IMPORTAÇÃO DE OLERÁCEAS E ORNAMENTAIS

por Renato Ferraz de Arruda Veiga

INTRODUÇÃO

O intercâmbio de germoplasma vem ocorrendo desde os primórdios da humanidade, sendo a atividade mais importante na implantação da agricultura como conhecemos hoje. O Brasil, desde o seu descobrimento, vem recebendo germoplasma dos mais distantes países, e os colonizadores nos impuseram seus costumes alimentares e de uso diverso dessas plantas, tornando-nos fortemente dependente de recursos fitogenéticos exóticos.

Algumas vezes, não muito raras, o pesquisador consegue, apenas com uma introdução, obter um material de pronto uso para a agricultura, especialmente quando se trata de uma nova cultura. Entretanto, o mais tradicional, já que possuímos a maioria das espécies exóticas potencialmente agricultáveis, introduzidas no passado, é a continuidade da agricultura através de novas cultivares, as quais são lançadas pelos pesquisadores científicos através de um árduo trabalho de melhoramento genético. Tal melhoramento se alicerça nos acessos mantidos pelos Bancos Ativos de Germoplasma (BAGs), onde se encontra a variabilidade genética necessária ao abastecimento dos programas de pesquisa.

O enriquecimento genético destes bancos depende do trabalho de introdução de plantas, especialmente dos centros de origem e dispersão da espécie trabalhada, onde se encontra sua maior diversidade. Sabe-se que a diversidade de plantas superiores pode ser estimada em torno de 400.000 espécies, em todo o mundo, das quais, aproximadamente 7.000 espécies já foram utilizadas para alimentação humana. Entretanto, sabe-se que atualmente são utilizadas cerca de 300 espécies, e que apenas 15 delas constituem 90% de toda alimentação humana, dentre as quais constam oleráceas como a batata, batata-doce, beterraba açucareira e mandioca. O quadro, para as espécies ornamentais, também não difere muito das oleráceas, cujo germoplasma cultivado no país também, em grande parte, provem do exterior, como é o caso dos antúrios, bambus, crisântemos, gérberas, gladíolos, rosas, e violetas, entre outras (GERMEK, 1992; VEIGA et al., 1992).

Contrapondo-se à necessidade de se introduzir, o máximo de possível de variabilidade genética, vem a obrigatoriedade moral e profissional de se evitar a introdução simultânea de pragas exóticas. A necessidade de se preocupar com a sanidade das oleráceas, e ornamentais introduzidas, é clara, pois, se não bastasse o risco da introdução de uma nova praga exótica junto a um novo acesso, esta ao encontrar nosso clima e solos diferenciados também pode se adaptar a espécies nativas ou às culturas exóticas aqui presentes. Exemplos de prejuízos a agricultura podem ser observados na nossa história recente provindos do exterior, como a Puccinia horiana no crisântemo, em 1972, a Uromyces transversalis no gladíolo, em 1981, infecção por Potyviridae em Alstroemeria, em 1995, entre outros, mas, o que mais preocupa é que muitas pragas exóticas ainda podem ser introduzidas no país, tais como a Erwinia amylovora nas rosáceas e o Globodera rostochiensis - nematóide do cisto da batata, dentre outras, inclusive novas estirpes de pragas que já ocorrem no país.

A QUARENTENA DE PLANTAS

O cuidado com o impacto ambiental na introdução de germoplasma exótico é uma necessidade premente, pois, a ausência de um perfeito estudo pode refletir em danos inimagináveis, como por exemplo os prejuízos ao ecossistema provocados por plantas exóticas que se tornam daninhas à agricultura ou à biodiversidade. Tal impacto é multiplicativo, uma vez que a contaminação biológica tende a se agravar, cada vez mais, com o passar dos tempos, sendo de difícil reversão. Isto levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a criar, em 1997, o Programa Global de Espécies Invasoras. Em muitos casos, não tão raro quanto se imagina, existe o risco da introdução de insetos ou microorganismos, tanto por turistas curiosos como por agricultores desejosos por novos materiais, e até mesmo por profissionais qualificados que, na pressa de iniciar seus experimentos, irracionalmente efetivam uma introdução ilegal. O germoplasma introduzido do exterior, e inclusive o oriundo de regiões do Brasil cuja legislação fitossanitária restrinja o trânsito, necessariamente têm que passar pela quarentena.

