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Uma nova chance para a agricultura de precisão: a variabilidade espacial

 José Maria Filippini Alba

 

A Embrapa lançou no fim de 2009, o projeto “Agricultura de Precisão para a Sustentabilidade de Sistemas Produtivos do Agronegócio Brasileiro (AP2)“, que substituiu o projeto anterior sobre o tema, direcionado para grãos e em contexto mais restrito.

O projeto AP2 representa um grande desafio, por isso, integra uma rede de mais de 100 pesquisadores, 20 centros da Embrapa, 15 unidades piloto, universidades e empresas parceiras. As unidades piloto são as principais áreas direcionadas para experimentação, envolvendo grãos, frutas, pastagens e florestas.

Na década de 90 a agricultura de precisão surgiu como uma alternativa para o cultivo, principalmente de grãos, envolvendo o uso de instrumentação em campo para melhorar a aplicação de fertilizantes e pesticidas, realizar amostragem e preparo do solo, aperfeiçoar o processo de colheita e avaliar a produtividade. Nesse contexto são utilizados receptores de posicionamento por meio de satélites; sensores para avaliar as características do solo, das plantas ou a produtividade; maquinário específico para aplicação à taxa variável, piloto automático, entre outros. Assim, são necessários investimentos significativos que inviabilizam o uso de agricultura de precisão para pequenas lavouras, sendo necessário um tamanho mínimo de terra, que pode ser avaliado, de maneira aproximada, como de 500 ha.

Essa discussão faz parte do Projeto AP2, liderado pelo Dr. Ricardo Inamasu (Embrapa Instrumentação Agropecuária), que define a Agricultura de Precisão como a postura gerencial que considera o manejo da lavoura com base na variabilidade espacial.

Mas, o que é a variabilidade espacial?

Na década de 60, um cientista francês, George Matheron, desenvolveu a teoria das variáveis regionalizadas conforme os trabalhos de Daniel Krige, engenheiro de minas sul-africano, que aplicava o processo em jazidas auríferas de maneira empírica. Matheron denominou a teoria como Geoestatística por se tratar de uma contribuição que a Geologia forneceu para a Estatística. O princípio fundamental da Geoestatística é que a variabilidade de um atributo está associada ao espaço físico. Assim, considerando dois pontos genéricos e um dado atributo, por exemplo, textura do solo, existirá maior semelhança da textura do solo de um ponto em relação ao outro, quanto menor a distância entre eles. No caso das jazidas minerais, é comum realizar uma malha regular de pontos na superfície da jazida, onde são efetuadas sondagens, de maneira a avaliar o teor do minério no depósito, isto é, em três dimensões. Observa-se que as sondagens são realizadas espaçadamente, por exemplo, cada 20 m, sendo divididas em seções métricas (profundidade) e encaminhadas ao laboratório. Deste modo, o Engenheiro de Minas se depara com um conjunto de dados segundo uma malha tridimensional, que permitirão avaliar o teor de minério da jazida, processo denominado “Krigagem” (“Kriging” em inglês) em Geoestatística, em homenagem ao Daniel Krige. A exatidão da avaliação dependerá do espaçamento das amostras (na horizontal e em profundidade) e também da variabilidade espacial das amostras, isto é, no caso do teor, como ele varia no contexto da jazida. Nas jazidas de ouro, é comum a ocorrência de “pepitas” (“nugget” em inglês) situação na qual acontece uma alternância de teores elevados de ouro, quando ocorrem “pepitas” e baixos teores, quando elas não estão presentes. Nesse caso, a variabilidade acontece ao acaso, ou seja, não há relação entre o atributo (teor do minério) e o espaço físico, portanto os Geoestatísticos falam que não existe variabilidade espacial, aconteceu o “efeito pepita”.

Agora, nos temos uma nova pergunta: Como o conceito de variabilidade espacial, com origem na Engenharia de Minas e na Geologia, se relaciona com a agricultura?

