Associativismo entre vendedores de leite em MS:
melhor para o bolso do produtor e para a saúde do consumidor
 

Karina Neoob de Carvalho Castro
Éder Comunello

 

            O associativismo no meio rural proporciona condições para que seus integrantes façam frente aos grandes empreendimentos, aumentando o volume de comercialização e, consequentemente, seu poder de negociação. Além disso, favorece o acesso a políticas públicas e novas tecnologias. Uma experiência bastante particular e promissora é vivida pelos produtores e vendedores ambulantes de leite de Dourados e região.

            No Brasil, estima-se que entre 29 e 30% do leite comercializado seja informal ou clandestino, sendo vendido diretamente ao consumidor sem qualquer garantia de que atendam às condições mínimas de higiene. O consumo de leite informal pode levar a transmissão de doenças infectocontagiosas como brucelose, tuberculose e salmonelose, entre outras, além de poder veicular toxinas. Muitas vezes, este leite fica exposto à temperatura ambiente por muito tempo até ser vendido, o que favorece a multiplicação de microorganismos e gera riscos à saúde do consumidor.

            Para garantir mais segurança ao consumidor, são instituídas normas e leis que regem a produção e o processamento do leite. A venda de leite cru para o consumo direto da população é proibida em todo território nacional desde 1969. Em 2002, foi publicada a Instrução Normativa no 51 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que estabelece que o leite deve ser resfriado a quatro graus celsius em até três horas após a ordenha, como uma das exigências que o produtor deve cumprir.

            Com o intuito de adequar-se às normas de qualidade de produção leiteira e atender às demandas dos consumidores de Dourados e região, em 2003, após diversas reuniões, 90 vendedores ambulantes de leite instituíram a Associação dos Vendedores Ambulantes de Leite (Avaleite). Atualmente, a associação conta com 38 participantes, residentes nos municípios de Dourados e Itaporã, sendo que metade deles, além de vendedores, são produtores de leite.

Figura 1. Leite tipo C, pasteurizado e embalado sob inspeção.
Fotos:
Embrapa Agropecuária Oeste

            Há de se considerar o alto custo envolvido em empreendimentos desta natureza. Para a implantação da Avaleite foi necessário contar com o apoio de recursos federais e municipais. A Prefeitura de Dourados foi responsável pela doação do terreno e construção da estrutura de beneficiamento. Além disso, a prefeitura garante o pagamento mensal dos gastos com energia elétrica (cerca de R$ 6 mil) e cede dois funcionários para realizar a guarda de segurança da associação. A madeira para a alimentação da caldeira também é fornecida pela prefeitura, sendo originada da poda das árvores do município .

            Programas do Governo Federal, por sua vez, foram fundamentais para a aquisição de máquinas e equipamentos. Entre os equipamentos que a Associação possui atualmente estão: caldeira, resfriador (5 mil litros), pasteurizador, empacotadeira (2 mil l/h), câmara fria, banco de gelo e crioscópio. Quatro geradores são utilizados para funcionamento do maquinário.

            Outros investimentos ainda são necessários, sendo urgente a instalação de um transformador, visando atenuar o grave problema da constante oscilação de energia na região. Devido a este problema é comum ocorrerem danos ao maquinário e, consequentemente, prejuízos financeiros.

            Além dos funcionários cedidos pela prefeitura local, mais sete trabalhadores compõem o quadro de funcionários da associação, sendo responsáveis pelo processo de recebimento e beneficiamento do leite.

            Com todo o apoio recebido, chega-se a um custo de 22 centavos por litro de leite para que o mesmo seja resfriado, pasteurizado, embalado e acondicionado em câmara fria. O pagamento do beneficiamento é feito mensalmente através de boleto bancário. Os registros de entrada e saída de litros de leite são feitos individualmente, sendo que a Avaleite recebe em média 4,5 mil litros do produto por dia.

            A comercialização e entrega do leite processado e embalado é, em princípio, de responsabilidade de cada associado. Após a retirada do produto, ele é vendido nas residências por R$ 1,50 e no comércio local por cerca de R$ 1,20. O leite não retirado para a venda direta gera um excedente que é vendido a granel (sem empacotar) para laticínios da região. Neste caso, cada litro é comercializado por valores entre 45 e 60 centavos, de acordo com a época, sendo estes valores repassados aos associados.

