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OS ALBATROZES: desajeitados em terra, mas ágeis no ar

Edison Barbieri

Quando um navegador baixa dos 20° de latitude sul, poderá ver com certa freqüência o albatroz­errante (Diomedea exulans), maior ave marinha do mundo, planando sobre o oceano com sua majestosa envergadura de até 3,5 metros. Essa é uma dentre as diferentes espécies de albatrozes da família Diomedeidae (ordem Procellariiformes, na taxonomia tradicional, ou Ciconiiformes, segundo a Taxonomia de Sibley­Ahlquist) encontradas nos mares do sul. A família Diomedeidae possui quatro gêneros e 21 espécies, com pelo menos sete ocorrendo no Brasil. Das 21 espécies de albatrozes, 17 vivem nos oceanos do Hemisfério Sul e quatro, nos oceanos do Hemisfério Norte, sendo que 19 delas estão ameaçadas de extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais.

Os albatrozes estão distribuídos em quatro gêneros, ainda que haja desacordo quanto ao número de espécies. Os gêneros são: Diomedea, Thalassarche, Phoebetria e Phoebastria. Tais aves se distinguem pelo bico grande e forte, de diferentes cores (amarelo, cinza, preto ou azul), e pela plumagem, que varia entre o branco, o negro­azulado e o pardo. As cores do bico têm provavelmente função na comunicação visual entre o adulto e o filhote, como o que ocorre em gaivotas. A mandíbula superior do bico tem a forma de gancho, que facilita a captura de presas lisas e rápidas (Figura 1), e apresenta várias placas córneas (ranfotecas) distintas, além de duas narinas tubulosas (forma de tubo) que acompanham as faces laterais (Figura 2).

Figura 1 ­Detalhe da forma e cor do bico de Thalassarche melanophris

 

 

 
 Figura 2 ­­Detalhe do crânio de Thalassarche chlororhynchos

Como toda ave marinha, o albatroz necessita excretar o excesso de sal, o que é feito através da glândula de sal. Esta glândula, situada numa concavidade do crânio acima de cada olho (Figura 3), retira o cloreto de sódio do sangue e elimina a solução concentrada deste sal pelas narinas, que nos Procellariiformes são tubulares, facilitando esse processo e fazendo com que a solução de sal corra para a ponta do bico. Estes tubos permitem, ainda, que o sentido do olfato seja especialmente desenvolvido nos albatrozes, o que é raro entre as aves. Já foi comprovado que os Procellariidae se orientam pelo olfato para encontrar comida e localizar as suas colônias em ilhas distantes. O índice lobo olfatório/hemisfério é de 29% em várias espécies de Procellariiformes, muito maior do que na maioria dos Passeriformes; no pombo, por exemplo, o índice é de 20%. Como os outros Procellariiformes, os albatrozes têm cheiro forte devido ao óleo produzido na glândula uropigiana, cuja função é impermeabilizar as penas. Entretanto, este óleo pode também atuar como um guia hormonal até o ninho e a parceira.

 
Figura 3 ­Crânio com a depressão onde se localiza a glândula de sal  

Os albatrozes usam os pés principalmente para a natação e nas manobras de decolagem e de pouso na água. Os pés não têm dedo oposto na parte posterior e os três dedos anteriores estão totalmente unidos por uma membrana interdigital, geralmente de cor escura. As pernas situam­se na parte posterior do corpo, atrás do centro de gravidade da ave, e em conseqüência disto dificilmente conseguem sustentar o peso do corpo. As pernas são particularmente fortes, tendo em conta que entre os Procellariiformes apenas os albatrozes e os petréis­gigantes conseguem andar com certa eficiência em terra; dos outros grupos, as aves caminham com dificuldades.

