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Matéria orgânica de solo: agente determinante da eficiência de fertilizantes nitrogenados

Waldo Alejandro Ruben Lara Cabezas

                  

É sabido que o carbono orgânico (CO) no solo é um indicador chave da fertilidade de um solo agrícola. Indiretamente, o teor da matéria orgânica do solo (MOS) contendo aproximadamente 58 % do CO do solo é também utilizado como indicador de fertilidade e de maior divulgação em análise de solo com finalidade de recomendação de adubação. De fato é considerado também indicador da qualidade do solo, na medida em que sustenta a produtividade biológica, mantem a qualidade ambiental e promove a saúde de plantas e animais.

A MOS afeta as características físicas (retenção de umidade, arejamento, infiltração de água, penetração radicular entre outros), químicas (aumento na capacidade de retenção de nutrientes e sua disponibilidade, especialmente o nitrogênio (N) e diminuição da toxidez de Al), e biológicas (quantidade e qualidade da biomassa microbiana do solo). Nada melhor que a modo de exemplo efetuar-se um comparativo entre dois solos com diferente teor de MOS para entender-se porque é determinante da eficiência de recuperação do N-fertilizante na planta. Ver tabela 1.

Um solo com acréscimo de 1,5 % de MOS, sem aplicação de fertilizante, aumenta seu potencial produtivo em 3.562 kg/ha de grãos de milho. Portanto, aumentar o teor de MOS que demanda práticas de manejo adequadas em forma permanente, é o desafio de todo produtor que queira ter controle e redução de seus custos de produção. E qual a receita para aumentar a MOS do solo? Por incrível que pareça a resposta foi dada por produtores empreendedores que nos inícios da década dos 70 adotaram o sistema de plantio direto (SPD) nas suas propriedades nos solos de Estado de Paraná.

Parar de preparar solo aliado à cobertura de palha permanente na superfície do solo e com planejamento de rotação de culturas é o sucesso que explica porque hoje temos 30 milhões de hectares com o sistema de produção adotado no país, sendo 10 milhões de hectares no bioma Cerrado, com estimativa de oito milhões de hectares de adopção para os próximos dez anos pelo incentivo das linhas de crédito governamental dos programas PRODUSA e Agricultura de Baixo Carbono. É a forma mais barata de aumentar a MOS. Portanto, áreas em pousio devem ser erradicadas.

Tabela 1. Potencial disponível de N proveniente do solo e expectativa de produção de grãos de milho, na ausência de fertilizante, para teores diferentes de matéria orgânica (1).

Componentes

Solo de baixa fertilidade

 

Solo de alta fertilidade

MOS (%)

            1,5

 

            3,0

MOS (kg/ha)

39.000

 

78.000

CO (kg/ha)

22.622

 

45.240

CO-MOS morta (kg/ha)

21.715

 

43.430

CO-MOS viva (kg/ha)

     905

 

  1.810

N-total (kg/ha)

     897

 

  1.820

N-mineral (disponível cinco meses) (kg/ha)

         46,2

 

          94,6

Expectativa de produção (kg/ha)

 1.168

 

  4.730

CO = carbono orgânico total, MOS = matéria orgânica.
(1)
Valores calculados com base na camada de 0-20 cm de profundidade, densidade 1,3 kg/L para um hectare. Assumindo-se que são necessários 20 kg/ha de N para a produção de uma tonelada de grãos.

Fazendo-se um paralelo com um motorista numa longa viagem, deverá inevitavelmente parar em posto de combustível para continuar sua jornada. Mas parar não significa atraso na viagem? Por outro lado, não parar pode significar talvez um maior atraso. Da mesma forma, o sistema precisa de combustível (palha), e é na entressafra que se deve repor o combustível gasto pela cultura de renda. É nesta época do ano que se deve colocar a maior atenção, porque estará beneficiando a próxima safra, com formação de novas palhadas e MOS em curto prazo. Falta ainda real conscientização, apesar das inúmeras vantagens assinaladas em textos, palestras, dias de campo, etc. O produtor deve entender que ter dinheiro no bolso ou na conta bancária é tão bom como palha na superfície de solo. Note-se que estamos considerando sinônimos, palha, combustível e dinheiro, e não estamos equivocados.

