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FERMENTAR A MASSA!

 Celso Luis Rodrigues Vegro

            O ciclo econômico é um fenômeno reconhecido e estudado por economistas e cientistas sociais já há algumas décadas. Entretanto, poucos são aqueles que conhecem a origem dessa teoria. Foi por meio do acompanhamento sistemático dos preços do café que a hipótese dos ciclos econômicos foi formulada. Na virada do século retrasado o brilhante economista Joseph Schumpeter percebeu sua existência analisando estatísticas das importações de café pela Áustria.  Depois dessa constatação o fenômeno dos ciclos jamais deixou de participar da teoria econômica. 

            A segunda metade dos anos 90 foi de grande exuberância para as cotações do café, com pico atingido em 1997. A partir de 1999 começa um ciclo de baixas cotações que mergulhou até o ponto mais baixo em meados de 2002. A valorização cambial do real estabeleceu preços recebidos pelos cafeicultores acentuadamente baixos que, em muitos casos, sequer cobria a tarefa de colheita do produto. Em menos de uma década tivemos mais uma repetição do fenômeno do ciclo. 

            Naquele momento (final dos 90 e início dos 2000) o mercado mundial de commodities agrícolas mantinha um padrão de precificação estabelecido desde o pós-guerra, ou seja, preços formados pelo excedente de oferta e estoques saturados. Somente cotações baixas por longos prazos eram capazes de gerar ajustes negativos na oferta que propiciassem o consumo dos estoques até o ponto em que, um novo ciclo de estímulo à oferta se fazia necessário em razão da situação já minguada dos estoques. Simplificadamente, essas são as bases do ciclo cafeeiro e muito similar a isso para as demais commodities. 

            Todavia, esse padrão estrutural se modifica a partir da segunda metade dos anos 2000. As commodities abandonam o campo do “bom comportamento” de seus declinantes preços para assumirem trajetórias pautadas por escaladas exponenciais. No caso do trigo e do algodão foram atingidos picos recordes da história do acompanhamento de suas cotações. A difusão generalizada dos biocombustíveis agregou problemática adicional à formação dos preços dos bens agrícolas, pois se instituiu concorrência pela oferta relativamente inelástica. 

Após décadas de razoável prosperidade econômica e social ininterrupta, em parte expressiva das nações e blocos geopolíticos, o ambiente econômico deteriorou-se acentuadamente. O marco de início desse ciclo recessivo foi a falência do banco de investimentos Lehman Brothers ocorrida em 15/09/2008, após a recusa do Federal Reserve em socorrer a instituição. A contração mundial na oferta de crédito à produção que se seguiu, produziu inflexão para baixo na expansão da economia mundial. Esse fenômeno global fez mergulhar as cotações das commodities (petróleo, metálicas e agrícolas) e o ciclo de alta foi momentaneamente interrompido.  

            Nenhuma crise é igual à outra como bem lembrou Gustavo Franco1. Da segunda metade de 2010 e ao longo dos três primeiros trimestres de 2011, assiste-se a ruína dos mercados financeiros e das finanças públicas sem que as principais commodities acompanhem essa débâcle, mas ao contrário, mantenham trajetória de cotações ascendentes (mas sempre com oscilações). Que questões subjacentes estariam por detrás desse atípico comportamento? 

            A precificação das commodities agrícola (in natura, semi-elaboradas e industrializadas) deixou, definitivamente, o contexto dos excedentes para um ambiente tensionado pela demanda. Esse fenômeno não deve se arrefecer em futuro próximo, pois o crescimento vegetativo da população mundial continua avançar que se associa com forte expansão da renda em porções do globo de regiões altamente povoadas. Essa combinação de fatores tensiona a oferta de bens primários e por consequência a formação de seus preços. 

O mundo precisará incrementar em 20% na oferta de alimentos até 2020, sendo que essa média somente será cumprida caso o Brasil eleve sua oferta em 40% no mesmo período. Nesse cenário o país destaca-se como um crucial protagonista por possuir superfície agrícola apta para a produção de alimentos, clima favorável aos mais diversos cultivos e criações e tecnologias capazes de propiciar alto rendimento sem prejuízo ao meio ambiente e com responsabilidade social.           

