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Avaliação do potencial de impacto dos agrotóxicos no meio ambiente

Deise Helena Baggio Ribeiro
Eliane Vieira
 

Os agrotóxicos são desenvolvidos com objetivo de obter moléculas com propriedades únicas, como estabilidade térmica, à luz e/ou atividade biológica. Uma vez introduzidos no ambiente, podem se tornar poluentes em consequência da sua toxicidade ou de seus produtos de degradação. A necessidade de uma produtividade elevada tem levado a utilização cada vez maior dessas moléculas na agricultura o que pode causar impactos ao ambiente.

As substâncias usadas no controle de pragas e doenças em ambientes agrícolas, urbanos, hídricos e industriais são potencialmente nocivas, podendo ser cancerígenas, mutagênicas, teratogênicas e mimetizadoras de hormônios. Por isso, há uma crescente preocupação associada à sua presença no meio ambiente, haja vista os possíveis impactos na qualidade das águas superficiais e subterrâneas e do solo.

O maior risco de efeitos indesejados dos agrotóxicos ocorre por meio da contaminação do sistema hidrológico, que mantém a vida aquática e as cadeias alimentares a ele relacionadas. Principalmente tendo-se em vista que a água é indispensável para praticamente todas as atividades humanas, das quais se destacam o abastecimento doméstico e industrial, a irrigação agrícola, a geração de energia elétrica e as atividades de lazer e recreação, além da preservação da flora e fauna.

A água é uma das vias primárias pelas quais os agrotóxicos são transportados dos locais que foram aplicados para outros compartimentos do ciclo hidrológico. Os contaminantes podem atingir as águas superficiais - por meio do escoamento das águas da chuva e da irrigação; ou subterrâneas - pela drenagem e percolação (passagem lenta de um líquido através de um meio filtrante) no solo. Além disso, o solo representa uma fonte da qual resíduos de agrotóxicos podem ser liberados para a atmosfera, águas subterrâneas e organismos vivos, uma vez que estes podem utilizar esses compostos como fonte de carbono. A Figura 1 ilustra o movimento dos agrotóxicos no ciclo hidrológico.

Fig. 1: Movimento dos agrotóxicos no ciclo hidrológico

Os impactos ambientais sobre o solo, água e sua microbiota causados pelo uso dos agrotóxicos estão relacionados principalmente com o tempo de permanência de seus resíduos acima do necessário para exercer sua ação. A persistência, por sua vez, é resultado da ausência de processos que modificam a estrutura química dos compostos e promovem sua dissipação, e é dependente de processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem no próprio ambiente.

O comportamento dos agrotóxicos no ambiente edáfico (relativo ao solo) é governado por três fatores principais: estrutura química e propriedade dos compostos; características físicas, químicas e biológicas do solo; e condições ambientais. Uma vez lançados no ambiente, os compostos têm distribuição complexa, determinada pela dinâmica dos processos de partição entre suas fases: a fase aquosa e a biota, a fase aquosa e o sedimento, e o sedimento e a biota residente. O efeito e a magnitude decorrentes do uso de agrotóxicos no ambiente dependem basicamente dos processos de retenção, transferência, transporte e transformações que ocorrem em cada compartimento do sistema solo-água-planta-atmosfera.

No processo de transporte (volatilização, lixiviação e escorrimento superficial), os compostos orgânicos sofrem muitas alterações na quantidade (concentração) que pode diminuir (por meio de diluição, ex.: na água), aumentar (reconcentração através de evaporação do meio em que ele foi solubilizado) ou ainda sofrer transferência de fase. No que se refere à quantidade dos compostos durante o transporte, os compostos podem ser molecularmente alterados em função de processos como a degradação (bio e fotodegradação) e das múltiplas reações químicas de que eles podem participar, aumentar, diminuir ou mesmo inativar seu poder tóxico.

