Micoplasmose aviária

por Marcos Roberto Buim
 

Os micoplasmas são importantes patógenos aviários, responsáveis por doenças respiratórias e articulares, acarretando grandes perdas econômicas na avicultura brasileira e mundial. A micoplasmose apresenta-se como um dos principais problemas sanitários na cadeia produtiva avícola, juntamente com a doença de New Castle, coccidiose, colibacilose, doença de Gumboro e a salmonelose. A micoplasmose aviária foi primeiramente descrita por Dodd na Inglaterra em 1905, sob a denominação de pneumoenterite enzoótica (Yoder, 1991), sendo o M.synoviae primeiramente descrito por Olson, em 1954, como agente causador da sinovite infecciosa (Kleven et al,1991).

No trato respiratório, os micoplasmas patogênicos alteram a motilidade dos cílios, provocam efeitos que levam à degeneração ciliar e das células epiteliais, ambos tidos como a primeira barreira física dos mecanismos de defesa (Konietzo, 1988).

A micoplasmose aviária tem distribuição universal e, dentre as 20 espécies isoladas de aves, Mycoplasma gallisepticum (MG), M. synoviae (MS), M. meleagridis (MM) e M. iowae (MI) são considerados os principais agentes patogênicos para galinhas e perus, acarretando perdas econômicas devido ao decréscimo na taxa de crescimento e no ganho de peso, perdas por condenações de carcaças, devido à doença respiratória crônica (DCR) em frangos de corte, bem como redução na produção e eclodibilidade de ovos, além dos custos com profilaxia e uso de drogas terapêuticas (Hoerr et al., 1994; Mohammed et al., 1987).

Segundo estudos realizados nos Estados Unidos, uma galinha infectada com MG produz 15,7 ovos a menos que uma ave sadia. No Brasil, calcula-se que, anualmente, ocorra uma perda de 30 mil toneladas de carne de frango por problemas respiratórios, na fase final de produção, acarretando prejuízos de 30 milhões de dólares, sendo a infecção por MG considerada uma das doenças que mais causa prejuízos à avicultura industrial.

Os reservatórios naturais do MG e MS são as membranas mucosas do trato respiratório superior e genital (com menor freqüência) das galinhas e perus. Os habitats naturais do MM são as membranas mucosas do trato genital (cloaca e ovidutos) e respiratório dos perus. Já do MI são as mucosas do trato intestinal e genital dos perus, podendo ocorrer também em galinhas.

A transmissão dos micoplasmas geralmente ocorre dentre ou entre espécies de hospedeiros estreitamente relacionados, sendo espécie-específicos. Os micoplamas podem ser transmitidos horizontalmente por aerossóis, por contato direto com outras aves ou indireto através de pessoas, animais, ração, água, fômites, durante o acasalamento ou inseminação artificial. Por transmissão vertical esses microrganismos podem ser transmitidos para os ovos, que se infectam ao tocar os sacos aéros abdominais, após a liberação do oviduto e antes de atingir o infundíbulo. Subseqüentemente, pode ocorrer a contaminação do oviduto pelo ovo infectado, promovendo a infecção de futuros ovos.

O estabelecimento de infecção é dependente da propriedade de adesão dos micoplasmas, que o torna capaz de se fixar às membranas mucosas, principalmente do trato respiratório, alimentar e gênito urinário, e dos mecanismos de escape do sistema imunológico. Estruturas terminais especializadas (blab) e projeções fimbrilares podem ser observadas em várias espécies, possuem funções de motilidade e aderência. Outros fatores produzidos pelos micoplasmas como hemolisinas, fatores ciliostáticos, proteases e nucleases, podem interagir com as células hospedeiras, causando a morte celular ou provocar infecção crônica. Reações imunológicas induzidas pelos micoplasmas também contribuem para agravar a patogenicidade. O poder mitogênico dos micoplasmas sobre os linfócitos T e B podem promover uma infiltração linfocitária após o estabelecimento da infecção.

Outros mecanismos de patogenicidade podem se gerados pela íntima associação dos micoplasmas com as células hospedeiras, que podem fazer com que anticorpos antimicoplasmas e sistema complemento causem a lise de células infectadas.

A infecção por MS pode ter manifestações articulares, que foram amplamente observadas em frangos de corte e matrizes em períodos anteriores, sendo recentemente mais comum a ocorrência da forma respiratória, principalmente aerossaculite, que pode estar associada ou não ao MG e a outros agentes como Escherichia coli, fungos e vírus, complicando os quadros clínico e patológico da micoplasmose (Kleven, S.H, 1994; Stipkovitis; Kempt, 1996). Além dos mecanismos para a produção de doença, o micoplasma pode adquirir a forma latente e apresentar patogenicidade em momentos de debilitação do hospedeiro.