            Uma vez que a associação não tem fins lucrativos, o custo repassado aos associados é utilizado quase que unicamente para quitar as despesas da associação. Após o pagamento das despesas, que inclui financiamentos adquiridos, trabalha-se com uma sobra de caixa em torno de R$ 1 mil destinado às despesas eventuais. 

Rotina  

A rotina diária de beneficiamento do leite é iniciada pelo controle de qualidade. Para tanto são empregados os testes de alizarol, Dornic e crioscópico. A estabilidade ao alizarol é uma prova rápida, muito empregada nas plataformas de recepção como um indicador de acidez e estabilidade térmica do leite. O resultado positivo no teste, dado pela formação de um precipitado, indica aumento na acidez do leite causada pela ação de bactérias sobre a lactose, produzindo ácido láctico. Porém, a confiabilidade deste teste é questionada, visto que o estágio de lactação, a estação do ano e as alterações na dieta animal podem levar a resultados falso-positivos mesmo com leite de boa qualidade. Por conta disso, muitos associados questionam o teste do alizarol na época de seca alegando alterações na alimentação dos animais. Contudo, não pode ser descartada a possibilidade real de problemas com acidez e estabilidade. Portanto, quando há resultado positivo no teste do alizarol, o leite não é processado, sendo devolvido ao associado para ser descartado. Neste caso, o associado é orientado a avaliar o manejo da ordenha e dos animais em sua propriedade como um todo.

            Os meses de maio a setembro são identificados como aqueles com menor entrada de leite para beneficiamento pela associação havendo, muitas vezes, quantidade insuficiente para atendimento da demanda rotineira. Isto se dá devido à estiagem, normal neste período, e agrava-se com a ocorrência de geadas. Diante disso, para manter a regularidade de oferta e atender seus consumidores nesta fase, a saída adotada pela Avaleite é a compra de leite de outros laticínios in natura ou mesmo já pasteurizado.

Figura 2. Ficha individual de controle diário de entrada e saída de litros de leite.
Fotos:
Embrapa Agropecuária Oeste

           

Associativismo

 O associativismo gera um ganho para todos. Neste caso, para o poder público os recursos investidos trarão benefícios pela redução de gastos com a saúde pública levando em conta que os consumidores têm acesso a um produto de melhor qualidade e que oferece segurança. Além disso, a Avaleite gera direta e indiretamente número significativo de ocupações para os trabalhadores contribuindo com a atividade leiteira e a manutenção do produtor no campo.

Para a Avaleite o caminho do associativismo tem sido imprescindível e estratégico para sua sobrevivência e melhoria da competitividade frente ao mercado. 


Karina Neoob de Carvalho Castro possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992), mestrado em Medicina Veterinária (Patologia Animal) [Jaboticabal] pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1999) e doutorado em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2002). Atualmente é pesquisador nível II - Embrapa Agropecuária Oeste. Tem experiência na área de Medicina Veterinária, com ênfase em Sanidade Animal, atuando principalmente nos seguintes temas: ruminantes, medicina veterinária preventiva e plantas medicinais.pesquisadora de Embrapa Agropecuária Oeste, Dourados (MS).
Contato: 
karina@cpao.embrapa.br

   

Éder Comunello é Engenheiro Agrônomo, graduado em 1998 pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Ciências Ambientais, com título conferido em 2001 pela mesma instituição (UEM-PEA). Desde 2002 é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estando lotado na unidade Embrapa Agropecuária Oeste, localizada em Dourados, MS. Tem experiência na área de Geociências-Geotecnologias (SIG/GIS, GNSS/GPS, Sensoriamento Remoto), com atuação nas áreas de Agricultura e Meio Ambiente.
Contato: eder@cpao.embrapa.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CASTRO, K.N.C; C.E. Associativismo entre vendedores de leite em MS: melhor para o bolso do produtor e para a saúde do consumidor. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_2/associativismo/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 28/04/2010