid dwarfing for high density plantings. Horticultural Reviews, v.24, p.277-317, 2000.

5. Stuchi, E.S.; Silva, S.R.; Donadio, L.C.; Sempionato, O.R.; Reiff, E.T. Field performance of ‘Marsh Seedless’ grapefruit on trifoliate orange inoculated with viroids in Brazil. Scientia Agricola, v.64, p.582-588, 2007.

 

Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Marcelo Eiras possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo (1991), Mestrado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília (1997) e Doutorado em Agronomia pela Universidade de São Paulo (2006). Realizou estágios de aperfeiçoamento em Virologia Vegetal no Instituto Biológico (1992-1995) e Embrapa Hortaliças (1997-1998) como bolsista da Fapesp e CNPq. Realizou estágio de aperfeiçoamento em técnicas de isolamento, purificação e clonagem de pequenos RNAs e estudo de interação molecular RNA-proteína no Instituto de Biologia Molecular e Celular de Plantas, Universidade Politécnica de Valencia, CSIC, Valencia, Espanha (2004-2005). Atualmente é Pesquisador Científico (nível V) lotado no Laboratório de Fitovirologia e Fisiopatologia do Instituto Biológico de São Paulo. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fitopatologia, atuando principalmente nos seguintes temas: (i) interação de viróides com fatores do hospedeiro; (ii) identificação e caracterização de viróides e pequenos RNAs; (iii) identificação e caracterização de vírus de plantas; (iv) desenvolvimento de ferramentas moleculares para diagnóstico de vírus e viróides; (v) avaliação de genótipos para resistência a vírus.
Contato: eiras@biologico.sp.gov.br

 

 

Simone Rodrigues da Silva possui graduação em Engenharia Agronômica pela Faculdade de Agronomia Dr. Francisco Maeda (2000), mestrado em Agronomia (Genética e Melhoramento de Plantas) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003) e doutorado em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2007). Atualmente é Professora na área de Fruticultura do Departamento de Produção Vegetal da ESALQ-USP. Tem experiência na área de Fitotecnia, com ênfase em Citricultura, atuando principalmente nos assuntos variedades, clorose variegada dos citros, lima ácida Tahiti e viróides e Fruticultura na área de propagação e fruteiras de espécies frutíferas.

 

 

Eduardo Sanches Stuchi possui graduação em Agronomia pela Universidade de São Paulo (1985), especialização e master em Citricultura pela Universidade Politécnica de Valência (1993), mestrado (1996) e doutorado (1999) em Agronomia - Produção Vegetal pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é pesquisador A da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical) e diretor científico da Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB). Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Citricultura, atuando principalmente nos seguintes temas: porta-enxertos e variedades, manejo e tratos culturais. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2

 

 

Maria Luisa Penteado Natividade Targon Graduação em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1979), Mestrado (1991) e Doutorado (1997) em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é Pesquisadora nível VI, Diretora da Unidade Laboratorial de Referência e Diretora substituta do Centro APTA Citros - Instituto Agronômico. Responsável pela implantação da ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 na Clínica Fitopatológica e Laboratório de Qualidade e Pós-colheita de Citros, e da ABNT NBR ISO 9001:2008 no Centro APTA Citros. Tem experiência na área de Genética, com ênfase em Biologia Molecular, atuando principalmente nos seguintes temas: vírus da tristeza dos citros, viróides e genômica. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2

Contato: luisa@iac.sp.gov.br

 

 

Sérgio Alves de Carvalho concluiu o doutorado em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal de Lavras em 1994. Atualmente é Pesquisador Cientifico VI do Instituto Agronômico de Campinas. Publicou 77 artigos em periódicos especializados e 235 trabalhos em anais de eventos e 8 capítulos de livros publicados. Participou de 4 eventos no exterior e 259 no Brasil, colaborando na organização de 21. Orientou 1 Dissertação de Mestrado, co-orientou 3 dissertação de mestrado, 2 teses de doutorado, alem de ter orientado 76 trabalhos de iniciação cientifica e 5 trabalhos de conclusão de curso na área de Agronomia e Biologia. Recebeu 4 prêmios e/ou homenagens. Entre 1987 e 2009 participou de 27 projetos de pesquisa, sendo que coordenou 17 destes. Atualmente participa de 5 projetos de pesquisa, sendo que coordena 3 destes. Atua na área de Agronomia, com ênfase em Melhoramento, Propagação e Fitopatologia, colaborando com Cursos de Graduação e Pós-Graduação orientando atualmente bolsistas de IC e co-oreintando Tese de Doutorado na UFV. Editor Associado das Revistas Bragantia e Laranja e revisor ah hoc FAPESP, FAPEMIG, FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA, CNPq e de periódicos científicos. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção cientifica, tecnológica e artístico-cultural são: citros, sanidade, melhoramento, propagação, matrizes, borbulheiras, viroses, material básico, mudas certificadas.

Contato: sergio@iac.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

EIRAS, M.; SILVA, S.R. da; TARGON, M.L.P.N.; CARVALHO, S.A.  Viróides como alternativa para a indução de nanismo em citros. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_1/ViróidesCitros/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 01/02/2010

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