Além dessas características que permitem identificar os albatrozes em terra ou no mar, sua plumagem, de colorido simples e sutil, em tonalidades de branco, cinza, pardo e negro, proporciona camuflagem e, por ser espessa (aproximadamente 5 cm), garante proteção contra as condições frias encontradas pela maioria das espécies. Além disso, a secreção da glândula uropigial impermeabiliza a plumagem, sendo responsável também, pelo forte cheiro dos albatrozes. Como resultado, a ave fica revestida por uma espessa camada de ar, que lhe confere isolamento térmico e um alto grau de flutuabilidade, fazendo com que necessite gastar muita energia para mergulhar. A plumagem adulta da maior parte dos albatrozes é, geralmente, caracterizada pela parte superior das asas, que se apresenta escura, enquanto a parte inferior é branca.

Quem observa os albatrozes enquanto se preparam para voar talvez não compreenda o encanto que exercem sobre os navegadores e os ache desajeitados (Figura 4). Os albatrozes decolam com dificuldade, correndo pela superfície da água ou do solo, mantendo as asas rijas. No ar, ao contrário, quando contam com ventos fortes, são capazes de acompanhar um navio sobretudo os de pesca, para arranjar comida fácil durante horas a fio, sem praticamente movimentar as asas (Figura 5).

 
Figura 4 ­Albatroz utilizando as asas para pousar 

 
 Figura 5 ­Interação de albatrozes com a pesca
 

A aventura do albatroz inicia­se no meio do verão, quando as aves jovens, depois de ficarem, em média, cinco anos consecutivos em mares distantes, voam pela primeira vez ao lugar onde nasceram, para iniciar o processo de acasalamento. Ali começa a longa maratona coreográfica, através da qual os machos conquistam as fêmeas (Figura 6). Outras cinco 'temporadas' de dança serão necessárias antes que um albatroz encontre seu par e inicie a procriação. As aves que voltam pela primeira vez à colônia já apresentam os comportamentos estereotipados que compõem a sua linguagem, mas ainda não são capazes de interpretar esses mesmos comportamentos quando exibidos por outros, nem responder de forma apropriada. Depois de um período de aprendizagem por tentativa e erro, as jovens aves começam a entender a sintaxe própria destes comportamentos e aperfeiçoam a dança. Esta linguagem será dominada mais rapidamente se estiverem em contato com as aves mais velhas.

 
 Figura 6 ­Comportamento de formação do casal para a cópula

O repertório destes comportamentos envolve atuações sincronizadas de ações diversas, como movimentos de higiene pessoal, apontar para determinadas direções, chamamentos, fazer sons batendo com os bicos, fixar o olhar em determinadas poses e combinações mais ou menos complexas. Quando um albatroz volta à colônia, dança com vários parceiros, mas, após anos sucessivos, o número de aves com que interage vai decaindo, até que apenas um parceiro é escolhido. Continuam, contudo, aperfeiçoando a sua linguagem individual, que poderá, eventualmente, tornar­se única para esse par, ainda que parte das danças não volte a ser usada. Efetuam esses elaborados rituais para assegurar que a escolha feita seja a mais correta e para permitir um melhor reconhecimento do seu parceiro, já que a postura do ovo e o acompanhamento da cria é um investimento importante. Mesmo espécies que conseguem completar um ciclo reprodutivo em menos de um ano raramente efetuam posturas em anos consecutivos. Uma vez formados os pares, as aves permanecem unidas e fiéis pelo resto de suas vidas, ou seja, são aves monogâmicas. A ocorrência de "divórcios" entre pares de albatrozes é algo muito raro e, quando acontece, é apenas depois de vários anos de acasalamento fracassado.