O conhecimento das propriedades químicas e físicas dos contaminantes orgânicos é necessário para prever onde possivelmente encontraremos maiores concentrações dos agrotóxicos nos diferentes compartimentos do ecossistema. Porém, também é importante para entender o significado dessas concentrações e a razão de somente algum deles concentrarem toda atenção de risco ambiental.

As propriedades químicas dos agrotóxicos mais importantes na dinâmica desses processos são: meia vida, solubilidade em água, coeficiente de adsorção à matéria orgânica do solo [o coeficiente de adsorção (Kd) é calculado pela relação entre a quantidade de agrotóxico adsorvido no solo e a quantidade de agrotóxico na água em equilíbrio], hidrólise, volatilidade e reatividade.

Aproximadamente um terço de todos os compostos orgânicos produzidos tem como destino final (não intencional) o meio ambiente, incluindo a água. Cerca de 800 compostos químicos, incluindo mais de 600 compostos orgânicos, muitos dos quais biologicamente ativos, têm sido detectados em amostras de água. Destes, 118 agentes químicos são considerados mundialmente como prioritários para efeito de controle ambiental.

Além dos fatores relacionados com o comportamento dos agrotóxicos no meio ambiente, deve-se levar em conta também as informações toxicológicas das moléculas em questão. A maioria dos agrotóxicos demonstra atividade bioquímica também em espécies não-alvo e por isso seu potencial de transporte também preocupa.

A melhor forma de avaliação do potencial de impacto dos agrotóxicos no meio ambiente é a realização de estudos de monitoramento em campo bem delineados, com coletas frequentes e regulares, durante um longo período de tempo. Entretanto, esse processo requer tempo e recursos elevados para geração dos dados e obtenção das respostas.

A adoção de modelos preditivos na avaliação do risco de contaminação do ecossistema aquático pode reduzir as dificuldades de um monitoramento, porque permite entender o comportamento dos agrotóxicos no ambiente e, dessa forma, selecionar locais com maior vulnerabilidade e os princípios ativos com maior potencial de impactar o ambiente hídrico.

Os modelos matemáticos - conjuntos de conceitos, sob a forma de equações matemáticas que retratam compreensão dos fenômenos naturais - podem ser instrumentos úteis, porém precisam ser aplicados corretamente. Os modelos físicos, quando combinados com modelos matemáticos, podem fazer uma ligação entre a previsão pura da contaminação e os ensaios de campo.

A preocupação com a contaminação de ambientes aquáticos aumenta principalmente quando a água é usada para o consumo humano. No Brasil, a Portaria 518, de 25/3/2004 do Ministério da Saúde estabelece os limites máximos permitidos de agrotóxicos em água potável, porém, poucos ingredientes ativos estão listados na Norma. A Resolução nº 357, de 17/3/2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) estabeleceu limites máximos dos contaminantes em águas que dependem do seu destino, de acordo com a classificação em classes I e II. Os Estados Unidos, por meio do EPA (Agencia de Proteção Ambiental), estabeleceram limites máximos para cada agrotóxico individualmente. A Comunidade Econômica Europeia definiu, por meio da Directive 80/778/EEC, que a concentração máxima individual dos ingredientes ativos de agrotóxico não organoclorados deve ser inferior a 0,1 µg.L-¹ e a soma de todos os ingredientes ativos desses compostos não pode exceder 0,5 µg.L-¹ em águas destinadas ao consumo humano.

Como uma alternativa para avaliar o potencial teórico de lixiviação e o risco de poluição das águas, podem ser usados os critérios de “triagem” da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (US-EPA); o índice GUS (“Groundwater Ubiquity Score”) de vulnerabilidade de águas subterrâneas; o método de Goss, entre outros. Esses são procedimentos que levam em consideração as propriedades físico-químicas dos compostos e as propriedades do solo.