O termo quarentena originou-se do latim "quarantum" e, a princípio, era aplicado somente por um período de 40 dias, para os casos de peste bubônica, cólera e febre amarela, onde ocorria a detenção de navios oriundos de países com epidemias (FERRARI, 1989). Atualmente este termo refere-se a um período onde as plantas permanecem em observação fitossanitária, o qual pode variar segundo o ciclo do planta e/ou da praga quarentenária. Sua liberação somente ocorre posteriormente ao período no qual nenhuma praga tenha sido detectada, ou após ter sido limpo fitossanitariamente, já que são muitas as pragas ainda não detectadas no Brasil (BRANCO & REIFSCHNEIDER, 1989; NÓBREGA, 1987).

O DDIV (2003) cita em seus alertas quarentenários, dentre as oleráceas e ornamentais, o Phytoplasma palmae (amarelecimento letal das palmeiras) para as palmeiras, tamareiras e coqueiros, Amyelois tritici (nematóide do trigo) para a amêndoas e vagens, Anoplophora glabripennis (besouro chinês) para o álamo e salgueiro, Cacao swollen-shoot vírus para coqueiro, baobá e Sterculia spp., Nectria galligena (cancro europeu de pomáceas) para frutíferas e florestais, Oryctes rhinoceres para palmáceas, Carposina niponensis para melões, Cryptophlebia leucotreta para macadamia, quiabo e pimentas, Cydia spp. (Lepdóptera) para castanhas, Dacus spp (mosca-das-frutas-oriental) para frutíferas, melancia e chapéu-de-sol, Delia ssp.(Díptera) para couve-verde, Ectomyelois ceratoniae para legumes e nozes, Gymnosporangium spp. (Basidiomycetes) para Crataegus e Juniperus, Leptinotarsa decemlineata (Coleóptera) para solanáceas, Moniliophthora roreri (Deuteromycetos) para Herrania e Theobroma, Sigaetoga negra para musáceas, Phima exígua (Coelomycetes) para batata e beterraba, Platynota stultana para tomate e pimentas.

Segundo MARINHO (2003), dentre os exemplos recentes de interceptação de pragas exóticas pelo CENARGEN, pode-se citar o Globodera sp. (nematóide da batata) oriundo do Canadá, Ditylenchus dipsaci e Pratylenchus scribneri em mudas de bromélias oriundas da Colômbia, Lophodermium seditiosum e Tylaphelenchus sp. em Pinus taeda oriundo dos Estados Unidos e Banana Bunchy Top Vírus em mudas de banana oriundas das Filipinas. Isto mostra-nos o risco de introduções sem uma eficiente quarentena.