Os albatrozes fazem seus ninhos até o limite de 60° de latitude Sul, formando colônias em ilhas distantes da costa continental, em depressões pedregosas repletas de musgos, de carapaças de moluscos e de guano (excrementos de aves). A maioria dos albatrozes meridionais fazem grandes ninhos para depositar os seus ovos (Figura 7), enquanto três espécies do Pacífico Norte os fazem de forma mais rudimentar. O albatroz­das­galápagos (Phoebastria irrorata), por exemplo, não faz nenhum tipo ninho, chegando mesmo a deslocar o ovo pelo seu território por distâncias que chegam a 50 metros, provocando, por vezes, a quebra e, assim, fracassando a reprodução. Em todas as espécies de albatrozes cabe aos progenitores a incubação do ovo em turnos que podem variar de um dia a três semanas.

 
Figura 7 ­Filhote de albatroz no ninho  

Essas aves marinhas nidificam em colônias, geralmente em ilhas isoladas (Figura 7), sendo seus ninhos encontrados em promontórios com boa acessibilidade para o mar em praticamente todas as direções, como na Península de Otago em Dunedin, na Nova Zelândia. As colônias variam desde agregados muito densos, como nas colônias de albatrozes­de­sobrancelha (Thalassarche melanophris), nas Ilhas Malvinas, que têm uma densidade média de 70 ninhos por 100 m², até grupos menores e com ninhos individuais mais espaçados, típicos dos gêneros Phoebetria e Diomedea. Os albatrozes são muito filopátricos, o que significa que geralmente voltam para a sua colônia natal para procriar. Esta tendência é tão forte, que, por exemplo, um estudo em albatrozes­de­laysan (Phoebastria immutabilis) demonstrou que a distância média entre o local de eclosão do ovo e o local onde a ave estabelece o seu próprio território é de 22 metros.

Uma das características da ordem Procellariiformes é a postura, durante a estação reprodutiva, de um único ovo bem grande e com muita gema; o ovo do albatroz­real (Diomedea epomophora) pesa entre 400­500 gramas, constituindo 5% do peso da fêmea. Caso o ovo se quebre acidentalmente por algum motivo ou seja capturado por predadores, não haverá nenhuma tentativa adicional de acasalamento nesse ano, somente no próximo.

A incubação também é demorada nestas aves, durando entre 70 e 80 dias na maioria dos albatrozes, que significa o maior período de incubação conhecido entre as aves. Este processo exige muito em termos de gastos energéticos; os adultos podem perder cerca de 83 gramas de massa corporal por dia. Nos albatrozes, ambos os sexos chocam o ovo, revezando­se em longos intervalos. Este comportamento é uma adaptação evolutiva que permite um maior sucesso reprodutivo, devido às grandes distâncias entre o ninho e a fonte de alimento no oceano. O revezamento na incubação do ovo ocorre em intervalos semanais, mas existem casos em que o macho incuba o ovo sozinho, sem se alimentar durante cinco semanas. O período total de incubação é de quase três meses.

Após a eclosão, o filhote é protegido pelos pais por um período de mais ou menos três semanas, até ter crescido o suficiente para se defender e acumulado gordura para conseguir a termorregulação. Durante este período, os pais alimentam o filhote com pequenas refeições, que representam cerca de 12% do peso corporal (cerca de 600 g) deste. Durante o inverno, um filhote pode ficar até mais de cinco dias esperando a comida chegar. Há registro de um filhote esperando 24 dias até sua mãe voltar. A refeição consiste tanto de lulas, peixe e “krill” semi­digeridos, como de óleo estomacal, particularmente rico em lipídios e cujo transporte é mais fácil que o das presas não digeridas. Este óleo é produzido pelos Procellariiformes num órgão estomacal, conhecido como proventrículo, a partir do alimento digerido. A produção do óleo estomacal é um processo especial de digestão, através do qual a água é retirada do alimento, sendo a proteína absorvida pela ave, sobrando apenas a gordura do alimento. O resultado é o óleo estomacal que é encontrado apenas nos Procellariiformes. As bicadinhas dos filhotes famintos estimulam os pais a regurgitar o alimento.

