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Uso de porta­enxertos – Tecnologia simples e fundamental na cultura da videira

José Luiz Hernandes
Fernando Picarelli Martins
Mário José Pedro Júnior

O que são porta­enxertos ou cavalos de videira?

Os porta­enxertos de videira, conhecidos popularmente como cavalos ou uva brava, são variedades selecionadas de espécies americanas de Vitis,ou híbridos de duas ou mais espécies americanas ou, ainda, de uma ou mais espécies americanas com variedades de Vitisvinifera. No geral não produzem frutos ou produzem cachos e bagas pequenas, sem valor comercial (Fig 28). No entanto, são vigorosos e apresentam sistema radicular resistente às pragas e às situações adversas do solo, transmitindo seu vigor e resistência às variedades enxertadas.

Atualmente, os porta­enxertos são o fundamento da viticultura na maior parte das regiões do mundo onde ela é praticada, sendo raros os locais nos quais é possível se prescindir de seu uso, seja pelo isolamento geográfico ou climático, ou ainda, por condições específicas de solo que impossibilitem a sobrevivência de pragas. Mesmo nestas regiões privilegiadas, como no Chile, por exemplo, as diversas vantagens do uso de porta­enxertos vêm fazendo com que os produtores adotem o seu uso, mesmo que isso não se faça necessário. O uso de porta­enxertos na viticultura representa uma tecnologia simples, mas de resultados significativos.

Quais as principais espécies de videiras americanas utilizadas como porta­enxertos?

Entre as variedades de espécies americanas de Vitisdestacam­se a Rupestris du Lot (Vitisrupestris, var. du lot), a Riparia Gloire (Vitisriparia, var. Gloire de Montpellier), a Berlandieri Resseguier (Vitisberlandieri, var. Resseguier nº 1) e a Solonis (Vitislongii, var. Solonis).

Quanto aos híbridos, que são originários do cruzamento entre espécies diferentes, podem ser relacionados algumas centenas deles, embora poucos tenham posição de destaque dentro da viticultura brasileira, como: Ripária do Traviú (Vitisripariax VitiscordifoliaVitisrupestris), 101­14 (Vitisripariax Vitisrupestris), Kober 5 BB (Vitisberlandierix Vitisriparia), 420 A (Vitisberlandierix Vitisriparia), Tropical (Golia x Vitiscinerea), Campinas (Ripária do Traviú x Vitiscaribaea), Jales (Vitiscaribaeax 101­14), Richter 99 (Vitisberlandierix Vitisrupestris), SO4 (Vitisberlandierix Vitisriparia) e Golia (Vitisrupestrisx VitisripariaVitisvinifera).

Por que usar porta­enxertos?

O principal motivo que levou a viticultura a recorrer ao uso de porta­enxertos foi o surgimento e a difusão pelo mundo da filoxera (Daktulosphairavitifoliae),um pulgão de menos de dois milímetros, originado nos Estados Unidos, em videiras primitivas daquele país (Fig. 01). Daí o motivo dos porta­enxertos serem videiras de espécies americanas ou seus híbridos, pois foram selecionados a partir de plantas resistentes à filoxera, que evoluíram juntamente com a praga.

 

Figura 01. Inseto adulto fêmea (maior) e macho (menor) de Filoxera Daktulosphera vitifolii. (Inglez de Souza, 1996).

A partir da segunda metade do século XIX este pequeno inseto tornou impossível, na maior parte do mundo vitícola, o cultivo da videira sobre suas próprias raízes (produtor­direto), método utilizado desde o berço asiático da viticultura, contemporâneo ao nascimento das primeiras civilizações.

A filoxera (Daktulosphairavitifoliae), praga que tem a videira como única planta hospederia, é um inseto de ciclo de vida complexo que apresenta uma fase primaveril ou galícola, quando se fixa nas folhas, formando galhas (Figs. 02, 03 e 04).

 

Figura 02. Formação de galhas e deformações nas folhas, sintoma do ataque da filoxera na fase galícola.

 

Figura 03. Ataque severo da filoxera galícola.

 

Figura 04. Detalhe dos ovos da filoxera dentro da galha.

No final do verão as filoxeras galícolas descem para o solo e se fixam nas raízes da videira, picando e sugando o raizame em milhares de pontos (Fig. 05). Esta é a forma radicícola que é fatal para as plantas e inviabiliza o plantio direto de videiras, sem uso de porta­enxertos, na imensa maioria das regiões vitícolas do mundo.

