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SEGURO RURAL: SÃO PAULO AVANÇA NA CONTRAMÃO DO RETROCESSO NA POLÍTICA FEDERAL

José Sidnei Gonçalves

 

A nova política para a agricultura brasileira vem sendo edificada com o progressivo rompimento com os paradigmas que edificaram a intervenção estatal para o desenvolvimento setorial da metade dos anos 1960 em diante com apogeu na década de 1970. Naquela quadra histórica a estratégia de internalizar os padrões da segunda revolução industrial levou à utilização do crédito subsidiado para modernizar a agropecuária com intensificação do uso de insumos e máquinas, para estruturar as agroindústrias de bens de capital e insumos e as de processamento e de alimentos, além das estruturas dos agro-serviços transacionais e financeiros. Essa transformação que provocou transformações profundas na estrutura de mercado e formação de preços acabou esgotando-se pelo seu próprio sucesso, sendo que do lado das finanças públicas a explosão da dívida pública tornou-se uma limitação para a continuidade desse perfil de políticas.

Tal como o subsídio no crédito rural dos anos 1970, a subvenção econômica representa condição essencial para a generalização do seguro rural. A legislação pioneira nesse sentido constitui-se no Estado de São Paulo com a Lei Estadual nº 11.244, de 21 de outubro de 2002 que possibilitou a subvenção de até metade do prêmio do seguro rural. A legislação federal iria mais tarde por meio da Lei Federal nº 10.823, de 19 de dezembro de 2003, também adotar a subvenção econômica ao prêmio como instrumento para a disseminação do seguro rural. O espírito dessa legislação consiste em caminhar para a edificação de uma política de garantia da renda agropecuária. Tanto assim que a Lei Federal 10.823/2003 deixa em aberto a possibilidade de subvenção para um amplo arco de modalidades de seguro rural.

Isso pode ser visto na redação do artigo 2° da Lei Federal 10.823/2003 que preconiza subvenções que poderão ser diferenciadas segundo: I - modalidades do seguro rural; II - tipos de culturas e espécies animais; III - categorias de produtores; IV - regiões de produção; V - condições contratuais, priorizando aquelas consideradas redutoras de risco ou indutoras de tecnologia? A pluralidade das modalidades de seguro rural passíveis de subvenção está explícita no Inciso I do artigo 3° que define que o Poder Executivo regulamentará: I - as modalidades de seguro rural contempláveis com o benefício de que trata esta Lei?. Fica explícita a possibilidade de avanços na política federal de seguro rural, incorporando outras modalidades que não apenas aquelas associadas a fenômenos climáticos.

Os Planos Trienais de Seguro Rural até recentemente, conquanto na prática tenha operacionalizado apenas o seguro contra riscos climáticos, vinham mantendo coerência com o espírito da Lei Federal 10.823/2003. Entretanto na medida mais recente configura-se relevante retrocesso nesse aspecto. Isso pode ser visto na Resolução nº 22, de 30 de dezembro de 2009 do Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural (CGSR) aprovou o Plano Trienal do Seguro Rural - PTSR do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural para o período de 2010 a 2012. Em linhas gerais o PTSR 2010-2012 parece seguir a linha de continuidade, mas há que se refletir sobre o significado de uma diferença fundamental em relação ao Plano Trienal do Seguro Rural - PSTR do Programa de Subvenção Econômica ao Prêmio do Seguro Rural para o triênio 2007 a 2009, que havia sido aprovado pela Resolução nº 19, de 29 de dezembro de 2008.

Essa diferença está explícita na diferença das diretrizes gerais para essa política federal que no PSTR 2007-2009 definia que se buscava: a) promover a universalização do acesso ao seguro rural; b) assegurar o papel do seguro rural como instrumento para a estabilidade da renda agropecuária; c) induzir o uso de tecnologias adequadas e modernizar a gestão do empreendimento agropecuário. Já no PSTR 2010-2012 procura-se: a) promover a universalização do acesso ao seguro rural; b) assegurar o papel do seguro rural como mitigador dos efeitos dos riscos climáticos das atividades agropecuárias; c) induzir o uso de tecnologias adequadas e modernizar a gestão do empreendimento agropecuário.

Fica nítida a menor abrangência da política federal de seguro rural, que deixa de buscar mecanismos complementares que construam a garantia da renda agropecuária, para retroceder ao velho desenho do seguro rural dos anos 1930 que era consubstanciado no seguro contra granizo criado para o algodão paulista com base no Decreto Estadual n° 10.554 de 4 de outubro de 1939 que organizou o Fundo de Defesa da Lavoura Algodoeira Conta o Granizo, formado por parcela da venda de sementes de algodão pelo Estado e visava cobrir prejuízos de agricultores cujos algodoais fossem atingidos por esse evento climático. Nessa política paulista de sucesso na construção da modernidade da cotonicultura no período 1930-1990 o seguro era obrigatório, sendo integrante de um rol de medidas reguladoras da produção e comercialização do algodão.