Os filhotes de albatrozes levam muito tempo até aprender a voar e sair do ninho, pois o baixo teor de proteína no alimento faz com que o crescimento do filhote seja lento (Figura 10). No caso do gênero Diomedea, o processo pode levar até 280 dias. Mesmo no caso de albatrozes de menor porte, esse processo poderá demorar 140 a 170 dias. Estudos de ÅKESSON, S. e WEIMERSKIRCH (2005) demonstram que entre a postura dos ovos e a formação da plumagem e saída do filhote do ninho, podem­se passar até 13 meses, um período mais prolongado do que em qualquer outra ave conhecida. É por esse motivo que os albatrozes do gênero Diomedea colocam um único ovo e em anos alternados. Tal como no caso de muitas aves marinhas, as crias de albatroz têm de suplantar o próprio peso dos pais, de modo a utilizar estas reservas suplementares para criar condições corporais (como o crescimento de uma plumagem de vôo adequada), que lhes permitem começam a voar sensivelmente com o mesmo peso dos progenitores. No auge de seu peso, que ocorre em julho e agosto, um filhote bem nutrido pode pesar até 17 kg, enquanto o albatroz adulto não ultrapassa 12,5 kg, ou seja, pesa 5 kg menos (Figura 8). O excesso de peso do filhote é o resultado de uma camada de gordura de quase 3 cm de espessura e de uma grossa camada de pelugem. Essa proteção natural é necessária para a ave suportar os ventos fortes e as tempestades de neve.

Figura 8 ­Albatroz adulto incubando o ovo

Um filhote de albatroz se exercita muito pouco, passando quase o tempo todo parado. Os raros raios de sol no inverno são aproveitados para aquecer. Após conseguir voar, deixam os ninhos por iniciativa própria. Muitos pais voltam ao local de nidificação demorando a aperceber­se de que a cria já os abandonou. Estudos sobre a dispersão de aves jovens pelo oceano sugerem que exista um comportamento migratório inato, como uma rota de navegação codificada geneticamente, que as ajuda a se orientarem no mar.

Como muitas outras aves marinhas, os albatrozes apresentam uma estratégia demográfica do tipo seleção “K”, ou K­estrategistas, isto é, a baixa natalidade que apresentam é compensada por uma longevidade relativamente grande, por investirem maiores esforços na criação do filhote e sobreviverem em hábitats onde há intensa competição pelos recursos. As populações, em geral, estão agregadas, e os indivíduos investem mais no crescimento, ou gastando sua energia na competição. Os hábitats nos quais eles são geralmente favorecidos denominam­se K­seletivos. Os albatrozes têm um período de vida relativamente prolongado. A maior parte das espécies vive mais de 50 anos. O espécime com maior longevidade registrada foi de um albatroz­real­setentrional, anilhado já adulto (fazendo crer que deveria ter em torno de 10 anos) e que assim viveu mais de 51 anos (foi capturado 51 anos depois), o que permite estimar que tenha vivido cerca de 61 anos. Dado que a maior parte de projetos científicos de anilhamento de albatrozes é mais recente que neste caso, é provável que se venha descobrir que outras espécies tenham uma maior longevidade.

Para saber quanto um albatroz viaja em busca de alimento quando está com cria, os pesquisadores aplicam uma tinta inofensiva em grande número de aves e solicitam a todos os navios que viajam pela região que comuniquem o aparecimento de aves marcadas dessa forma. Assim, foi possível medir a área de pesca do albatroz­errante, que chega a ter um raio de 240 km. Este método também permitiu que australianos avistassem as marcas de tintas em albatrozes identificados a 11.000 km de distância. A viagem durou menos de três meses e foi feita com a ajuda dos ventos da região, situada entre 39° e 50° de latitude sul. Descobriu­se, na mesma época, que os albatrozes eram capazes de ir da Austrália até as Georgias do Sul em três semanas. Outro método bastante usado para acompanhar as migrações das aves é o de pôr, nos pés das mesmas, anéis com inscrições que identificam cada indivíduo ou, ainda, um aparelho que emite ondas de rádio, captadas por satélites.