A INTRODUÇÃO DE PLANTAS DO PRÓPRIO PAÍS

Considera-se vantajoso ao país investir em pesquisas com plantas nativas de ornamentais, como por exemplo espécies das famílias Arecaceae, Amaryllidaceae, Bignoniaceae, Bombacaceae, Bromeliaceae, Eriocaulaceae, Fabaceae, Heliconiaceae, Melastomataceae, Meliaceae, Rubiaceae, entre outras, e com espécies oleráceas como Capsicum, Preskia, Photomorphe, etc., pois, não necessitam de aclimatação, não possuem microorganismos e insetos exóticos, as despesas com expedições científicas de coleta de germoplasma são menores e, por serem nativas, abrem novos mercados de exportação. Aqui, os cuidados fitossanitários também não devem ser menosprezados, pois, podem vir com pragas exóticas, as quais podem se adaptar a outras espécies de plantas. Pelas dimensões do Brasil, também existe o risco de se introduzir uma planta contendo praga de pouca expressão no seu habitat original, a qual ao adentrar um novo habitat pode se multiplicar e se adaptar a uma nova planta. Pode-se programar expedições científicas de coleta de germoplasma de populações silvestres ou mesmo de material cultivado ou cultígen, como por exemplo, Capsicum, Lycopersicum, Solanum, etc. e, material indígena como nos existentes com os Caiapós, da Amazônia Brasileira, que possuem plantas das famílias Araceae, Marantaceae e Zingiberaceae. É importante lembrar da existência de restrição ou proibição de trânsito no Brasil, para determinadas plantas ou suas partes, como por exemplo: a) famílias como Fabaceae, Rubiaceae, e Sterculliaceae; b) gêneros como Derris, Fragaria, Gossypium, Heliconia, Manihot, e Musa; c) espécies como Piper nigrum; d) frutos em geral.

A INTRODUÇÃO DE PLANTAS DO EXTERIOR

Recorre-se às introduções de oleráceas e ornamentais exóticas quando se necessita de germoplasma para o melhoramento genético ou para incrementar o BAG. O material é introduzido do centro de origem, dispersão ou de transdomesticação, e de bancos ativos de germoplasma e jardins botânicos internacionais. Pode-se citar, como exemplos de famílias que possuem espécies ornamentais exóticas, as Cactaceae, Cannaceae, Costaceae, Heliconiaceae, Marantaceae, Musaceae, Rosaceae, Strelitziaceae, Zingiberaceae, entre outras, e famílias de oleráceas, como por exemplo: Apiaceae, Cruciferae, Liliaceae, Malvaceae, Rosaceae, Solanaceae, etc.. É importante alertar que é no centro de origem e diversificação das espécies, assim como nas regiões de transdomesticação, que estão as pragas adaptadas às espécies, e que, portanto, podem contaminar o material importado. O livre intercâmbio de germoplasma vem sofrendo restrições mundialmente, com as novas leis de registro e patentes. A própria legislação nacional vem reduzindo o intercâmbio drasticamente, ao se coibir o intercâmbio de germoplasma nativo e restringir a coleta de germoplasma no país, provoca uma reação contrária de restrição ao acesso (VEIGA et al., 1992).

CUIDADOS NA INTRODUÇÃO DE PLANTAS

O risco da introdução de germoplasma sem estudos de impacto ambiental pode ser muito danoso ao país. Um exemplo dos danos que podem advir de introduções mal planejadas é o risco de tais plantas se tornarem invasoras e o Brasil tem muitos exemplos disso: ZILLER(2003), cita dentre as árvores invasoras: Pinus elliottii, Pinus taeda, Casuarina equisetifolia, Cassia mangium, Cotoneaster sp., Eriobothrya japonica, Hovenia dulcis, Ligustrum japonicum, Melia azedarch, Tecoma stans, entre outras ornamentais cita: Hedychium coronaruim e Impatiens walleriana. Quando tratar de espécies nativas em risco de extinção, deve-se providenciar a Permissão de Trânsito. Além disso, novas pragas tendem a entrar no Brasil, por estarem muito próximas como a mosca-da-carambola, a cochonilha-rosada e o bicho-do-caroço-da-manga.

O pesquisador interessado em germoplasma do exterior deve solicitar do exportador, com dois meses de antecedência, os dados essenciais para o preenchimento do requerimento de Fiscalização de Produtos Agropecuários e do de Importação de Materiais para Pesquisa, a saber: cronograma e número de introduções, a quantidade e o peso líquido do germoplasma e número de volumes (unidade), tipo de embalagem, o valor estimado da mercadoria, o meio de transporte, o ponto de desembarque, a época de disponibilidade do germoplasma e data provável da chegada, tipo de embalagem, forma (sementes, tubérculos, estacas, “in vitro”, etc.), quais as espécies e cultivares, nome e endereço completo do exportador – e-mail e telefone, país onde foi coletado, desenvolvido, produzido e certificado, peso bruto e peso líquido. Ainda devem ser acrescentados dados como a justificativa técnica, a utilização pretendida e o local a ser quarentenado no Brasil.

