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 Influência do solo na tipicidade do vinho

 

Carlos Alberto Flores

 

A produção de vinhos de qualidade é o resultado da interação de fatores do meio e das atividades humanas. De acordo com Tonietto e Flores (2004), torna-se necessário avaliar as influências dos fatores permanentes (fatores do meio como o clima e o solo) e as atividades humanas ligadas à produção e a transformação dos produtos da videira (seleção de porta-enxertos, variedades produtoras, sistemas de cultivo, tecnologias de vinificação).

O clima é determinante no potencial vitícola das regiões. Manifesta sua influência através de seus elementos, como insolação, temperatura, precipitação, dentre outros. A influência direta do solo na qualidade do vinho segue sendo hoje em dia muito discutida. No entanto ocorre um grande esforço no sentido de listar os parâmetros do solo que apresentam efetivamente maior influência.

Numa definição clássica de solo, podemos considerá-lo como o resultado da interação do clima e dos seres vivos, sobre determinado tipo de rocha, num dado relevo durante certo tempo:

Solo = ƒ (Clima, Organismos, Material de Origem, Relevo, Tempo).

Portanto, quando se destaca a importância do clima, da geologia, do relevo ou de qualquer outro fator sobre a qualidade dos produtos gerados, está-se reconhecendo indiretamente a influência do solo (Figura 1). É através deste, e em particular de suas propriedades, que incidem os fatores do meio sobre a videira e seus produtos (GÓMEZ-MIGUEL, 1999).

 

 Figura 1. Argissolo Vermelho Distrófico
Foto: Carlos Alberto Flores

O clima é um fator determinante na formação do solo e nas modificações que nele se realizam, principalmente com os processos de alteração, lixiviação: a) no perfil (profundidade efetiva e diferenciação dos horizontes); b) nas propriedades físicas (estrutura, porosidade, cor do solo); c) na matéria orgânica (acumulação, humificação, mineralização); d) na solução do solo, no pH e no complexo de troca segundo Sotes Ruiz e Gómez-Miguel (1999). A importância destas modificações condiciona a qualidade do produto. Ainda, são determinantes as modificações que o solo realiza no clima percebido pela planta, denominado clima do solo (regime de umidade e de temperatura).

Em geral o solo atua como um regulador dos elementos do clima através de suas propriedades: radiação (cor, exposição), temperatura (calor específico), precipitação/aportes de água (granulometria, capacidade de retenção) e evaporação/extração de água (propriedades físicas, porosidade, espessura).

O diagnóstico apresentado mostra que está mudando o enfoque na cadeia da produção de vinho, desafiada a se manter competitiva e a agregar valor aos produtos.

Desta forma, o papel do zoneamento edáfico alcança uma importância muito mais complexa e exigente. Não mais é suficiente identificar áreas com boa aptidão agrícola para a produção.  Produzir com qualidade não é mais suficiente para se estar no mercado, já que o mundo está cheio de vinhos de qualidade a preços competitivos.

Hoje há necessidade de associar ao conceito de qualidade o da diferenciação e da originalidade, associada à origem da produção, ligada ao clima, ao solo e ao saber-fazer dos vitivinicultores (Indicações Geográficas).

O desafio do zoneamento está em possibilitar o uso dos fatores naturais de forma a possibilitar a seleção de zonas de produção que valorizem a qualidade associada à tipicidade da produção. Os zoneamentos devem possibilitar a gestão do desenvolvimento de territórios, embasado em elementos que assegurem um desenvolvimento ordenado e orientado com bases técnicas consistentes.

Os índices climáticos e parâmetros edáficos dos zoneamentos inovam, gerando informações sobre os potenciais regionais de maturação das uvas, incluindo não só açúcar e acidez, como também potenciais de produção de polifenóis, antocianas e componentes aromáticos.