Esta última técnica tem permitido aos cientistas registrar dados constantemente sobre as viagens em busca de alimento, efetuadas pelos albatrozes nos oceanos. Os estudos de CROXELL e PRINCE (1994) registram que estas aves se dispersam depois da época de reprodução, no caso das espécies meridionais, realizando freqüentes viagens circumpolares.

Há ainda indícios de que as áreas de distribuição de diferentes espécies são distintas. A comparação dos nichos ecológicos de duas espécies que se reproduzem na Ilha de Campbell: o albatroz­de­campbell ([Thalassarche (melanophris) impavida] e o albatroz­de­cabeça­cinza (Thalassarche chrysostoma), demonstra que a primeira se alimenta principalmente na Plataforma de Campbell, enquanto a segunda procura águas com características marcadamente oceânicas e pelágicas. Ainda, os trabalhos de OLSON e HEARTY (2003) demonstram que o albatroz­errante reage de forma acentuada à batimetria, alimentando­se apenas em águas com profundidade superior a 1000 m ­os dados obtidos por satélite configuram uma área com contornos de tal modo definidos, que um cientista chegou a dizer que "parece que as aves vêem e obedecem a um sinal de `entrada proibida´ nos locais onde a água tem menos de 1000 metros de profundidade". Sugere­se ainda que, até na mesma espécie, os dois sexos podem ter áreas de distribuição distintas. Um estudo realizado sobre albatrozes­de­tristão que procriam na Ilha Gough demonstroa que os machos viajam para oeste, enquanto as fêmeas tomam o sentido contrário.

Durante os dez meses em que permanecem no mar, os albatrozes circunvagam o continente antártico, acompanhando os ventos predominantes. Ainda não se sabe como conseguem percorrer tamanhas distâncias dentro da imensidão do oceano, encontrando sempre o seu caminho, de volta para as colônias de reprodução. Essa viagem, na qual as aves percorrem em torno de 24 mil km, repete­se em anos alternados durante os cerca de 50 anos (em média) de vida adulta dos albatrozes, pois eles fazem seus ninhos a cada dois anos e o período reprodutivo dura aproximadamente 12 meses. Isto significa que os Procellariiformes possuem grande capacidade de orientação no Tempo e no Espaço. Os mecanismos biológicos que possibilitam este apurado senso de localização ainda não são bem conhecidos, existindo apenas hipóteses não comprovadas, mas alguns estudos demonstram a existência de um impressionante senso de direção. O albatroz Diomedea immutabilis, que nidifica no Arquipélogo do Havaí, foi transportado para as Filipinas sobre uma distância de 7.200 km, mas voltou em trinta e dois dias para seu ninho.

A alimentação dos albatrozes é composta basicamente por animais vivos, como os cefalópodes, peixes e crustáceos (entre eles o "krill" do plâncton), entretanto alguns podem comer animais mortos incluindo restos de comida lançados de navios, que ficam por muito tempo nos mares. É importante ressaltar que para um grande número de espécies só se conhece a dieta por estudos realizados durante o período de procriação. Este é o único período em que os albatrozes voltam regularmente à terra, tornando possível o estudo de rejeitos alimentares. É interessante verificar que os albatrozes em estado de estresse, quando capturados regurgitam, tornando­se, assim, fácil o estudo dos itens alimentares. A importância de cada um dos tipos de alimento referidos varia muito de espécie para espécie e mesmo de população para população. Enquanto alguns baseiam a sua alimentação em lulas, outros preferem "krill" ou peixe. Das duas espécies de albatroz encontradas no Hawaii, uma, o albatroz­patinegro, prefere peixe, enquanto o albatroz­de­laysan (Phoebastria immutabilis) captura essencialmente lulas.

