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NEM DEPENDÊNCIA NEM MORTE

Celso Luis Rodrigues Vegro

Félix Schouchana

A sociedade brasileira completa 25 anos de democracia plena, sob o mandamento de eleições amplas e sucessão saudável de orientações políticas na condução da Nação. Concomitantemente, a sociedade civil aprendeu a se organizar, ecoando seus pleitos junto às estruturas de tomada de decisão, conferindo maior vitalidade para a organização política do país. Por mais reconhecidos que sejam os defeitos da democracia brasileira, temos que aceitar que ainda não se descobriu outra forma melhor para se organizar o convívio social.

A manifestação da sociedade civil em muitas ocasiões concentra-se apenas na denúncia carecendo de uma via afirmativa que os libertem de posições sinucadas, que até podem atrair a atenção dos inconformados, mas que não constituem bases para o avanço do conhecimento e, conseqüentemente, das suas ações.

A temática do aceite da origem brasileira nas negociações dos contratos C na bolsa de Nova Iorque1 constituiu-se em um assunto que motivou posicionamentos prós e contras com as mais diferentes matizes2. Em razão dessas divergências, faz-se necessária a continuidade das análises sobre essa questão.

As bolsas de futuros constituem-se em lócus de formação para as cotações de dezenas de produtos que além de aceitação global exigem homogeneidade e grandes volumes ofertados. Trata-se de espaço organizado de encontro entre os ofertantes e demandantes. Nesse encontro ocorre a arbitragem das cotações que na grande maioria dos casos servirá como sinalizador dos preços a serem praticados nas transações quer tenham ou não as bolsas como ente participante. Suas receitas advêm dos emolumentos que são gerados pelo fluxo de liquidez dos contratos negociados. Portanto, seu permanente interesse é que a liquidez se amplie, valorizando suas ações e a fortalecendo enquanto instituição financeira.

As bolsas não induzem preços. Tampouco administram os mercados ou geram qualquer artificialismo para as transações entre as partes vendedora e compradora. Não é sua prerrogativa estabelecer diferenciais de remuneração em razão das qualidades diferenciadas dos tipos de um mesmo produto. Não favorece nem prejudica a ninguém. Para a decepção de alguns, tudo aquilo que ocorre diariamente nas bolsas não ratifica as teorias conspiratórias.

 A qualidade do movimento bursátil consiste em agregar transparência para a formação das cotações. Ademais, oferece condições para o planejamento do investimento uma vez que a sinalização de cotações também precifica o futuro. A possibilidade de transferência de riscos entre os agentes permite uma gestão da comercialização dos produtores com claras vantagens para toda a sociedade, pois desse modo não assistem escaladas abruptas de preços dos produtos de sua imediata necessidade.

Nas transações envolvendo café nas bolsas, formam-se cotações que refletem as diferenças entre: os tipos (arábica e robusta); a qualidade da bebida; as despesas logísticas; com impostos e a posição relativa de oferta disponível das diferentes origens na composição do suprimento global. A conjunção de todos esses fatores confere alta complexidade para a formação das cotações e o surgimento de diferenciais é disso um reflexo. A ocorrência de diferencial é um fenômeno intrínseco do mercado e que atua em âmbito das commodities agrícolas e minerais3.

Em situações de livre mercado, como é o caso dos negócios que ocorrem com o café brasileiro, a transmissão de preços (contabilizado o diferencial vigente no momento) pode ser considerada plena. Essa situação atual já torna indiferente a decisão entre entregar café na BM&F ou em Nova Iorque mesmo sem considerar o aceite dessa última bolsa para a origem brasileira.

Nova Iorque sinaliza com o aceite, pois precisa incrementar fontes de liquidez para seus negócios. Ao atrair novos agentes os administradores da bolsa contribuem para uma formação de preços mais justa e, conseqüentemente, melhor para os cafeicultores, que por natureza do ofício (obviedade necessária), comercializam café.

Outros fatores pró-Nova Iorque podem ser explicitados. A abertura de mais uma alternativa para a venda do café fortalece o poder de barganha dos cafeicultores frente aos seus clientes (traders, exportadores, torrefadores). Nova Iorque sempre será um canal de comercialização de última instância, pois, como salientamos, num ambiente de transferência plena de preços (livre mercado), torna-se indiferente entregar lá ou em São Paulo. Não há como diminuir a facilidade que é a possibilidade de entregar em São Paulo, comparativamente sua exportação para Nova Iorque.