O período de incubação do MS é variado dependendo da via de entrada, dose infectante, virulência das cepas, fatores de risco e suscetibilidade do hospedeiro. Em aves provenientes de ovos infectados, o período de incubação é, em média, de 40 dias. Entretanto, em condições naturais, é difícil determinar a data de exposição de aves infectadas. A doença respiratória pode ocorrer de forma assintomática ou por manifestações no trato respiratório superior com sintomas semelhantes aos causados pela infecção por MG, como dificuldades respiratórias, fraqueza, retardo no crescimento, elevação na mortalidade e declínio da produção de ovos (Kleven et al., 1991; Stipkovitis; Kempt, 1996).

No monitoramento sanitário dos plantéis, testes sorológicos são realizados periodicamente. A soroaglutinação rápida para MG e MS, inibição da hemaglutinação e o teste de ELISA são os mais utilizados (Kleven; Hietala, 1994). No entanto, os testes sorológicos são incapazes de diferenciar as cepas vacinais dos isolados virulentos de campo. Além disso, podem ocorrer reações cruzadas nos testes de soroaglutinação rápida, dificultando a interpretação laboratorial.

Para o isolamento desta bactéria, devem ser coletados fragmentos de tecidos lesados, exudato sinovial, ¨swabs¨de traquéia, sacos aéreos, exudato de seios nasais, que devem ser imersos em meio de Frey líquido, específico para o cultivo (Nascimento, 2000). Os micoplasmas isolados devem ser submetidos a provas de identificação, inicialmente pela observação fermentação da glicose, hidrólise de arginina e fosfatase, testes bioquímicos como o teste de Dienes (Mollicutes coram-se em azul e formas-L de bactérias ficam incolor), prova da digitonina (para verificar a dependência de colesterol), e finalmente submetido a provas sorológicas com soros hiperimunes (Kleven; Yoder, 1998).

Em decorrência da gravidade da doença, com conseqüentes perdas econômicas, os produtores do setor avícola exercem intensos esforços para o controle e erradicação da micoplasmose. Medidas adequadas de manejo e desinfecção, terapia com antibióticos e vacinações com cepas vacinais inativadas ou atenuadas são aplicadas para minimizar os efeitos adversos da doença. Dentre as vacinas utilizadas destacam-se a cepa F, a Ts-11 e 6/85 que são vacinas vivas para MG.

O tratamento de aves com antimicrobianos, apesar de diminuir o índice de manifestações clínicas e também a taxa de transmissão transovariana, não erradica o MS do plantel, sendo um procedimento recomendado para poedeiras e frangos de corte. As terapias com drogas antimicrobianas, que se acumulam em altas concentrações nas membranas mucosas do trato respiratório, podem prejudicar o diagnóstico etiológico das micoplasmoses aviárias por inibir ou reduzir a resposta imune e por indisponibilizar o MS do trato respiratório superior, dificultando também o isolamento do agente (Stipckovitis; Burch, 1994). Quando o tratamento é suspenso, geralmente ocorre a reversão do quadro. O declínio ou ausência da reação sorológica e da taxa de isolamento pode ser devido à localização intracelular do micoplasma, por pressão de agentes antimicrobianos, onde não há reconhecimento do sistema imunológico do hospedeiro (Razin et al., 1998).

O método de cultivo e isolamento de micoplasmas, apesar da especificidade, é oneroso, demanda um tempo considerável, exige laboratórios e pessoal especializado. Com o desenvolvimento de técnicas moleculares avançadas, a reação em cadeia da polimerase (PCR) demonstrou ser altamente específica, rápida e sensível para o diagnóstico da micoplasmose (Nascimento et al., 1991). Além de superar os problemas relacionados ao cultivo e identificação, a PCR pode detectar a cepa vacinal F, distinguindo-a dos isolados de campo (Nascimento et al., 1993).

Obs: Referências bibliográficas: consultar o autor.

* Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Marcos Roberto Buim possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual de Londrina (1992), mestrado em Ciência Animal pela Universidade Estadual de Londrina (1998) e doutorado em Ciências Biológicas (Microbiologia) pela Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é Pesquisador Científico do Instituto Biológico, Unidade Laboratorial de Patologia Avícola. Tem experiência na área de Microbiologia. Atuando principalmente nos seguintes temas: caracterização molecular, diagnóstico, Micoplasmose aviaria, Multiplex PCR, Mycoplasma sinoviae.
(Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)
Contato:
marcosbuim@biologico.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

BUIM, M.R. Micoplasmose aviária. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_3/microplasmose/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 11/07/2007

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