Além de possibilitar a gestão da produção vitivinícola (escolha de áreas adequadas para cultivo, eleição de porta-enxertos adequados ao tipo de solo, variedades produtoras, sistemas de manejo), o zoneamento moderno deve conter os elementos técnicos necessários à delimitação de zonas de excelência da produção, onde a tipicidade dos vinhos possa ser percebida pelo consumidor como oriunda da área geográfica de produção, incluindo os fatores naturais e humanos da produção (TONIETTO;  FLORES, 2004).

Não existe um solo ideal para a produção de vinho, mas sim um conjunto ideal de propriedades de solo para um dado clima, com o maior refinamento possível com base numa análise do estilo de destino do vinho e da variedade (Figuras 1 e 2).

 
Figura 2.  Vinhedo da variedade Merlot, porta-enxerto S04 com sistema de condução espaldeira sob Argissolo Vermelho Distrófico típico textura franco-arenosa/argilo-arenosa.
Foto: Carlos Alberto Flores 

A inclusão de irrigação provoca um alargamento das características do solo ideal, mas pode também dar origem a uma série de questões de sustentabilidade, tais como sodicidade e salinidade. As principais propriedades físicas do solo é que regulam o volume de solo que pode ser explorado pelas raízes (Figura 3).

 
Figura 3. Sistema radicular. S04
Foto: Carlos Alberto Flores 

Este volume é primeiramente controlado pela estrutura do solo. A estrutura do solo é relativa ao arranjo das partículas primárias associado ao espaço poroso entre estas, e afeta direta ou indiretamente tanto aspectos físicos, químicos como biológicos do solo. Isto inclui resistência do solo, movimento da água e nutrientes, aeração, propriedades hidráulicas, trafegabilidade, preparação para plantio, e erodibilidade do solo. O aspecto funcional da estrutura do solo, ou seja, água disponível e aeração são as duas mais importantes características do solo determinantes da sustentabilidade dos solos para vitivinicultura. Estas são propriedades que apresentam certo grau de influência no desenvolvimento da videira, com atenção específica para desenvolvimento radicular e crescimento lento, rendimento e qualidade da baga.  

O objetivo deste texto é desenvolver o tema como uma orientação na identificação de solos não recomendáveis para a produção de vinhos de qualidade. Na cadeia produtiva do vinho é utilizado um número muito grande de tipos de solo para a produção de uva, com grande variação nas suas propriedades. Muitos desses solos têm propriedades estruturais que são favoráveis ​​ao crescimento da videira, alguns na medida em que a videira se torna muito vigorosa, tendo como resultado vinho de qualidade inferior. Outros atributos favoráveis como a profundidade efetiva do solo, textura do solo, capacidade de armazenamento de água disponível ou mesmo o clima podem contornar o excesso de vigor do vinhedo. A profundidade e a textura do horizonte A destes solos também são fatores importantes para determinar a sua aptidão para a produção de vinhos de alta gama (FLORES et. al., 1999). Embora alguns pesquisadores  sugeriram uma série de valores de referência para as propriedades físicas do solo em relação ao estabelecimento de vinhedos e de produção dos vinhedos irrigados, alinhados com benchmarks de uva de qualidade, atualmente não existem pontos de vista divergentes, mas apenas sobre o que esses valores devem ser. Além disso, um conjunto ideal de critérios edáficos terá de ser alinhado com as diferentes condições climáticas e de acesso à irrigação.

Assim, não há um conjunto de critérios que é apropriado para todos os climas. No entanto, a capacidade do solo para drenar teria de ser a única qualidade do solo universal aplicável a todos os climas. Um critério para a profundidade da zona radicular e do estado nutricional do solo é necessário para a seleção do porta-enxerto, da cultivar ou seleção do método mais adequado de manejo do solo para um dado objetivo da produção.