Os sintomas do ataque da filoxera nas videiras são diferentes conforme a espécie atacada. Em variedades americanas, principalmente Vitislabrusca,forma galhas nas folhas que causam pouco ou nenhum prejuízo. Em variedades européias, Vitisviníferas, causam nodosidade, tuberosidade, rachaduras e apodrecimento das raízes, que acabam levando a morte das plantas

 

 

Figura 05. Ciclo de vda da Foxera (Meyers, 1888): fase adulta e e radicícola sugando raiz, com detalhe do aparelho sugador.

Modernamente o uso de porta­enxertos evoluiu para a solução de outros problemas da viticultura

Um dos fatores mais importantes que determinam o êxito da enxertia é a compatibilidade ou afinidade entre o porta­enxerto e a variedade enxertada, ou seja, a capacidade que ambos devem ter de viverem juntos. O adequado “casamento” entre o porta­enxerto e a variedade enxertada, imprime maior vigor e rusticidade às parreiras, melhorando sua produtividade.

• As diversas espécies e variedades de porta­enxertos permitem o aproveitamento de uma diversidade de tipos de solos e climas possibilitando a ampliação das regiões de plantio. Como exemplo, pode ser citada a expansão da viticultura na região Nordeste do país, devido ao uso dos porta­enxertos tropicais, desenvolvidos pelo Instituto Agronômico na década de 1950 (Fig. 06).

Figura 06. Aspecto da viticultura no Vale do Submédio São Francisco, com o rio ao fundo. Petrolina, PE, 2006.

Alguns porta­enxertos são tolerantes aos nematóides, vermes do solo que diminuem a produtividade das plantas em regiões infestadas.

• Recentemente tem se observado que algumas variedades de porta­enxerto têm apresentado tolerância à pérola­da­terra ou margarodes – Eurhizococcusbrasiliensis(Figura 07) – inseto polífago (que se alimenta de grande número de plantas), originário do sul do Brasil. É uma cochonilha que ataca as raízes das plantas, sugando a seiva e limitando o desenvolvimento das plantas, sendo particularmente prejudicial para a videira (Fig. 08).

Os sintomas do ataque da pérola­da­terra na videira são o definhamento progressivo, com murcha e queda das folhas, que pode levar a morte da planta, que será mais rápida quanto pior o seu estado nutricional e quanto maior a intensidade da infestação (Figs. 09 e 10).

Figura 07. Pérola-da-terra ou margarodes – Eurhizococcus brasiliensis.

 

Figura 08. Pérola-da-terra ou margarodes – Eurhizococcus brasiliensis – infestação das raízes das videiras.

 

Figura 09. Sintomas do ataque da pérola-da-terra.

 

Figura 10. Planta sadia ao lado de planta com sintomas do ataque da pérola-da-terra.

 

Os porta­enxertos têm ajudado no controle de um dos mais importantes problemas fitossanitários da viticultura mundial, o ataque de doenças causadas por vírus, que ocorrem em todas as regiões onde a videira é cultivada. As viroses se propagam através da multiplicação vegetativa, ou seja, quando se planta uma estaca de porta­enxerto ou se enxerta um garfo (parte de um ramo) contaminado com a virose, a planta originada também será doente. A única maneira de controle é, portanto, o uso de material propagativo isento de vírus, tanto de porta­enxertos quanto de variedades produtoras.

No Brasil são relatadas cinco viroses principais à saber: enrolamento da folha (Figs. 11 e 12), mosaico das nervuras, fendilhamento cortical, mosaico do traviú e cascudo, não sendo conhecidos ainda, vetores de transmissão de vírus em videiras.

As viroses causam degenerescência lenta e gradual das plantas, provocando perdas qualitativas e quantitativas na produção, podendo levar a perdas totais se as variedades atacadas forem muito sensíveis, mal nutridas ou se ocorrer contaminação intensa por várias viroses. Ao contrário das doenças causadas por fungos as viroses são de difícil visualização pelo agricultor, o que faz com que não haja grande preocupação com o problema, apesar de ser muito sério.

Figura 11. Sintomas de virose do enrolamento-da-folha em uva Niagara Branca.

 

Figura 12. Sintomas de virose do enrolamento-da-folha em uva Niagara Rosada.