No caso do café, podem-se construir cenários prospectivos delineados por meio do arbitramento de taxas de crescimento alternativas para sua demanda. Até 2020, em cenário moderadamente pessimista de taxa de crescimento de apenas 2,0% (para ficar em consonância com a realidade da economia mundial), a oferta de café (ambos os tipos) teria que somar 164,1 milhões de sacas (Figura 1).

 

 A produção mundial, no ano cafeeiro 2010/11, estimada pela Organização Internacional do Café (OIC) foi de 132,9 milhões de sacas.  Perante esse cenário moderadamente pessimista, o mundo demandará 32,2 milhões de sacas de incremento frente à produção estimada atualmente. Trata-se de uma quantidade de café maior que a ofertada por Minas Gerais em ano de safra alta! 

            Caso o palpite de necessidade de café mundial for aquela gerada pela taxa moderadamente otimista (2,5%), essa demanda precisará ser incrementada em 40,3 milhões de sacas, ou seja, quase a produção de um Brasil inteiro em ano de baixa.  

            Não estariam de todo equivocados os aderentes das projeções mais otimistas. Quando se constata que os empreendedores de Pequim planejam possuir mais lojas da Starbucks que seus congêneres de Nova Iorque, percebe-se que ocorre uma ocidentalização acelerada dos hábitos de consumo entre asiáticos, em que o consumo de café fora do lar assume posição destacada. Essa demanda criada pelos mercados emergentes em café mais que compensa o contexto de estagnação do consumo entre os importadores  tradicionais da bebida. 

            Todavia, em que território será produzido todo esse café? Será de arábica ou robusta? Sob que sistemas de produção (adensado ou aberto, irrigado ou sequeiro, no planalto ou montanha, colhido à mão ou empregando máquinas). Tais questões deveriam compor a mesa de debates dos encarregados das políticas públicas e de todo o conjunto das organizações de apoio à produção (cooperativas, associações, sindicatos), pois sem a construção de grandes consensos o país não atenderá as expectativas nele depositadas.  

            O grande equívoco atual consiste em se acreditar que apenas o mecanismo de preços (traduzindo: sua gangorra), será capaz de sinalizar suficientemente os agentes no sentido de tomarem decisões favoráveis a concretização dos cenários construídos. Nada mais errado! Café é uma lavoura permanente que demanda de cinco a seis anos após o plantio para adentrar no período de máxima produção comercial. Soja, milho, algodão podem exibir saltos na produção, mas, café não! 

            Os apreciadores de café espalhados pelo mundo crêem que o Brasil cumprirá com esse insubstituível papel que a história lhe concede. Aumentar substancialmente a produção, primeiro por meio do incremento da produtividade média e segundo pela expansão da área cultivada, é missão da qual o Brasil não poderá se omitir. Temos a necessária pesquisa que já se debruça sobre temas de fronteira do conhecimento agronômico como: cafeicultura de baixas emissões, pacotes tecnológicos com balanço energético positivo e nanobiotecnologias. Encontramos capacidade empreendedora e tradição bastante disseminada na lida com a lavoura. Associado a tudo isso há ainda portentosos complexos agroindustriais (torrefação, solubilização, exportação) que adensam essa cadeia de valor. Enfim, o Brasil possui todas as condições para responder positivamente as expectativas de incrementar sua oferta, sempre com elevada qualidade da bebida e rastreabilidade total da produção e da cadeia de custódia.    

            É hora de fermentar a massa. Para os cafeicultores que se preocuparam em oferecer um produto de alta qualidade, permanecerão tendo boa demanda pelo seu produto a cotações compensadoras. O ciclo econômico não será revogado, porém a precificação do produto pela ponta da demanda eleva o patamar dessas flutuações para posições mais confortáveis do ponto de vista de quem extrai sua renda dessa lavoura.  

 

1 FRANCO, Gustavo H.B. A crise e o juro: deslocar a curva.  Jornal Valor Econômico, São Paulo, Caderno Especial, 14/09/2011. Disponível em: http://www.valor.com.br/opiniao/1005340/serie-especial-sobre-crise-economica

     


Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como Pesquisador Científico nivel VI do Instituto de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café.
Contato:
celvegro@iea.sp.gov.br 



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEGRO, C.L.R. Fermentar a massa. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_4/FermentaraMassa/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 01/11/2011