Atualmente, o Laboratório de Ecologia de Agroquímicos, do Centro de P&D de Proteção Ambiental, tem utilizado o modelo computacional Pesticide Impact Rating Index – PIRI como uma forma de selecionar os princípios ativos utilizados em determinados cultivos, que devem ser incluídos nos programas de monitoramento do ambiente agrícola. Esse modelo é uma ferramenta que calcula o efeito provável de um agrotóxico sobre a qualidade da água, ou seja, classifica o risco relativo de agrotóxicos atingirem as águas de superfície ou subterrâneas, e o possível impacto sobre um grande número de organismos.

Nesse modelo são levadas em consideração as características físico-químicas dos agrotóxicos, bem como as condições edafoclimáticas (de solo e clima) do local de aplicação; a forma, dose e frequência de aplicação desses compostos e, por isso, ele permite avaliar o potencial de transporte do agrotóxico para além da área de aplicação e o risco de contaminação associado a este transporte.

Assim, para classificar os agrotóxicos em função do risco de contaminar águas superficiais e subterrâneas e do risco em promover efeitos deletérios sobre organismos não alvos, o PIRI considera as condições do local (tipo, textura e conteúdo de matéria orgânica do solo, declividade do terreno, perda por erosão, distância do local de aplicação ao corpo hídrico, profundidade do corpo hídrico); os dados climáticos (temperatura e pluviosidade); os parâmetros relacionados à tecnologia de aplicação (forma, período e frequência de aplicação) e as características físico-químicas dos pesticidas [persistência na água e no solo, sorção (fenômeno concomitante de adsorção e absorção) nas partículas de solo ou sedimento e toxicidade para organismos aquáticos].

Desta forma, o PIRI pode ser aplicado para:

- fornecer uma classificação relativa dos diferentes agrotóxicos utilizados em determinada área em relação ao seu potencial de contaminação de águas subterrâneas ou superficiais;

- desenvolver um programa de monitoramento orientado pela avaliação do PIRI;

- identificar quais os agrotóxicos que necessitam de melhor gerenciamento, para minimizar seus impactos na qualidade da água;

- identificar janelas seguras para a pulverização de agrotóxicos, ou seja, com menor possibilidade de risco de migração para fora do local pretendido;

- avaliar diferentes usos do solo em uma bacia / sub-bacia hidrográfica sobre seu impacto em relação à qualidade da água;

- comunicar o perfil de risco de agrotóxicos para os diferentes níveis tróficos em um ecossistema: ou seja, vertebrados (peixes, mamíferos), invertebrados (Daphnia), base da cadeia alimentar (algas) ou para água potável.

 

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Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Deise Helena Baggio Ribeiro possui graduação em Farmácia (1997), habilitação em Tecnologia de Alimentos(1999) e mestrado em Ciência dos Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001) e doutorado em Ciências Biológicas (Microbiologia) pela Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é pesquisadora do Centro de P&D de Proteção Ambiental do Instituto Biológico, no Laboratório de Ecologia de Agroquímicos. Tem experiência na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos, atuando principalmente nos temas: toxinas e agrotóxicos em alimentos e no meio ambiente.
Contato: deise@biologico.sp.gov.br


Eliane Vieira possui graduação em Química pela Faculdades Osvaldo Cruz (1995) , especialização em Lato Sensu Em Química pela Faculdades Osvaldo Cruz (1998) e mestrado em Química (Química Analítica) [SP-Capital] pela Universidade de São Paulo (2003) . Atualmente é Pesquisador Científico do Centro de P&D de Proteção Ambiental do Instituto Biológico. Tem experiência na área de Química , com ênfase em Química Analítica. Atuando principalmente nos seguintes temas: Pesticidas, Resíduos, Manga, Efeito Matriz.
Contato: vieiraeliane@biologico.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

RIBEIRO, D.H.B.; VIEIRA, E.  Avaliação do potencial de impacto dos agrotóxicos no meio ambiente. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_2/agrotoxicos/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 04/04/2010