PALHA = COMBUSTÍVEL = DINHEIRO

No Cerrado este aspecto é mais crítico devido: a) às limitações climáticas por altas temperaturas, veranicos e estreita faixa de pluviosidade no verão e prolongada estiagem no outono/inverno, dificultando a permanência da palha como cobertura de solo, com rápida extinção; b) ao reduzido número de culturas para cultivo na entressafra devido ao anterior, afetando a disponibilidade de nutrientes reciclados para a cultura em sucessão; e c) falta de capacitação do recurso humano para entender a importância de planejar a sequência de culturas ao menos para três safras consecutivas e do entrave em aceitar as chamadas ‘boas práticas”, rompendo com a cultura da tradição.

Temos comprovado por pesquisas realizadas em Votuporanga (SP) que o cultivo de milho consorciado com pastagem é a solução para manter o sistema protegido o ano inteiro com cobertura viva e ainda gerando receita adicional pela permanência do capim durante o inverno com uma qualidade superior à pastagem extensiva que ainda domina a região. Ainda em São Paulo, a cana-de-açúcar forrageira pode ser um parceiro para a cultura de milho. Alguns resultados preliminares mostram que é viável a semeadura de milho, simultânea ao plantio do tolete de cana ou de gemas na entrelinha, produzindo uma forragem mais exuberante que o capim, na ocasião da colheita de milho. Neste caso sim é interessante reforçar em torno de 20 % a adubação em cobertura do milho, uma vez que a cana concorre com o milho pelo N.

Na figura 1 observa-se o expressivo desenvolvimento da cana plantada na entrelinha da cultura de milho até o momento da colheita do mesmo. O material poderá servir como forragem animal para o inverno ou efetuar-se uma cobertura garantida para a época da estiagem, evitando o desenvolvimento de invasoras. A massa de matéria seca produzida somando a palha de milho + cana tombadas foi de 17.800 kg/ha, garantindo para a época da estiagem cobertura total de solo. São formas alternativas de aumentar mais rapidamente o teor de MOS. 

Figura 1. Cana forrageira variedade IAC 86 2480 consorciada com milho na entrelinha (a) e desenvolvimento da mesma a momento de colheita do milho (b). Votuporanga (SP).

Devemos salientar a import ância do capim no outono/inverno na medida em que a região não apresenta vocação para safrinha uma vez que a cultura de verão está sendo cultivada a partir de dezembro, depois de firmada a pluviosidade o que eleva o risco da implantação da safrinha pela diminuição da precipitação, sem considerar o ataque de pássaros que afeta seriamente a produção de sorgo e milheto, nessa época do ano.

Para entender-se como a MOS está determinando a eficiência do fertilizante nitrogenado foram analisados trabalhos publicados entre 2000 a 2008 que usaram o traçador 15N (isótopo estável), que permite discriminar o N-fertilizante do N-solo absorvido pela cultura de milho e seu destino dentro da planta. Desses trabalhos pode-se concluir que na medida em que o solo tenha maior teor de MO, mais N estará disponibilizado para a planta.  É por isso que bons manejos conducentes a fazer palha na lavoura, levam à melhor nutrição da planta, e, portanto a melhor resistência a pragas e doenças.

De forma arbitrária foram agrupados intervalos de recuperação de N-total pela planta: 100 a 150 kg/ha, 150 a 200 kg/ha e 200 a 250 kg/ha. Observa-se na figura 2a que na medida em que a planta absorve mais N-fertilizante há uma acentuada recuperação de N-solo em termos absolutos: para o N-fertilizante há acréscimo de 59,0 % na planta entre os intervalos de absorção de 100 a 150 kg/ha de N e 200 a 250 kg/ha de N. Para o N-solo há, entretanto um acréscimo de 76,5 % para essa mesma relação.