O trabalho do IAC com porta­enxertos de videira

Desde o final da década de 1950 o IAC tem disponibilizado uma série de variedades de porta­enxertos de videiras desenvolvidos para regiões tropicais, que tem dado importante contribuição para o desenvolvimento da viticultura do país. O IAC 766 (Campinas) vem substituindo os porta­enxertos mais antigos, nas regiões tradicionais produtoras de uvas rústicas de mesa; o IAC 572 (Jales) permitiu o desenvolvimento da viticultura voltada para uvas finas de mesa na região de Jales, SP e atualmente utilizado como base da viticultura na Tailândia; o IAC 313 (Tropical) foi o responsável pelo desenvolvimento da viticultura voltada para uvas finas de mesa para exportação, do Vale do São Francisco, no Nordeste do Brasil e, mais recentemente, o IAC 571­6 (Jundiaí) que vem se mostrando tolerante à pérola­da­terra.

A partir do início da década de 1990, o Instituto Agronômico de Campinas realiza trabalho de multiplicação e distribuição de porta­enxertos e variedades produtoras isentas de vírus aos produtores interessados, principalmente do Estado de São Paulo, mas também atendendo agricultores das diversas regiões produtoras de uva do Brasil e alguns interessados no exterior.

Os principais porta­enxertos isentos de vírus fornecidos pelo IAC

Ripária do Traviú (106 ­8 Mgt) Predominou por décadas na viticultura paulista, mas vem sendo paulatinamente substituído por outros, principalmente o IAC 766. Relativamente vigoroso, adapta­se bem a diferentes tipos de solo e tem afinidade com as variedades Niagaras Branca e Rosada, Patrícia, A Dona, Paulistinha e Máximo (Figs. 13 e 14).

Figura 13. Folha do Ripária do Traviú.

 

Figura 14. Ápice do Ripária do Traviú.

Campinas (IAC 766) ­ Bastante usado em São Paulo e norte do Paraná. Vigoroso, apresenta perfeita adaptação às condições ambientais do sudeste do Brasil. Tem apresentado afinidades com as mais diversas variedades, dentre elas as Niagaras Branca e Rosada, Itália e mutações, Redglobe, Centennial Seedless, Patrícia, Maria, Paulistinha e Máximo (Figs.15 e 16).

Figura 15. Folha do IAC 766.

 

Figura 16. Ápice do IAC 766.

Tropical (IAC 313) ­“Zebu” ­ Usado em São Paulo e principalmente no Vale do São Francisco (PB e BA), é muito vigoroso e adaptado às condições ambientais do Sudeste e do Nordeste, inclusive em solos ácidos e com nematóides. Apresenta afinidade com diversas variedades de uvas finas com e sem sementes entre as quais a Itália e suas mutações (Rubi, Benitaka, Brasil e Redimeire), Redglobe, Centennial Seedless e Piratininga. Seus ramos lignificam tardiamente e raramente perdem as folhas (Figs.17 e 18).

Figura 17. Folha do IAC 313.

Figura 18. Ápice do IAC 313.

Jales (IAC 572) ­ Usado em São Paulo, principalmente na região de Jales, e no Vale do São Francisco. Muito vigoroso, apresenta boa adaptação às condições ambientais destas regiões e tem afinidade com a Itália e mutações, Redglobe, Centennial Seedless, Niagaras Rosada e Branca. Raramente perde as folhas (Figs.19 e 20).

Figura 19. Folha do IAC 572.

 

Figura 20. Ápice do IAC 572.

Jundiaí (IAC 571­6) ­ Ainda pouco usado, apresenta ótimo vigor e boa adaptação às regiões mais quentes, tanto em solos argilosos quanto arenosos. Tem afinidade com Patrícia, Niagaras Rosada e Branca, Romana, Máximo e Rainha. Suas estacas enraízam com facilidade e tem demonstrado boa tolerância à pérola­da­terra (Figs. 21 e 22).

Figura 21. Folha do IAC 571-6.

 

Figura 22. Ápice do IAC 571-6.

Kober 5 BB (5 BB) ­ Pouco usado, apresenta bom vigor, boa adaptação regiões de clima mais frio e afinidade com a Itália e suas mutações Rubi, Benitaka e Brasil, além da Patrícia, Benifuji e Kioho. Suas estacas brotam tardiamente, mas têm bom enraizamento (Figs. 23 e 24).

Figura 23. Folha do Kober 5 BB.

 

Figura 24. Ápice do Kober 5 BB.

420 A ­ Em São Paulo é usado para variedades finas de mesa. Apresenta médio vigor, boa adaptação a regiões de clima mais frio e afinidade com Itália e mutações, Centennial Seedless e Thompson Seedless. Mostra certa resistência aos nematóides, mas é de difícil enraizamento (Figs. 25 e 26).