O uso de "transponders" para o registro da ingestão de água pelos albatrozes ao longo do tempo enquanto permanecem no oceano (o que possibilita fazer inferências quanto aos seus hábitos alimentares) permite supor que os albatrozes se alimentam preferencialmente durante o dia. A análise de bicos de lula regurgitados por albatrozes mostrou que muitas das lulas comidas eram demasiado grandes para se poder supor que fossem capturadas vivas e que outras eram exemplares de espécies que vivem na zona mesopelágica, cuja profundidade está fora do alcance dos albatrozes, sugerindo que, para algumas espécies, como o albatroz­errante, a ingestão de lulas mortas é parte importante da sua dieta. A origem destas lulas mortas é ainda muito debatida. Alguns autores apontam a pesca humana como sendo a principal fonte, ainda que a principal causa natural seja a morte após a desova das lulas e os vômitos de lulas por parte de cachalotes, baleias­piloto e golfinhos. A dieta de outras espécies, como o albatroz­de­sobrancelha e o albatroz­de­cabeça­cinza, é composta essencialmente de pequenas de lulas pequenas, cuja tendência é ir ao fundo depois de mortas, o que permite assumir que a necrofagia não é predominante nestas espécies.

Até há pouco tempo pensava­se que os albatrozes eram predominantemente coletores de superfície, apanhando as lulas e peixes trazidos à superfície por correntes, predadores ou devido à sua morte. O uso de "transponders" para registrar a profundidade máxima atingida por uma ave e que são colocados junto ao corpo da mesma e recolhidos quando esta volta à terra, mostram que enquanto algumas espécies, como o albatroz­errante, não mergulham mais que a um metro de profundidade, outras, como o piau­de­costa­clara, atingem profundidades médias da ordem dos cinco metros, podendo chegar a 12,5 metros. Entretanto, há registro de albatrozes que mergulham do ar em direção à água para capturar presas.

Os albatrozes são famosos por seu vôo aparentemente sem esforço, com as asas rijas, movendo­se de forma muito eficiente no ar e cobrindo grandes distâncias com pouco esforço (Figuras 9, 10 e 11). Contando com ventos fortes, é capaz de acompanhar um navio durante horas, praticamente sem movimentar as asas. O método usado pelo albatroz para planar é muito diferente daqueles utilizados pelas águias, urubus e fragatas que ganham altitude aproveitando­se das correntes ascendentes de ar quente. Os albatrozes utilizam as alterações do vento para percorrer grandes distâncias, recorrendo a duas técnicas de vôo habituais em muitas aves marinhas de grandes asas: o vôo dinâmico e o vôo de talude. O vôo dinâmico permite minimizar o esforço necessário para deslizar frente às ondas, utilizando o ímpeto vertical devido ao gradiente de vento. No vôo de talude, o albatroz enfrenta o vento, ganhando altitude, podendo, em seguida, deslizar diretamente para a superfície do oceano. Os albatrozes têm uma razão de planeio elevada, cerca de 1:22 a 1:23, o que significa que a cada metro de altitude que descem, avançam 22 a 23 metros. São ajudados, no vôo planado, pelo fato de apresentarem uma membrana tendinosa que mantém a asa distendida depois de estar totalmente aberta, sem que seja necessário fazer esforço muscular adicional. Esta adaptação morfológica é partilhada com os petréis­gigantes.

