Língua Azul em Ovinos

Adriana Hellmeister de Campos Nogueira1;
Tereza Cristina Cardoso2;
 Clara Izabel de Lucca Ferrari1;
Edviges Maristela Pituco3;
Eliana De Stefano3;
Vera Cláudia L.M. Curci1

A Língua Azul (LA) é uma doença infecciosa, não contagiosa, de notificação obrigatória segundo a Organização Mundial de Saúde Animal e sua ocorrência impõe restrições à movimentação internacional dos animais e seus produtos.

 

Esta enfermidade, reconhecida pela primeira vez na África do Sul no final do século XVIII, descrita com detalhes por Hutchen em 1902, foi denominada de “Epizootia catarral das ovelhas”. Em 1902, ainda sob etiologia desconhecida, teve o nome proposto de Língua Azul devido à coloração roxa escura ou azulada observada na língua e na mucosa oral dos animais doentes (Figura 1). Em 1906 demonstrou-se que a doença era causada por vírus, injetando-se sangue filtrado de ovelhas doentes em animais susceptíveis, reproduzindo dessa forma a doença clínica.

 

Figura 1. Animal afetado pelo Vírus da Língua Azul.

Fonte: http://www.consumaseguridad.com/
sociedad-y-consumo/2004/11/10/15215.php

 

O vírus da Língua Azul (VLA) é o protótipo do gênero Orbivírus, da família Reoviridae, os quais são arbovírus, transmitidos por artrópodes, principalmente do gênero Culicoides “mosquito pólvora”, que se infectam ao ingerirem sangue de vertebrados, no período de viremia, tendo também sido isolado de moscas de ovinos (Melophagus ovinus) e piolhos de bovinos (Haematopinus eurysternus). São conhecidos 24 sorotipos do vírus, que se replicam nos tecidos dos artrópodes.

 

O VLA depende dos mosquitos vetores para se manter na natureza sendo as condições de temperatura e umidade, na grande parte do nosso país, fatores que favorecem a multiplicação e manutenção dos mesmos, caracterizando a endemia.

 

Segundo relatam Cunha et al. (1987 e 1988) a LA surgiu no Brasil em decorrência da importação de animais de raças leiteiras contaminadas. Em 1978, o país reportou oficialmente à OIE evidência sorológica da ocorrência da doença, sendo o primeiro país da América do Sul a identificar a presença do vírus em seus rebanhos.

 

Ruminantes são susceptíveis ao vírus causador da LA, sendo que em geral a infecção ocorre de forma inaparente, com exceção dos ovinos, que manifestam sinais evidentes, com diminuição na produção e mortalidade elevada. Uma vez a doença instalada, os sinais são variados: na forma subaguda, os cordeiros apresentam-se debilitados, ocorre abortamento, anomalias congênitas, e baixo índice de mortalidade. Em contrapartida na forma aguda, ocorre febre que pode chegar a 42oC, inflamação, erosão e necrose da mucosa oral, edema de língua, cianose, abortos, coronite, pododermatite, morte entre 8 a 10 dias, ou a recuperação, que é lenta com esterilidade e atraso de crescimento. Segundo Erasmus (1975) os sinais observados com mais freqüência são edema facial, erosão e ulceração do trato gastro intestinal, coronite com conseqüente claudicação e febre alta. Dessa forma, alguns destes sinais clínicos podem ser confundidos com Febre Aftosa, varíola ovina, ectima contagioso, febre catarral maligna, dermatite pustular contagiosa, doença da fronteira, podridão das patas e actinobacilose sendo portanto, o diagnóstico diferencial de fundamental importância.

 

As lesões macroscópicas da LA variam de acordo com o estágio da doença, do sorotipo do vírus infectante e das condições ambientais. As lesões geralmente são visíveis durante os últimos estágios da doença e correspondem à congestão, edema e hemorragia das mucosas oral e esofágica, palato mole, bexiga, rins, pré-estômagos, pulmões, baço, laminite, degeneração muscular e ulcerações do epitélio da língua e do coxim dentário. As lesões anátomo-patológicas da LA são decorrentes dos danos causados pelo vírus nos capilares sanguíneos, que resultam em aumento de permeabilidade vascular, edema, hemorragia, trombose, isquemia e necrose das mais variadas estruturas e órgãos.

 

A grande importância de se determinar os animais portadores é o fato do gado bovino, quando infectado, apresentar uma longa viremia, de tal forma que atua como reservatório, a partir do qual, os vetores podem se contaminar e transmitir o vírus a outros ruminantes como os ovinos. Essa viremia em bovinos pode chegar a 70 dias e em ovinos varia de 14 a 28 dias.