Inicialmente, podemos apelar ao conceito inicial, “a Geoestatística é a contribuição da Geologia para a Estatística”, assim, sua aplicação se justifica em qualquer setor da Ciência. No entanto, imagine a lavoura como uma jazida mineral, considerando atributos relacionados com agricultura, por exemplo, textura/umidade do solo, fertilidade, controle de pragas e produtividade. Todos esses atributos possuem variabilidade espacial, isto é, apresentam valores diferentes nos diversos pontos da lavoura, dependendo das dimensões, relevo, material de origem, clima local, profundidade, entre outros. Se a variabilidade espacial dos atributos for inexistente ou muito pequena, o manejo da lavoura poderá ser pela média, executando de maneira uniforme as diversas ações. No entanto, podem ocorrer valores diferentes de fertilidade ou existir pragas que atacam um setor específico. Nesse caso, a aplicação de fertilizantes e agrotóxicos deverá ser realizada de maneira variável (taxa variável), envolvendo sítios específicos ou zonas de manejo. Assim, poderá acontecer uma redução de custo em insumos ou aprimoramento da produtividade, envolvendo ganho econômico para os produtores e redução de impactos ambientais.

O uso de máquinas para aplicação à taxa variável já existe no mercado, procedimento utilizado por alguns produtores brasileiros. Porém, há um custo associado, um investimento inicial. O mapa da variabilidade espacial da lavoura pode ser inserido a um processador a bordo que deriva na aplicação à taxa variável ou em ocasiões, sensores específicos controlam o processo, sem necessidade do mapa. A produção do mapa implica em conhecimentos adicionais, como manuseio de softwares e imagens de satélite, de difícil aceitação para a agricultura convencional, provocando uma nova revolução tecnológica, que seguramente, não será acompanhada por todos os produtores.

Assim, surgem diversos desafios para o projeto AP2, que aposta na infraestrutura da Embrapa, na capacidade técnica da rede de pesquisa associada e no poder da transferência de tecnologias e da inovação, focando diversas culturas, com potencial para ser trabalhadas no contexto da agricultura de precisão.

No caso da Embrapa Clima Temperado, as culturas escolhidas foram arroz irrigado e pêssego, sendo que, no contexto do AP2, se está trabalhando de maneira artesanal, sem a utilização de equipamentos sofisticados, mas considerando o manejo da lavoura segundo uma malha regular ou  tratando cada planta de maneira específica. Espera-se que por meio do uso de sistemas de informação geográfica, imagens de satélite e sistemas de navegação guiados por satélites seja possível estabelecer procedimentos de baixo custo, que representem uma otimização produtiva ou o aprimoramento da qualidade ambiental, envolvendo também lavouras de pequeno e médio porte. Informações sobre o projeto AP2 podem ser adquiridas no site: www.macroprograma1.cnptia.embrapa.br/redeap2

 


José Maria Filippini Alba  é Bacharel em Química, Universidad de la República - Uruguai (1988). Mestre e Doutor em Geociências (Geoquímica exógena), Universidade de São Paulo (1993 e 1998), com colaboração do Serviço Geológico da Finlândia e da Universidade Acadêmica de Abo. Desenvolveu atividades de pesquisador e/ou professor na Embrapa Clima Temperado (Monitoramento Ambiental, 1998-2001), na UFPel (Mineralogia, 1999 - 2001), na FURG (SIG, 2001 - 2002) e na UNICAMP (SIG, 2003 - 2005). Efetivado na EMBRAPA Clima Temperado (2005), onde desempenha atividades de planejamento ambiental/sensoriamento remoto. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geoquímica, atuando principalmente em geoquímica aplicada, prospecção mineral, impacto ambiental, modelagem SIG e processamento de imagens de sensoriamento remoto.  



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

ALBA, J.M.F.  Uma nova chance para a agricultura de precisão: a variabilidade espacial. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_3/AgriculturaPrecisao/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 04/08/2010