O retrocesso explícito no PSTR 2010-2012, cuja abrangência indica em caso de continuidade da gestão federal uma persistência que atingirá metade do próximo Governo, na verdade revela a baixa prioridade do Governo Federal para a configuração das bases uma nova política agrícola em bases mais modernas, preferindo manter-se na linha populista das renegociações e reestruturações da enorme dívida rural acumulada que lançar as bases de uma solução mais duradoura para a questão do financiamento da produção. Tanto assim ocorreu atraso no pagamento às seguradoras no exercício 2009 de cerca de R$ 90 milhões devidos a título de subvenção econômica do seguro rural. E quando foi acertado esse calote do Tesouro Federal que em 2009 não honrou seus compromissos com o seguro rural,  o dinheiro utilizado foi o destinado ao seguro rural de 2010, cuja dotação orçamentária já era insuficiente. Não há de se estranhar, portanto, que no final do exercício tenha sido explicitado o recuo conceitual das diretrizes do seguro rural, reduzido a gestão de riscos climáticos no triênio 2010-2012.

Conquanto de abrangência ainda reduzida, o seguro rural que cobre menos de 10% da área agropecuária brasileira vem crescendo nos últimos anos. Com liberação neste primeiro semestre de 2010 dos R$ 90 milhões devidos às seguradoras com base no Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), os recursos referentes a 2009 destinados ao PSR somam R$ 261 milhões, 66,2% mais que os R$ 157 milhões aplicados em 2008. Em relação a 2007, quando foram repassados R$ 61 milhões ao programa, os investimentos foram 328% superiores. O PSTR 2010-2012 prevê a aplicação de R$ 451 milhões.  Mas a credibilidade da subvenção federal do prêmio do seguro rural está comprometida, uma vez que foi previsto no orçamento 2010, o montante de R$ 238 milhões para esse fim, dos quais foram descontados R$ 90 milhões que representavam débitos com as seguradoras não honrados pelo Governo Federal em 2009. Ficam disponíveis então R$ 148 milhões, o que sequer permite cobrir as previsões de subvenções no mesmo nível de 2009. Trata-se de golpe mortal na credibilidade do sistema federal.

Mesmo que isso seja solucionado, face às diretrizes fixadas a subvenção federal do seguro rural se manterá nos limites da cobertura de danos decorrentes de fenômenos climáticos. Ficam de fora outras ocorrências que podem afetar sua produção como pragas e doenças e eventos de outras características capazes de destruir lavouras e criações. O retrocesso conceitual inserido nas novas diretrizes da subvenção federal do seguro rural configura inclusive uma enorme confusão dado que a restrição imposta ao contemplar apenas os riscos climáticos como um das diretrizes torna inviável a segurança de concretização das outras duas diretrizes, uma vez que como nem todas as atividades estão sujeitas a riscos climáticos não há como cumprir a diretriz de universalizar o acesso ao seguro rural e como a exposição ao risco na agropecuária se mostra inibidora serão menores os investimentos necessários ao uso da moderna tecnologia adequada nos empreendimentos agropecuários.

Tais diretrizes reducionistas e de notório retrocesso conceitual cria obstáculo para o avanço da subvenção econômica como moderno instrumento de política setorial, que fica mais barato que os R$ 3 a 4 bilhões anuais transferidos em sucessivas renegociações da dívida rural. Nos Estados Unidos o seguro cobre riscos climáticos, riscos de doenças e pragas do seguro e riscos de preços com base numa renda esperada, com subvenção que subsidia de 38% a 100% do valor do prêmio conforme a modalidade. No Chile, o seguro cobre riscos climáticos e riscos de doenças e pragas, com subvenções de ate 80% do valor do prêmio. Nos EUA, além da subvenção ao prêmio, o Governo ainda subvenciona o custo administrativo e operacional das seguradoras. No Brasil no ano passado atrasou-se o pagamento de subvenções devidas e agora, fixa-se como diretriz a cobertura somente dos riscos climáticos limitando as possibilidades de avanço, pois ao contrário, as novas diretrizes indicam o retrocesso em relação ao espírito da Lei Federal 10.823/2003 de assegurar o papel do seguro rural como instrumento para a estabilidade da renda agropecuária.

E o faz na mais genuína do ideal bandeirante de alargar fronteira. Afinal foi o  FEAP, o Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP) que estabeleceu a legislação pioneira nesse sentido constitui-se no Estado de São Paulo com a Lei Estadual nº 11.244, de 21 de outubro de 2002 que possibilitou a subvenção de até metade do prêmio do seguro rural. A legislação federal iria mais tarde por meio da Lei Federal nº 10.823, de 19 de dezembro de 2003, também adotar a subvenção econômica ao prêmio como instrumento para a disseminação do seguro rural.