Figura 9 ­Vôo planado de albatroz

Os albatrozes combinam estas técnicas de vôo planado com o uso de sistemas inatos de predição do estado do tempo. Os albatrozes do Hemisfério Sul que voam para o norte a partir das suas colônias seguem uma rota no sentido dos ponteiros do relógio, enquanto aqueles que voam para o sul seguem o sentido contrário. São aves tão bem adaptadas ao seu estilo de vida que apresentam níveis de freqüência cardíaca em vôo aproximados aos registrados durante os períodos de repouso. Esta eficiência funcional é tal que não são as grandes distâncias percorridas numa excursão em busca de comida que implicam maior gasto energético, mas sim os momentos de decolagem, aterragem e captura do alimento atividades que exigem um maior esforço muscular por parte da ave. Estas eficientes viagens de longos tempo e distância justificam que se considere o albatroz como um bem adaptado pescador­coletor de longas distâncias, tendo em conta que o seu alimento se encontra esparsamente distribuído no oceano. Contudo, sua adaptação ao vôo planado os torna dependentes da existência de vento e de ondas. A maioria das espécies não tem condições morfofisiológicas que lhes permitam manter um vôo ativo auto­sustentado. Em situação de calmaria, os albatrozes são obrigados a permanecer em repouso na superfície da água até que se levantem novas ondas. Dormem quando repousam sobre a água, e não, enquanto voam. Quando decolam, os albatrozes necessitam efetuar uma corrida de modo a permitir a passagem suficiente de ar sob as asas, para que se crie a sustentação aerodinâmica necessária para levantar vôo.

Diversas espécies de albatrozes que se reproduzem em ilhas subantárticas também são encontradas em águas brasileiras durante o ano inteiro, seguindo os barcos de pesca, como o albatroz­de­sobrancelhas (Thalassarche melanophris), o albatroz­errante (Diomedea exulans), o albatroz­real (Diomedea epomophora), o albatroz­de­nariz­amarelo (Thalassarche chlororhynchos) e o albatroz­de­cabeça­cinza (Thalassarche chrysostoma). Em sua maioria, são aves imaturas que perambulam pelos oceanos até atingir a maturidade sexual.

Distribuem­se por quase toda a extensão do oceano Antártico e norte do Oceano Pacífico. Porém, a maior parte porém dos albatrozes são encontrados no Hemisfério Sul, desde a Antártida até à Austrália, África do Sul e América do Sul. As exceções incluem as quatro espécies do Pacífico Norte, sendo três exclusivamente desta região, do Hawaii ao Japão, Califórnia e Alasca, e uma, o albatroz­das­galápagos (Phoebastria irrorata), que procria nas Ilhas Galápagos, mas que se alimenta nas costas sul­americanas. A dependência em relação ao vento, necessário ao vôo, justifica a confinação a latitudes elevadas, já que estas aves não têm capacidade para efetuar vôo auto­sustentado, de modo a conseguir cruzar com alguma facilidade a zona de convergência intertropical. A única exceção, o albatroz­das­galápagos, é capaz de viver em águas equatoriais, em volta das Ilhas Galápagos, devido às águas frias da Corrente de Humboldt e ventos dela resultantes.

Algumas espécies meridionais aparecem, contudo, ocasionalmente no Atlântico Norte, onde permanecem em situação de "exílio" durante décadas. Destas espécimes exiladas, CROXALL et al.(2005) registraram um albatroz­de­sobrancelha que persistiu em voltar a uma colônia de gansos­patolas (Morusbassanus)na Escócia, numa tentativa vã de procriar.

Espécies

A IUCN e a BirdLife International, dentre outras organizações, reconhecem a taxonomia interina de quatro gêneros e 21 espécies não extintas, enquanto que outras autoridades mantêm as tradicionais 14 espécies e três gêneros, havendo mesmo um estudo que propõe sua redução para 13.

Diomedea (grandes albatrozes)

Albatroz­errante, ou albatroz­gigante: D.exulans
Albatroz­dos­antípodas: D. (exulans) antipodensis
Albatroz­de­amsterdam: D. (exulans) amsterdamensis
Albatroz­de­tristão, ou albatroz­de­gough: Diomedea (exulans) dabbenena
Albatroz­real­setentrional: Diomedea sanfordi
Albatroz­real­meridional: Diomedeae pomophora

Phoebastria (albatrozes do Pacífico Norte)

Albatroz­das­galápagos: Phoebastria irrorata
Albatroz­de­cauda­curta: Phoebastria albatrus Albatroz­patinegro: Phoebastria nigripes
Albatroz­de­laysan: Phoebastria immutabilis

