Utilização de erva-de-bugre na produção
agropecuária O Brasil abriga 55 mil espécies de plantas, aproximadamente um quarto de todas as espécies conhecidas. Destas, 10 mil podem ser medicinais, aromáticas e úteis, de acordo com o estudo denominado Contribuição Efetiva ou Potencial do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT) para Aproveitamento Econômico Sustentável da Biodiversidade. Trata-se de uma grande riqueza que o Brasil possui, sendo que muitas destas plantas fazem parte da cultura de comunidades rurais, onde o conhecimento sobre as plantas medicinais vem sendo transmitido ao longo das gerações. A Região Costeira do Rio Grande do Sul compõe um ecossistema diferenciado, com grande agrobiodiversidade, abrigando plantas de grande potencial para utilização na fitoterapia, cujo conhecimento científico relacionado ainda é bastante incipiente.
Entre tantas plantas
nativas, a
Casearia sylvestris
(família Flacourtiaceae), conhecida popularmente por erva-de-bugre,
mostrou grande potencial na produção agropecuária. A planta ocorre
em quase todo o Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul, sendo
amplamente utilizada na medicina popular. Possui o tronco tortuoso,
com casca de coloração acinzentada a acastanhada. Suas folhas são
alternas, simples, lanceoladas a elípticas e serrilhadas. Possui
grande quantidade de flores, que são amareladas. Floresce nos meses
de junho a outubro e frutifica de setembro a dezembro. Segundo
Lorenzi e Matos (2002), suas folhas e cascas são consideradas
tônicas, depurativas, antirreumáticas e anti-inflamatórias; é usada
como abortiva e para retirar a placenta no pós-parto de animais
(SILVA et al., 1988); a casca é utilizada como antidiarreica e
também contra picada de cobras; o decocto da raiz é usado contra
dores do peito e corpo (HIRSCHMANN; ARIAS, 1990). A planta ainda
possui propriedades antifúngicas.
Os princípios ativos (p.a.) são substâncias químicas, geralmente
metabólitos secundários, que a planta produz durante o seu
crescimento e desenvolvimento, e que possuem ações diversas sobre os
organismos. Assim, as plantas produzirão vários princípios ativos,
concomitantemente ou em diferentes fases, sendo que a sua
localização na planta pode não realizar-se de maneira uniforme,
podendo variar a concentração de acordo com a parte da planta e seu
estádio fenológico. Os princípios ativos estão presentes em toda a
planta, apresentando maiores concentrações em determinada(s)
época(s) do ano ou determinada parte da planta. Da mesma forma,
existe variabilidade química entre os distintos genótipos da planta,
o que pode ser realçado de acordo com o método de extração dos
princípios ativos (BEVILAQUA et al., 2001). Populações de uma
determinada região apresentam maior quantidade de determinado
composto, entretanto poderá haver interferência do fator local ou da
fertilidade do solo.
Este artigo tem o intuito descrever o processo de colheita, secagem
e conservação de cascas e folhas visando à obtenção de extrato
alcoólico da planta, bem como avaliar
seu efeito sobre bactérias fitopatogênicas. Metodologia
Coleta: foram coletadas cascas e folhas
separadamente de aproximadamente cinco plantas em cada local, para
se obter um material representativo, em três locais distintos: Capão
do Leão, Arroio Grande e Pelotas, todos no Rio Grande do Sul.
Para
tanto, a coleta das folhas deu-se através da escolha daquelas verdes
e no estádio de maturidade. A coleta da casca se deu no outono com o
auxílio de uma faca, tendo-se o cuidado de raspar previamente a
parte externa, a fim de obter um produto razoavelmente limpo. Para
não prejudicar a planta, foi retirada pequena quantidade de casca ao
redor do tronco. Secagem e
armazenamento: o material coletado foi colocado em bandejas
plásticas sob estufa por uma semana, protegido do sol e da umidade.
Ao atingir o ponto ótimo de secagem, o material foi armazenado em
saco de papel pardo, no interior de saco plástico devidamente
fechado, em ambiente protegido de luz e umidade.
Obtenção de extratos: do material seco e embalado, cascas e folhas,
retirou-se uma quantidade de 100 g de cada amostra individual. A
amostra foi moída e colocada em recipiente de vidro âmbar onde foi
acrescentado 1 L de álcool cereal ou farmacêutico, diluído até a
concentração de 70%, na proporção de
1:10 peso por volume, do material seco.