Figura 25. Folha do 420 A.

 

Figura 26. Ápice do 420 A.

SO4 – berlandieri x riparia – bastante utilizado na viticultura gaúcha e catarinense apresenta alta resistência à filoxera e aos nematóides, além de boa resistência à seca. Tem afinidade com grande número de variedades (Figs. 27 e 28).

Figura 27. Folha do SO4.

 

Figura 28. Ápice do SO4.

 

Figura 29. Frutos produzdos por agumas varedades de porta-enxertos.

Outros porta­enxertos isentos de vírus de menor importância para a vitivinicultura paulista, mas de interesse científico, disponíveis no Centro de Fruticultura do IAC, são: Golia, Rupestris du Lot, Riparia x Rupestris 101­14 (101­14 Mgt), Richter 99 (99 R), Richter 110 (110 R), Teleki 8 B (8 B), Teleki 5 C (5 C), Paulsen 1103, VR 043­43 e VR 039­16.

Figura 30. Campo de produção de porta-enxertos de videira isentos de vírus. Lote de Ripária do Traviú. IAC/Centro de Fruticultura, Jundiaí, SP.

Como obter os porta­enxertos isentos de vírus fornecidos pelo IAC.

Devido a grande procura a quantidade de material é limitada e varia em função da demanda. Os materiais são distribuídos nos meses de julho e agosto, mas os pedidos de reserva devem ser encaminhados ao Centro de Fruticultura ­IAC/CAPTA­Frutas, até o dia 30 de junho de cada ano, através de:

.                      Carta: Av. Luiz Pereira dos Santos, 1500 – CEP 13214­820 – Jundiaí, SP.

.                      Fax: (11) 4582­7284 e 4582­3455

.                      E­mail: frutas@iac.sp.gov.br

 Bibliografia

INGLEZ DE SOUSA, J. S. Uvas para o Brasil. Piracicaba: FEALQ, 1996.

INGLEZ DE SOUSA, J. S.; MARTINS, F. P. – Viticultura Brasileira – Principais variedades e suas características. Piracicaba: FEALQ, 2002.

POMMER, C. V. (Editor) Uva – Tecnologia de produção, pós­colheita, mercado. Porto Alegre: Cinco Continentes, 2003.

MEYERS KONVERSATIONS­Lexikon, 4th ed. 1888, vol. 13, p. 621 ''Dactylosphaeravitifolii''

 

Origem: Instituto Agronômico - www.iac.sp.gov.br


José Luiz Hernandes é Técnico em Agropecuária, formado pela ETAESG Benedicto Storani de Jundiaí (1987), graduado em Ciências com Habilitação Plena em Biologia pela Faculdade de Ciências e Letras Padre Anchieta (1998) e mestrado em Agricultura Tropical e Subtropical pelo Instituto Agronômico de Campinas (2001). Em 2006 realizou o Curso Superior de Especialização em Viticultura e Enologia em Climas Quentes pelo Instituto de Formação Agrária e Pesqueira (CONSELHO DE INOVAÇÃO, CIÊNCIA E EMPRESA) da Junta de Andaluzia, no Centro de Pesquisa e Formação Agrária RANCHO DE LA MERCED em Jerez de la Fronteira, Espanha. Atualmente é Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área de Fitotecnia, com ênfase em Vitivinicultura, atuando principalmente nos seguintes temas: microclima, fitossanidade, propagação, sistemas de condução, cultivo protegido, variedades de videira para mesa e indústria e vinificação artesanal.
Contato: jlhernandes@iac.sp.gov.br


Fernando Picarelli Martins   é Pesquisador Científico do Instituto Agronômico - IAC, Estação Experimental de Jundiaí.

Mário José Pedro Júnior possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo (1972), mestrado em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (1977) e doutorado em Agrometeorology - University Of Guelph (1980). Atualmente é pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas, revisor de cinco revistas especializadas. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Agrometeorologia, atuando na área de fruticultura, principalmente videira, nos seguintes temas: cultivo protegido, sistema de condução, microclima e zoneamento agrícola. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2.
Contato: mpedro@iac.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

HERNANDES, J.L.; MARTINS, F.P.; Pedro Júnior, M.J.  Uso de porta­enxertos – Tecnologia simples e fundamental na cultura da videira. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_2/PortaEnxertos/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 28/06/2010