 

Uma vez detectada, a LA apresenta conseqüências sócio-econômicas ou sanitárias graves, com repercussão severa no comércio internacional de animais e produtos de origem animal, sendo que, uma vez introduzida em um determinado país, a possibilidade de sua erradicação é pequena.

Vários fatores podem afetar a distribuição do vírus para áreas livres da doença, tais como, mudanças climáticas em regiões limítrofes de endemias, movimentação de animais, mudança nas características da estação chuvosa e, principalmente, movimento dos ventos que podem trazer os vetores de regiões distantes para áreas livres da doença.

 

A transmissão venérea por meio de sêmen contaminado e transmissão congênita do VLA podem ocorrer em ruminantes, mas o risco é bem menor quando comparado a importação de animais vivos, pois o vírus só é eliminado no sêmen temporariamente, durante o período de viremia. O vírus não é encontrado no espermatozóide, mas foi isolado de testículo, epidídimo, vesícula seminal, glândula bulbouretral e próstata durante a viremia, fato ainda não elucidado pela literatura.

 

Testes sorológicos têm exercido um importante papel na determinação e distribuição da infecção. A sorologia pode ser utilizada para confirmar a infecção pelo vírus, porém em áreas endêmicas é difícil determinar a significância de um resultado positivo, sem o uso da sorologia pareada ou outros testes complementares.

 

Os primeiros ensaios sorológicos foram realizados pelas técnicas de inibição da hemaglutinação (HI), hemólise em gel e reação de imunofluorescência indireta (RIFID).

 

Entre os anos de 1968 a 1980 o teste empregado para diagnóstico e qualificação de animais para exportação era o de Fixação de Complemento (FC). A partir de então, a reação de FC vem sendo substituída pelo teste de Imunodifusão em gel de ágar (IDGA), sendo o método mais utilizado para detecção de anticorpo. A prova de IDGA possui baixa sensibilidade e especificidade. A razão para isso, resume-se nas reações cruzadas com outros Orbivírus e a identificação de anticorpos contra proteínas do grupo dos Vírus da Língua Azul (VLA), não sendo possível identificar qual é o sorotipo envolvido.

 

Recentemente a utilização de anticorpo monoclonal em kits de ELISA-C demonstrou alta sensibilidade e especificidade para detectar anticorpo para o VLA.

 

Tabela 1. Levantamentos sobre a soro prevalência da L.A. em ovinos no Brasil.

AUTOR

ANO

LOCAL

% DE OVINOS POSITIVOS PARA LA

PROVA UTILIZADA

CUNHA et al.

1988

Rio de Janeiro

24,24 (16/66)

IDGA

ARITA

1992

São Paulo

52,7

IDGA

PANDOLFI

1999

Jaboticabal

87

ELISA c

COSTA

2000

Rio Grande do Sul

0,15

IDGA

LOBATO et al.

2001

Minas Gerais

61,8

IDGA

FROTA et al.

2001

Ceará

13,61

IDGA

COSTA et al.

2006

Rio Grande do Sul

0,16 (2/1331)

IDGA

Fonte: Pinheiro et.al, 2003 – com alterações

 

No Brasil, a manipulação do patógeno causador da LA está restrita à rede de laboratórios oficiais credenciados pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) o que poderia restringir a comunidade científica no desenvolvimento de determinadas pesquisas. A condução de projetos integrados, como o que está sendo desenvolvido na região do Pólo Regional Extremo Oeste, com o objetivo de estimar a prevalência desta enfermidade nos municípios de Araçatuba e Andradina, onde a crescente expansão da criação de ovinos e condições climáticas favoráveis à multiplicação e disseminação dos mosquitos Culicoides pode favorecer a sua ocorrência, certamente contribuirão para o conhecimento da situação epidemiológica da enfermidade e para o seu melhor controle.

 

BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS

 

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Origem: Apta Regional - www.aptaregional.sp.gov.br


1Pesquisadoras Científicas da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios - APTA - Pólo Regional do Extremo Oeste / UPD de Araçatuba – Laboratório de Sanidade Animal e Vegetal - órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. E-mail: ahnogueira@aptaregional.sp.gov.br

2Professora do Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal - UNESP-Araçatuba.

3Pesquisadoras Científicas da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios - APTA- Instituto Biológico - Laboratório de Viroses de Bovídeos – Centro de Sanidade Animal – São Paulo.



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CAMPOS NOGUEIRA, A.H. de; CARDOSO, T.C.; FERRARI, C.I.L.; PITUCO, E.M.; DE ESTÉFANO, E.; CURCI, V.C.L.M. Língua azul em ovinos. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_4/LinguaAzul/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 30/11/2007

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