Após a identificação dos frascos, os mesmos foram colocados em
armário escuro em local seco e arejado e procedeu-se à agitação
diária durante duas semanas até o momento da filtragem. A filtragem
foi feita com o auxílio de um filtro a vácuo. O extrato
hidroalcoólico (EHA) obtido foi transferido para um novo frasco
escuro, tampado e armazenado em armário, em local escuro, arejado e
fresco.
O produto obtido é chamado de tintura-mãe.
Análise: a eficácia do EHA foi feita através do teste
in vitro
de controle de bactérias patogênicas:
Staphylococcus aureus,
Escherichia
coli
e
Salmonella sp.,
nas seguintes diluições: 50%, 25%, 12,5%, 6,25% e a testemunha água,
visando avaliar a variabilidade química existente e seleção dos mais
eficientes.
Através das análises procurou-se ainda verificar o efeito da
procedência do material e o tipo de material utilizado (casca ou
folha). Resultados e discussão Foi
observada grande variabilidade genética entre os três locais de
coleta da planta, tanto para características morfológicas quanto
fenológicas, inclusive entre plantas em cada local de coleta. A
variabilidade pode ser observada pelo porte da planta, coloração da
folha, época de floração e frutificação, entre outras
características. O fato demonstra existirem populações da planta
possivelmente com atividade fitoterápica diferenciada.
Durante o processo de coleta, houve a troca de
experiências com agricultores e técnicos nos locais para a perfeita
identificação da espécie. Nesta operação foram observados os
princípios básicos como identificação do local por georrefenciamento
e observação dos
horários adequados de coleta. A
metodologia de secagem também mostrou-se
eficiente,
pois, na casa de vegetação, evitou-se a incidência direta do sol e o
contato com a umidade, e permitiu-se a adequada circulação de ar
através de janelas, obtendo-se um material aparentemente de boa
qualidade. Quanto ao armazenamento, percebeu-se que também foi
satisfatório, pois a qualidade do material se manteve inalterada por
aproximadamente um ano após o acondicionamento, evidenciado pela
ausência de mofo e conservação da cor característica. O método de
preparo do EHA que foi utilizado neste trabalho monstrou-se bastante
prático, tornando-se uma alternativa acessível a agricultores e
outros interessados. A utilização da tintura pode resultar em
economia de material a ser utilizado, pois com pequena quantidade da
planta pode ser preparada grande quantidade de material,
contribuindo na conservação de germoplasma, principalmente nos casos
de plantas não cultivadas.
Os resultados
preliminares mostraram que o extrato hidroalcoólico (EHA) controlou
com eficiência as bactérias patogênicas. Para
Staphylococcus aureus o EHA de
folhas, na diluição de 12,5%, mostrou 100% de controle, enquanto o
extrato da casca mostrou a mesma efiência na diluição de 25%. Para
Escherichia coli o
EHA da casca apresentou 100% de controle na diluição de 50%, já a
casca não mostrou efeito até a diluição de 50%. Para
Salmonella sp., o resultado foi
semelhante, com o EHA da casca apresentando forte eficiência, fato
que não se repetiu com a tintura elaborada a partir das folhas. Conclusão Existe grande variabilidade genética e química dos acessos de erva-de-bugre, sendo que folhas e cascas possuem propriedades diferenciadas; A substituição de
preparados à base de infusão por extratos hidroalcoólicos (EHA) pode
representar a redução da quantidade de matéria-seca utilizada,
sendo prática e de fácil manejo. O extrato da planta controla com eficiência as
principais bactérias patogênicas, entretanto a origem do material
tem forte interferência. Referências
BEVILAQUA, G.A.P. et al.
Distribuição geográfica e composição química de genótipos de
chapéu-de-couro (Echinodorus
spp.) no Rio Grande do Sul.
Ciência Rural,
Santa Maria, v. 31, n. 2, p. 213-218, 2001.
HIRSCHMANN, G.S.; ARIAS, A.R. A survey of medicinal plants of Minas
Gerais, Brazil.
Journal Ethnopharmacology,
Limerick, v. 29, p. 159-172, 1990.
LONGHI, R.A.
Livro das árvores:
árvores e arvoretas do sul.
2. ed. Porto Alegre: L&PM, 1995, 176p.
LORENZI, H.; MATOS, A.J.F.
Plantas medicinais no Brasil:
nativas e exóticas.
São Paulo: Plantarum, 2002, 500 p.
Gilberto A. Peripolli Bevilaqua Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte Dados para citação bibliográfica(ABNT): BEVILAQUA G. A. P.; Utilização de erva-de-bugre na produção agropecuária 2013. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2013_1/bugre/index.htm>. Acesso em: Publicado no Infobibos em 09/04/2013 |