A opção de criar um novo contrato na Bolsa de Chicago (CME) esbarra no foco de maior competência dessa bolsa que são os grãos. A atração dos especuladores a partir de emolumentos mais vantajosos, por si só, não cria nem desenvolve mercado, pois essa taxa é um componente meramente marginal na precificação do produto. Um contrato de café natural em Chicago iria causar a canibalização desse mercado em prejuízo de todos que atuam com café, especialmente, as duas maiores bolsas estadunidenses. A verdadeira competição entre as bolsas deve ocorrer em suas capacidades em atrair liquidez visando à valorização de suas ações em ambiente que cada vez mais pressiona para movimentos de consolidação do capital (as chamadas fusões cada vez mais comuns entre as bolsas por meio da troca de ações).

Se existir de fato um vivo interesse em se criar um contrato de natural no exterior, a inteligência comercial nacional deveria apontar para a Bolsa de Xangai ou de Dalian, com participação ativa da BM&F-Bovespa, por meio da integração de suas mútuas Câmaras de Compensação. Os chineses estão cada vez mais dispostos a carregar risco em face da monumental liquidez que sua economia exibe. Essa alternativa para os contratos de café natural permitiria inclusive o desenvolvimento do mercado para a bebida, que ainda é apenas uma promessa para o futuro.

Todavia, para que a entrega da origem brasileira não se transforme no “dito gato por lebre”, algumas condicionantes precisam ser observadas como:

  1. o contrato terá que definir onde o café poderá ser entregue no físico (estimado em menos de 1% do total a ser negociado). O credenciamento de armazéns incluirá estabelecimentos situados no país?

  2. quais os critérios a serem utilizados para determinar o diferencial a ser aplicado para a origem brasileira;

  3. caso o diferencial exiba um deságio muito inferior àquele que tradicionalmente vigora para o natural, corre-se o risco de que os cafeicultores brasileiros partam para entrega no físico, ocorrência totalmente indesejável para a bolsa;

  4. se apenas os armazéns estadunidenses estiverem credenciados para a entrega no físico, os custos logísticos incorridos desestimulam a participação dos cafeicultores brasileiros em operar com Nova Iorque; e

  5. se o deságio estipulado pela bolsa de Nova Iorque estiver fora das expectativas do mercado, os prêmios e deságios em Santos irão equilibrar a conta para o trader. Assim, se o deságio da bolsa for grande, os prêmios em Santos aumentarão para refletir a oferta e demanda disponível no momento e vice-versa.

Portanto, não basta colocar o produto brasileiro no contrato de Nova Iorque, é preciso definir tanto os aspectos acima como outros, não aqui detalhados, para que a iniciativa não seja brindada com frustração generalizada.

Independente da decisão final dos gestores da bolsa de Nova Iorque, a trajetória para a cafeicultura brasileira continuará firmemente apoiada no alicerce da inovação tecnológica/desenvolvimento, fortalecimento da cafeicultura vinculada às cooperativas de produção; o incremento da qualidade por meio de atenção total ao pós-colheita e das políticas públicas pró-mercado com apoio das bolsas de mercadorias em que os riscos do negócio podem ser mitigados.

1 O Ministro da Agricultura brasileiro formalizou o pedido de inclusão do café brasileiro nas operações da Bolsa de Nova Iorque (ZAFALON, M. Brasil quer ficar livre da aftosa ainda em 2011. Folha de São de Paulo, Mercado, B10. 19/07/2010).

2 Apontamos apenas dois artigos que refletem ponto de vistas divergentes: “Reconhecidos pelo Mérito” representando o ponto de vista favorável e “Independência ou Morte” que não percebe qualquer vantagem na abertura novaiorquina. Ambos os artigos podem ser localizados nesse portal.

3 No caso do petróleo existem cotações para o tipo Brent e para os tipos mais pesados. Nos minerais de modo geral intercede o teor de pureza e os tipos de misturas que compõe a rocha originária.

 

“Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo”.

(carta a uma amiga)

Clarice Lispector (1920-1977)


Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como Pesquisador Científico nivel VI do Instituto de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café.
Contato: celvegro@iea.sp.gov.br

 

Félix Schouchana é Economista, M.S. Prof. do Curso de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas - FGV.
Contato: felixsc@uol.com.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEGRO, C.L.R.; Schouchana, F.  Nem dependência nem morte. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_3/ndnm/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 03/07/2010