Elaborado o Pedido de Importação, aguarda-se o parecer do Serviço de Vigilância Sanitária (SSV/DFA/MAPA). Obtida a Permissão de Importação, o número da mesma deve ser digitado em uma etiqueta (Permit Label) de importação, a qual após enviada para que o exportador a anexe externamente ao volume, juntamente com o Certificado Fitossanitário Internacional.

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LITERATURA CITADA

BRANCO, M.C. & REIFSCHNEIDER, F.J.B. Índice de patógenos de sementes de hortaliças não detectados no Brasil. Brasília, EMBRAPA-CNP Hortaliças, 1989. 19p. (Documento 3).

DDIV Quarentena. Alertas Quarentenários. Secretaria de Defesa Agropecuária, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. In: http://200.252.165.21/ddiv/ quarentena01.htm. Em 07/10/2003. 3pg.

FERRARI, W.A. Quarentena: inspeção e controle. s.n.t. 3p. Palestra apresentada no I Curso Internacional sobre Tecnologia de Sementes para Bancos de Germoplasma. Brasília, CENARGEN, 1989 (Datilografado).

GERMEK, E.B. A importância da Introdução de Plantas nos Trabalhos de Melhoramento. Campinas, Instituto Agronômico, 1992, 15p. (Documentos IAC, 28).

GIACOMETTI, D.C. Intercâmbio de germoplasma de hortícolas: regulamentação e procedimentos. Campinas, Rev. Bras. Hort. Orn., 1:(1) 40-47, 1995.

MARINHO, V.L. de A. Organização & Gestão de Recursos Genéticos: Quarentena. Palestra apresentada no Workshop Internacional de Curadorias de Bancos de Germoplasma. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Brasília, DF: 13 a 17 de outubro de 2003. 2p.(Datilografado).

NÓBREGA, H.B. Manual de inspeção fitossanitária do trânsito internacional e interestadual. Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura - Delegacia Federal de Agricultura, 1987. 331p.

VEIGA, R.F.A.; GERMEK, E.B.; FARIA, J.T.; OLIVEIRA, W.R.; NUCCI, T.A. & COELHO, S.M.B.M. O Sistema de Introdução e Quarentena de Plantas do Instituto Agronômico e os procedimentos necessários ao intercâmbio de germoplasma. Campinas, Instituto Agronômico, 1992. 20p. (Documentos IAC, 23).

ZILLER, S.R. 2003. Os processos de degradação ambiental originados por plantas exóticas invasoras. In: http://www.institutihorus.org.br/Ciência%20Hoje.pdf. Em 05/10/2003, 6p.

 

 

 

Dr. Renato Ferraz de Arruda Veiga é Pesquisador Científico VI e Diretor do Jardim Botânico do Instituto Agronômico - IAC
Contato: veiga@iac.sp.gov.br

 

 

 

 

 

 

 

 

Formação Acadêmica

1992 - 1994

Doutorado em Ciências Biológicas (Botânica) [Botucatu].
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil.

1985 - 1989

Mestrado em Ciências Biológicas (Botânica) [Botucatu].
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil.

1975 - 1978

Graduação em Agronomia. Faculdade de Agronomia E Zootecnia Manoel Carlos Gonçalves, FAZMACG, Brasil.

Extraído do Currículo Lattes - CNPq

 

Para aprofundar conhecimento do assunto, o Instituto Agronômico - IAC, está oferecendo o Curso on-line de Introdução ao Manejo de Recursos Fitogenéticos, ministrado pelo Pesquisador Renato de Arruda Veiga

 

Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEIGA, R. F. A. Importação de oleráceas e ornamentais. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em:
<
http://www.infobibos.com/Artigos/importa_oleraceas/index.htm>. Acesso em:


publicado no InfoBibos em 24/04/2006

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