Thalassarche

Albatroz­de­sobrancelha: Thalassarche melanophris
Albatroz­de­bico­amarelo­do­atlântico: Thalassarche chlororhynchos
Albatroz­de­cabeça­cinza: Thalassarche chrysostoma
Albatroz­arisco: Thalassarche cauta
Albatroz­de­campbell: T. (melanophris) impavida
Albatroz­de­chatham: T. (cauta) eremita
Albatroz­de­salvin: T. (cauta) salvini
Albatroz­de­nariz­amarelo: T. (chlororhynchos) carteri
Albatroz­de­buller: T. bulleri

Phoebetria

Piau­preto: Phoebetria fusca
Piau­de­costa­clara: Phoebetria palpebrata

Observação: As espécies dos gêneros Thalassarche e Phoebastria são por vezes colocadas no gênero Diomedea: por exemplo, em vez de Thalassarche melanophrispodera aparecer Diomedea melanophris.

Referências Bibliográficas

ALEXANDER, W. B., FLEMING C. A., FALLA R. A., KURODA N. H., Jouanin C., Rowan M. K., Murphy R. C., Serventy D. L., Salomonsen F., Ticknell W. L. N., Voous K. H., Warham J., Watson G. E., Winterbottom J. M., and Bourne W. R. P. 1965. "Correspondence: The families and genera of the petrels and their names." Ibis107: 401–5.

ÅKESSON, S. e WEIMERSKIRCH, H. (2005) "Albatross Long­Distance Navigation: Comparing Adults And Juveniles" Journal of Navigation 58: 365–373.

CROXALL, J.P. e PRINCE, P.A. (1994). "Dead or alive, night or day: how do albatrosses catch squid?" AntarcticScience6: 155–162.

CROXALL, J. P., SILK, J.R.D., PHILLIPS, R.A., AFANASYEV, V., BRIGGS, D.R., (2005) "Global Circumnavigations: Tracking year­round ranges of nonbreeding Albatrosses" Science 307: 249–250.

OLSON, S.L. e HEARTY, P.J. (2003) "Probable extirpation of a breeding colony of Short­tailed Albatross (Phoebastriaalbatrus) on Bermuda by Pleistocene sea­level rise." Proceedingsof the National Academy of Science 100: (22) 12825–12829. WARHAM, J. (1990) The Petrels ­Their Ecology and Breeding Systems London: Academic Press.

Fotos: Luciano Cadesani

Origem: Instituto de Pesca - www.pesca.sp.gov.br

Edison Barbieri é oceanógrafo com habilitação em oceanografia biológica e geológica, mestre em geografia física e concluiu o doutorado em Oceanografia (Oceanografia Biológica) pela Universidade de São Paulo em 2000. Atualmente é Pesquisador do Instituto de Pesca. Publicou 54 artigos em periódicos especializados, 97 trabalhos em anais de eventos e 170 artigos de divulgação científica. Possui 3 livros publicados e 3 captulos de livros. Possui 61 itens de produção técnica. Participou de 5 eventos no exterior e 26 no Brasil. Orientou 7 trabalhos de iniciação científica e 5 trabalhos de conclusão de curso na área de Ecologia. Recebeu 1 prêmio e/ou homenagem. Já coordenou 6 projetos de pesquisa. Atua na área de Oceanografia, com ênfase em Interação entre os Organismos Marinhos e os Parâmetros Ambientais. Em suas atividades profissionais interagiu com 52 colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: Aves marinhas, ecologia, Ave de praia, ave, poluição, toxicidade, Antártida, oceanografia, peixe e aves.
Contato: edisonbarbieri@yahoo.com.br 



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

BARBIERI, E.  OS ALBATROZES: desajeitados em terra, mas ágeis no ar . 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_3/Albatrozes/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 27/07/2010