Para isto, tem-se buscado elencar alguns parâmetros edáficos, que sirvam de orientação na implantação dos vinhedos com vistas à produção de vinhos com qualidade e determinada tipicidade, quais sejam:

Saturação por bases (V %)

a)     10 – 35 % – muito recomendável

b)    35 – 50 – recomendável

c)     51 – 75 % – pouco recomendável

d)    £ 10 e ³ 76 % – não recomendável

 

Solos com teor de Fe2O3 (pelo H2SO4)

a)     ³ 36 % – muito recomendável

b)    15 – 36 % – recomendável

c)     £ 15 % – pouco recomendável

 

Argila total horizonte A e B (g/Kg)

a)     150 - 350 – muito recomendável

b)    351 - 600 – recomendável (argila 1:1)

c)     £ 149 e ³ 601 – pouco recomendável (argila 1:1 e 2:1)

d)    Orgânica – não recomendável

 

Pedregosidade/rochosidade

a)     Fase não pedregosa – muito recomendável

b)    Fase pedregosa – recomendável

c)     Fase pedregosa e rochosa – pouco recomendável

d)    Fase rochosa – não recomendável

 

Espessura Horizonte A (cm)

a)     ³ 61 – muito recomendável

b)    30 – 60 – recomendável

c)     30 - 15 – pouco recomendável

d)    £ 15 – não recomendável

 

Profundidade do solum (A+B ou A+C) (cm)

a)     ³ 121 – muito recomendável

b)     60 – 120 – recomendável

c)     59 – 30 - pouco recomendável

d)    £ 29 – não recomendável

 

Drenagem do solo

a)     Bem drenado – muito recomendável

b)    Moderadamente drenado – recomendável

c)     Imperfeitamente, excessivamente drenado – pouco recomendável

d)    Mal drenado – não recomendável

 

Teor de matéria orgânica (g/Kg)

a)     £ 1,5 – muito recomendável

b)    1,6 – 3,0 – recomendável

c)     3,1 – 5,0 - pouco recomendável

d)     ³ 5,1 – não recomendável

 

Teor de K (ppm)

a)     £ 60 – muito recomendável

b)    61 - 90 – recomendável

c)     ³ 91 – pouco recomendável

 

Teor de Mg (cmolc/Kg)

a)     £ 2,0 – muito recomendável

b)    2,1 – 3,5 – recomendável

c)     ³ 3,6 – pouco recomendável

 

Bibliografia

GOMEZ-MIGUEL, V. Influencia de los factores edafoclimáticos en la calidad del vino. UNED. Zamora 26. Gómez, P. (1995) Desarrolho de uma metodologia edafoclimática para zonificación vitícola. Tesis Doctoral. Universidad Politécnica de Madrid, 1999.

SOTES RUIZ, V.; GOMEZ-MIGUEL, V. D. El suelo como factor determinante de la tipicidad de los vinos: estudios y delimitación de las zonas de produción en las denominaciones de origen de España. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE VITICULTURA E ENOLOGIA, 9., 1999, Bento Gonçalves. Anais... Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 1999. p. 91-104.

TONIETTO, J.; FLORES, C. A. Zoneamento edafoclimático da videira no brasil. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE FRUTICULTURA DE CLIMA TEMPERADO – ENFRUTE, 7., 2004, Fraiburgo. Anais... Caçador: Epagri, 2004. p. 53-58.

FLORES, C. A.; FASOLO, P. J.; PÖTTER, R. O. Solos: levantamento semidetalhado. In: FACALDE, I.; MANDELLI, F. Vale dos vinhedos: caracterização geográfica da região. Caxias do Sul: EDUCS, 1999. p. 87-137.     


Carlos Alberto Flores possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (1973) e mestrado em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (2000) . Atualmente é Pesquisador do Centro de Pesquisa Agropecuária de Clima Temperado. Tem experiência na área de Agronomia , com ênfase em Ciência do Solo. Atuando principalmente nos seguintes temas: Qualidade, Estrutura, Plantio direto, Agregação, Manejo de Sol. 26/09/11



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

FLORES, C.A. Influência do solo na tipicidade do vinho. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_4/vinho/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 22/12/2011