Após a implementação da subvenção federal do seguro rural, em decisão governamental paulista resolveu-se associar esses instrumentos federais e estaduais de maneira que o agropecuarista paulista tem um diferencial relevante quando comprado com outras unidades da federação na medida em que na associação das subvenções acaba arcando com um quarto do valor do prêmio. O acerto dessa medida operacional pode ser verificado na expansão consistente dos contratos de seguro agropecuário que saltam de 1.162 em 2007 para 9.287 em 2009, esperando-se atingir 12.135 em 2010.  As subvenções pagas saltaram de R$ 993,5 mil para R$ 12,9 milhões em 2009, projetando-se alcançar R$ 18,0 milhões em 2010.

Agora está sendo implementada nova opção pioneira do Governo do Estado de São Paulo, que corresponde a incorporar a gestão dos riscos produtivos decorrentes de pragas e doenças nas subvenções do prêmio do seguro rural.

No Brasil, as subvenções econômicas federais abrangem apenas o “risco climático” numa concepção que ainda remonta à realidade do seguro contra granizo no algodão criado em São Paulo nos anos 1930. No Chile as políticas públicas para agricultura já avançaram para a subvenção econômica do risco produtivo decorrente de pragas e doenças indo além do risco climático. Nos EUA, além das pragas e doenças também há subvenção econômica do prêmio do contrato de opção (seguro de preços).  Em 2010 será realizada a implementação em 2010 de medidas avançadas de aprimoramento do seguro rural que coloca o Governo de São Paulo à frente do Governo Federal. São Paulo, coloca-se assim na vanguarda na construção da nova política para agricultura incorporando a dimensão do risco de pragas e doenças na sua política de subvenção ao prêmio do seguro rural, o que se dará em 2010 com a operacionalização do seguro patrimonial do pomar de citrus.

Para tanto foi editado o Decreto nº 54.962, de 28 de outubro de 2009 que aprovouo Projeto Estadual de Subvenção do Prêmio de Seguro da Sanidade do Pomar Citrícola - Ano de 2009, com emprego de recursos do Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP)”. Os objetivos do referido projeto são: “I- garantir ao segurado cobertura das perdas no pomar citrícola decorrentes da contaminação pelas bactérias Xanthomonas axonopodis pv.citri (Cancro Cítrico) e Candidatus liberibacter spp (Greening); II - proporcionar aos segurados instrumento de gerenciamento econômico de riscos do impacto a sanidade de seus pomares; III - estruturar mecanismo de sustentação produtiva do segurado, possibilitando maior estabilidade econômica e social frente a possíveis perigos de natureza fitossanitária; IV - ampliar o rol de modalidades de seguro disponível para o empreendedor agropecuário buscando construir um arco de instrumentos de gerenciamento dos riscos que afetam a produção; V - gerar maior universalidade às operações de seguro aplicáveis à produção agropecuária enquanto mecanismo construtor da estabilidade de renda”.

E estão reservados os recursos para uma nova inovação paulista na política de seguro rural em 2010, aproximando-se do padrão norte-americano. Foi editada a Lei nº 14.149, de 21 de junho de 2010, que cria a subvenção econômica para o prêmio do contrato de opção. Esse mecanismo funciona como um seguro de preços permitindo ao agropecuarista fazer a gestão do risco de preços inerente à sua atividade decorrente da variação estacional de preços que são altos na entressafra (plantio) e muitas vezes não remuneradores na colheita gerando instabilidade da renda agropecuária. Assim, mais uma vez pioneiro São Paulo lança os alicerces da moderna política para a agricultura brasileira.

Assim, o Governo de São Paulo nega a lógica de retrocesso da política federal para a agricultura no seguro rural que prefere o populismo da dívida rural que “cabresteia” os agropecuaristas em infindáveis renegociações como se quem produz a riqueza do Brasil necessitasse ficar esmolando o que lhe é direito. Ao mesmo tempo nega a busca de estabilidade de renda no campo com o aprimoramento das políticas para a agricultura nacional. Trata-se de avanço fundamental dos instrumentos de políticas para agricultura. Isso para que seja o espelho da alma bandeirante típica dos brasileiros que vivem em São Paulo, de alargar fronteira na construção da grandeza do Brasil. Afinal, foram, os bandeirantes de São Paulo que empurram Tordesilhas para o sopé dos Andes constituindo esta grande nação.


José Sidnei Gonçalves é Engenheiro Agrônomo, Doutor em Ciências Econômicas, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). Atualmente é o Coordenador de Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

GONÇALVES, J.S. Seguro rural: São Paulo avança na contramão do retrocesso na política federal. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_4/SeguroRural/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 16/11/2010