Mais que o fertilizante ser um estímulo à maior absorção de N do solo, em vista que em termos relativos a absorção deste em relação ao N-total absorvido permanece constante (21,5 %, 20,4 % e 19,8 % em relação aos intervalos de 100 a 150 kg/ha, 150 a 200 kg/ha e 200 a 250 kg/ha de N-total absorvido, respectivamente), a maior fertilidade de solo (solo com maior teor de MO), estaria favorecendo principalmente o maior desenvolvimento radicular do milho, favorecendo a absorção pela planta tanto do nitrogênio na planta proveniente do solo (Npps) como o nitrogênio na planta proveniente do fertilizante (Nppf) em termos absolutos. Por outro lado, a eficiência do N-fertilizante aumenta de 37,8 % em média quando a absorção de N-total se encontra no intervalo de 100 a 150 kg ha-1 para 67,0 % no intervalo acima de 200 kg ha-1 de N-total (Figura 2b). Portanto, o fertilizante é mais bem aproveitado pela planta em solo fértil.

Com base no ajuste apresentado na figura 2a entre Nppf e Npps para 30 kg/ha e 50 kg/ha de Nppf haveria uma absorção estimada de 112,0 kg/ha a 207,0 kg/ ha de Npps, respectivamente, o que representa uma absorção de 4,75 kg/ha de Npps por kg de Nppf absorvido pela parte aérea de milho. Isto está demonstrando a importância do solo fértil na nutrição da cultura. E isto somente poderá acontecer com um sistema radicular que consiga explorar mais o volume de solo que ocupa. Esse maior desenvolvimento é dependente, além da fertilidade, da ausência de compactação diminuindo o gasto energético por parte da planta para explorar o solo. Em ambos os atributos, a MOS está contribuindo fisicamente com uma melhor agregação de partículas, relação de macro a microporos e fornecimento de nutrientes via mineralização da mesma, a qual é muito mais ativa no verão coincidente com a maior temperatura e umedecimento de solo. A adição contínua de palha ao sistema de produção é a solução para aumentar a eficiência de fertilizantes nitrogenados diminuindo o eventual impacto ambiental e gerando maior margem de lucro ao produtor.

 
Figura 2. Distribuição na parte aérea da cultura de milho de N-planta proveniente do fertilizante (Nppf) e proveniente do solo (Npps) (a) e a eficiência das fontes nitrogenadas utilizadas (b) para as doses de N aplicado em cobertura, nos três intervalos de N-absorvido pela cultura de milho em diversos experimentos utilizando 15N.  

 


Waldo Alejandro Ruben Lara Cabezas possui graduação em Agronomia pela Pontifícia Universidad Católica de Santiago (1979), mestrado em Energia Nuclear na Agricultura pelo Centro Energia Nuclear na Agricultura (1987) e doutorado em Solos e Nutrição de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1991), realizando seu pós-doutorado no CENA-USP (SP) em 1992. Atualmente é pesquisador nível VI da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, no Pólo Regional Noroeste Paulista, Votuporanga (SP). Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fertilidade do Solo e Adubação, atuando principalmente nos seguintes temas: volatilização de amônia, N-15, cobertura de solo, milho, eficiência de fertilizantes nitrogenados, sistema plantio direto (SPD) e Integração Lavoura Pecuária (ILP). Atualmente está implantando uma área piloto com sistema plantio direto objetivando orientar os produtores da região Noroeste do Estado de São Paulo, com ênfase na adubação nitrogenada e o estabelecimento de sistema planejado de rotação de culturas. Atual coordenador do Comitê Técnico Gestor de Votuporanga no Programa MAPA - PISA no Estado de São Paulo. Cabe salientar que no presente é o único Comitê de todos os municípios do Estado. Este programa está presente em outros cinco Estados da Federação.
Contato:
waldolar@apta.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CABEZAS, W.A.R.L. Matéria orgânica de solo: agente determinante da eficiência de fertilizantes nitrogenados. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_3/MateriaOrganica/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 28/07/2011